Pandemia impacta saúde mental e eleva demandas na área: 'As pessoas passaram a se conhecer mais'

Busca por apoio profissional deve se manter alta nos próximos anos, estima médica psiquiatra do Hospital de Saúde Mental de Messejana, Danyelle Rolim

Morte, isolamento social, medo, desemprego, solidão, incertezas. Ao longo de quase um ano e seis meses da pandemia de Covid-19, inúmeros fatores engatilharam danos à saúde mental. Ainda que invisível, o coronavírus provocou mudanças bruscas em rotinas, elevando, concomitantemente, sintomas psíquicos e transtornos mentais. 

Como efeito, vem o uso excessivo de telas (celulares, computadores, etc), isolamento, insônia, medo de sair de casa, agravamento de transtornos mentais preexistentes, abuso de substâncias nocivas como o álcool, dentre outros, elenca a médica psiquiatra Danyelle Rolim Carvalho, preceptora da Residência Médica no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), em Messejana. 

De acordo com a psiquiatra, o período de isolamento social, somado às diferentes perdas, levou à reflexão, a um melhor entendimento das pessoas por suas "demandas emocionais". No entanto, diante de um vírus cujo grau de mutabilidade desafia qualquer previsão, não se deve “atrasar a busca” por ajuda, sobretudo se os sintomas psiquiátricos já existem.  

Confira a entrevista completa: 

A pandemia se arrasta por mais de um ano e cinco meses e, apesar de algumas melhoras nos índices, o cenário continua desanimador. Como encarar esse momento, no qual a resiliência também parece ter um limite? 

Os transtornos mentais preexistentes foram todos agravados [na pandemia]. A gente lidou com pessoas que nunca haviam adoecido adoecendo, muitos transtornos de ansiedade generalizada surgindo, pacientes deprimindo, iniciando medicações que nunca haviam utilizado. Então, foi um momento em que a especialidade foi muito demandada. A gente lida também com pacientes que realmente nunca melhoraram.

Na verdade, dizem que o medo ainda permanece. Às vezes é medo de sair de casa, medo de contaminação, às vezes obsessão por limpeza, alguns [buscam] refúgios de tela, têm compulsão por alimentação, dificuldade de dormir.

Outros encontraram refúgios em bebidas, em diferentes tipos de substâncias. Houve realmente um adoecimento da população nesse cenário de pandemia, uma piora. Aí é onde entra essa parte de [buscar] apoio, não só do psiquiatra, mas também apoio do psicólogo, apoio familiar, de terapeuta ocupacional, de profissionais de esporte, educadores físicos. Precisa bastante disso também.  

Com a pandemia e o risco de transmissão do vírus, as pessoas estão temendo ou evitando buscar ajuda?  

Eu trabalho também em um CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] e no começo [da pandemia] tinha até mais dificuldade dos pacientes com uma condição socioeconômica mais baixa de buscar apoio.  Agora, com a vacina, houve uma melhora do cenário. Os pacientes passaram a buscar mais as consultas, a procurar mais o psiquiatra e o psicólogo pra conversar. Então, apesar de ter o medo da nova variante, de ter algumas pessoas se contaminando novamente [mesmo no] pós-vacina, nós temos uma visão mais otimista. Após a vacina, as pessoas passaram a buscar mais ajuda. 

Em 2020, muitos foram os relatos de aumento de demanda na área da saúde mental. E, para 2021 e os próximos anos, a perspectiva é de incremento nessa necessidade de cuidados? 

Sim, acho que nesse período de isolamento as pessoas passaram a se conhecer mais, a entender mais as suas demandas emocionais, todo mundo foi obrigado a parar. Houve muitas perdas também, perdas físicas, perdas emocionais, sintomas físicos de doença, mas também sintomas de transtornos mentais. Acredito que se manterá não só a busca pelo profissional de saúde mental, mas também a busca pelos cuidados em saúde mental.  

Quais sintomas psiquiátricos ou transtornos mentais se tornaram mais comuns, desde o início da pandemia?  

A falta de ar é um sintoma clássico da Síndrome Respiratória Aguda [Grave – SRAG] da Covid-19. Na crise de pânico a pessoa [também] pode apresentar a falta de ar, o sufocamento, o aperto no peito como sintoma. Então, isso confundiu muito o paciente ansioso. O paciente que apresentava algum sintoma gripal mais leve achava muito que estava com Síndrome Respiratória Aguda da Covid-19 e isso foi motivo de muitas buscas nas emergências, que ficavam ainda mais superlotadas do que o habitual. Pacientes com síndromes gripais leves, que estavam saturando bem, buscavam a emergência pelo quadro psíquico. Eu e meus colegas pegamos muitos casos assim.

Outros casos que íamos avaliar eram nos hospitais, que às vezes [os pacientes] não conseguiam receber altas do internamento pela ansiedade. Ansiedade de sair do capacete de oxigênio porque não conseguiam tolerar, medo de morrer, então os sintomas respiratórios eram muito confundidos com sintomas graves, quando, na verdade, eram sintomas de crise de pânico. Isso foi clássico e ainda é durante toda a pandemia.  

Tem alguma faixa etária ou grupos que merecem mais atenção nesses cuidados com a saúde mental ou isso independe da idade?  

Independe da idade. A gente chegou a atender pessoas muitos jovens, mulheres, homens, atletas, às vezes até mesmo adolescentes, que viam suas famílias muito preocupadas. Os grupos de risco continuam sendo idosos e pessoas com comorbidade, mas como a doença [mental] é muito imprevisível, pode acometer todas as pessoas, de todas as faixas etárias. 

Embora haja um processo gradual de abertura e retorno à convivência social, muitas pessoas ainda seguem tentando se distanciar, trabalhando em casa, mantendo o uso excessivo de telas. Isso tem se traduzido em aumento de doenças na saúde mental? O que essa pandemia tão duradoura pode gerar nesse sentido?  

O que a gente viu foi o aumento do número de casos de transtornos de ansiedade, que se agravaram. Também acompanhamos pacientes que apresentaram depressão, transtorno do pânico tanto relacionado à pandemia, quanto os que adoeceram e apresentaram transtorno do pânico após. Transtorno de estresse pós-traumático após o internamento, após a intubação; transtorno após a perda de entes queridos. Tem pacientes que perderam a família inteira, então depressão, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno de pânico e ansiedade foram os mais vistos. 

Há uma percepção de que hoje estamos muito mais adaptados a esse cenário adverso? Ou, pelo contrário, agora há mais ênfase em ansiedades, estados de depressão? 

Eu sou otimista. Acho que a gente já está adaptado, mas de vez em quando ainda lido com casos de pacientes com a fala de que nada vai voltar a ser como era antes. Eu lembro que a primeira vez que saí ao supermercado e estava todo mundo de máscara, eu tomei um susto. Porque acaba que é um acessório né? A gente sai, bota e tira a máscara, mas se for olhar uma foto de dois anos atrás, isso não existia. Acaba que o ser humano tende a ir se acostumando com as coisas; o ser humano se adapta. 

O que é possível orientar diante dessas situações geradas ou enfatizadas na pandemia? O que as pessoas podem fazer para tentar aliviar esse peso? 

Buscar apoio, qualquer forma de apoio. Pode ser qualquer escuta, mas sempre buscar apoio, [seja] de um amigo ou de um familiar, de um psicólogo, de um psiquiatra, existem vários canais. Não é que [viver a pandemia] foi bom, mas ela serviu para mostrar que existem vários canais de apoio [psicológico]. Existem canais online, canais via telefone, sites.

Como não estamos mais em lockdown, os canais são mais abertos. Então [o recomendado é] sempre buscar apoio de falar, tentar fazer alguma prática em casa ou em algum lugar que seja mais seguro. Falar o que está sentindo, não guardar e não protelar a busca por ajuda. Porque em se falando de transtorno mental, o atraso no diagnóstico e no tratamento vai a favor de um prognóstico ruim. Sintomas de isolamento, tristeza, falta de apetite, de vontade de levantar da cama, de fazer as coisas, de se cuidar, vão piorando. Faz [sessão online] pelo celular, tira um momentinho, um lugar com mais privacidade da casa, mas não atrasa a busca de ajuda. 

ONDE BUSCAR AJUDA: 

Nami – Unifor 

O Núcleo de Atenção Médica Integrada (Nami), da Universidade de Fortaleza, oferece atendimento psicológico gratuito por meio do Serviço de Psicologia Aplicada (SPA). O atendimento ocorre de segunda a sexta-feira, de 7h30 às 11h 30m e das 13h às 20h. Sábado, de 7h às 11h. Mais informações nos telefones (85) 3477-3643, 3477-3644 e (85) 9.9210-2924 ou pelo e-mail: namispa@unifor.br 

CAPS – Fortaleza   

A Rede de Atenção Psicossocial da Capital dispõe de 15 centros para atender pessoas que apresentam sofrimentos psíquicos e/ou transtornos mentais severos e persistentes além de dependentes químicos. É possível buscar atendimento nas unidades de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e de 13h às 17h. 

Plantão Psicológico - UFC 

Por iniciativa do Laboratório de Estudos em Psicoterapia, Fenomenologia e Sociedade (LAPFES), a Universidade Federal do Ceará oferta, de forma on-line, plantão psicológico gratuito. O serviço destina-se a demandas decorrentes de questões relacionadas ao contexto da pandemia.

O serviço funciona todas as segundas (manhã e tarde), terças (tarde) e sextas-feiras (manhã e tarde). Para solicitar vaga, é necessário preencher um formulário eletrônico no mesmo dia no qual se busca receber o atendimento, sempre às 7h da manhã. A marcação prossegue até o preenchimento do número de vagas para a data.

Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM) - Messejana 

O Hospital Saúde Mental de Messejana conta com um plantão com dois psiquiatras para o atendimento de casos mais graves. No plantão presencial, o paciente passa por uma triagem com um psiquiatra. O atendimento ocorre durante 24 horas e todos os dias. Informações para atendimento emergencial no telefone 3101-4348. 

Plantão Coronavírus On-line

Por meio da plataforma digital Plantão Coronavírus, a Secretaria Executiva de Políticas de Saúde da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) implementou o ProVida, Plantão Psicológico online como suporte ao agravamento das demandas em saúde mental no cenário de pandemia. O atendimento é realizado por psicólogos habilitados e capacitados em Primeiros Socorros Psicológicos. 

O atendimento ocorre de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h, e pode ser acessado pelos seguintes canais: WhatsApp (85) 8439-0647, Telegram (@plantaocoronavirus), hotsite Coronavirus Ceará, chat pelos sites do Governo do Estado e da Sesa, além do Ceará App, disponível nas plataformas Android e iOS.