Fortaleza se recompõe. Aos poucos, tenta superar a onda de ataques criminosos difusos que, embora pareça perder força, ainda não cessou. Percorrer a cidade nos últimos dias é deparar-se com constantes relatos de medo diante de um dos cenários mais graves e cruéis vivenciado nos últimos anos na Capital. Mas, ainda que abalada, há parte da cidade cuja resposta ao terror é manter a rotina. Sair de casa. Estar na rua. Não por obrigação ou convicção. Mas por hábito. Em áreas distintas visitadas pelo Diário do Nordeste, ontem, moradores explicam que o costume de frequentar espaço públicos, apesar da histórica insegurança, é o fator que talvez, nesse momento, suavize os temores tão intensos em algumas áreas da Cidade.
Cortada por diferenças, a população de Fortaleza não responde aos atos criminosos de modo homogêneo. Se há bairros onde andar na rua sequer tem sido possível e o número de transeuntes é visivelmente menor desde o início dos ataques, em outros os moradores seguem a rotina.
Atentos aos acontecimentos, mas sem renderem-se aos temores gerados por eles. A permanência nas ruas, segundo moradores ouvidos pelo Diário, pode ser explicada por vários fatores: pela presença mais constante de policiamento; o que gera a sensação de segurança, pela distância dos locais em que ocorreram ataques, pela ausência de “toques de recolher” direcionados ao comércio, dentre outros. O fato é que a ocorrência das ações criminosas não afetou profundamente a ocupação de algumas grandes áreas públicas bastante frequentadas pela população. O Diário percorreu espaços localizados no Conjunto Ceará, na Granja Portugal, na Serrinha e no Vila União e registrou alguns exemplos dessa permanência.
No Conjunto Ceará, a vendedora Célia Alves da Silva, que trabalha há 35 anos vendendo lanches no Polo de Lazer do bairro, relata que na última semana a presença dos frequentadores no local não teve redução drástica. De acordo com ela, o movimento rotineiro de pessoas caminhando e crianças brincando no local não teve grandes interferências.
“A gente não pode ter medo. Eu sinto que diminuiu um pouco (o movimento) mas as pessoas continuam vindo. Elas veem sempre no mesmo horário e a gente não sente que tenha mudado. Tem que continuar vivendo e fazendo as coisas. É a forma que a gente tem pra seguir”, explica ela.
Na Granja Portugal, na Praça da Juventude, Francinilson Rodrigues da Silva segue vendendo frutas em uma banca das 7h às 19h. Clientes não faltam, segundo ele. São moradores do entorno, pessoas que se exercitam, crianças que vão praticar esportes.
Rotina mantida
“Eu acho que as pessoas continuam frequentando porque elas se sentem seguras. É a mesma movimentação. Posso garantir que nós aqui não fomos afetados”, reforça. A opinião é em parte compartilhada pelo bombeiro civil Hélio Torres, morador do bairro. Ele reconhece que é impossível “ficar imune ao medo” mas enfatiza que é necessário continuar “levando os filhos” para garantir a preservação de espaços do tipo.
Na Serrinha, o auxiliar de gráfica Marcílio Viana também segue levando a filha de 5 anos para brincar no espaço público, independentemente das últimas ocorrências em diversos bairros das cidade. "Aqui na Serrinha, sempre tem gente nessa praça. Não há nada diferente". O comércio ao redor do local também não sofreu interferência.
No Vila União, cadeiras nas calçadas, crianças pedalando, moradores consumindo lanches, comércios abertos marcam a ocupação do entorno da Lagoa do Opaia. “A gente tem medo de ir para outros bairros distantes. Ficamos com receio de irmos para áreas mais longes. Mas perto da nossa casa, a gente continua frequentando normalmente”, relata a operadora de saque, Tainá Martins.
A avaliação é reiterada pela dona de casa Maria Sousa e pelo reciclador Francisco Gledson dos Santos, moradores do bairro. “A apreensão das pessoas aqui é com o transporte. Mas não há problemas em andar nas ruas, sair de casa. Em tá na área de lazer”, diz ela.