Das quatro vacinas usadas no Brasil contra a Covid-19, apenas a da Janssen é dose única. Portanto, em todos os demais casos, para completar a imunização é preciso tomar a segunda dose. Na terça-feira (10), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou que cerca de 7 milhões de brasileiros não retornaram para tomar essa dose no país. Diante disso, qual a consequência para a pessoa, e para a coletividade, ao não retornar para aplicação da segunda dose?
Um ponto inicial é que as farmacêuticas responsáveis pela produção das vacinas em uso no Brasil, ao realizarem os testes, asseguraram que os resultados de eficácia se dão com as duas doses de cada imunizante. Portanto, para garantir a correta imunização é preciso seguir essa recomendação cuja base são os testes realizados e estudos documentados anteriormente.
No Ceará são usadas as vacinas CoronaVac, AstraZeneca, Pfizer e Janssen. Até quarta-feira (11), segundo o vacinômetro da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), foram aplicadas 6 milhões de doses, sendo 4,1 milhões de D1 e as demais de D2 e dose única.
O Ministério da Saúde foi questionado sobre quantas das 7 milhões de pessoas que não retornaram para a D2 são do Ceará, mas não respondeu até a publicação desta matéria.
As vacinas possuem distintos intervalos entre uma dose e outra. E, conforme a Sociedade Brasileira de Imunizações, estima-se que o potencial completo da vacina seja atingido em cerca de duas semanas após as duas doses para aquelas que são multidoses.
Intervalo entre as doses:
- Coronavac (Sinovac/Butantan): 14 a 28 dias
- AstraZeneca (Oxford/Fiocruz): máximo de 12 semanas entre as duas doses;
- Pfizer (Pfizer/BioNTech): máximo de 12 semanas entre as duas doses;
- Vacina Janssen (Johnson & Johnson): apenas uma dose é necessária.
Em termos gerais, afirmam especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, quem toma apenas uma dose da vacina diminui a capacidade de induzir uma resposta do sistema imune do organismo contra o vírus. E, com mais vírus circulando, cresce a chance de surgir novas variantes.
Portanto, para si mesmo, o prejuízo é a de redução do potencial de ficar protegido e diminuição da durabilidade da imunização, e em paralelo, o não comparecimento gera para a coletividade, o risco de brechas na cobertura vacinal, o que favorece a continuidade da circulação do coronavírus e aparecimento de variantes, retardando o fim da pandemia.
Consequência coletiva
“A ideia da vacina é uma ideia coletiva, apesar de tratarmos como uma proteção individual. O principal aspecto da vacina é a imunização da comunidade. O impacto de não tomar o ciclo completo é maior na sociedade. É mais comunitário”, destaca o biomédico e microbiologista, Samuel Arruda.
De acordo com ele, “o que vai acontecer, ao não tomar a segunda dose, é que você reduz a proteção. Diminuindo a efetividade, a proteção gerada pela vacina pode ter um tempo menor, por exemplo, ao invés de produzir anticorpos que durariam seis meses, um ano, a sua resposta pode ser muito pequena. Porque precisamos do reforço para induzir a uma resposta mais intensa”.
Além disso, ao gerar uma deficiência na cobertura vacinal, o indivíduo, diz ele, “favorece a circulação do vírus por mais tempo e surgimento de variantes”.
“A vacina é um estímulo artificial que a gente faz no sistema de defesa para imitar mais ou menos o que acontece quando o nosso sistema de defesa entra em contato com um vírus que ele não conhece. Então, esse estímulo vai levar a uma ativação do nosso sistema para que ele produza células e anticorpos que, a partir daí, vão reconhecer quando esse vírus aparecer e vão proteger”.
O médico esclarece que quando o organismo humano tem contato pela primeira vez com a vacina, a produção das células que são treinadas para atacar aquele agente externo “é relativamente modesta”. A quantidade desses anticorpos é mais baixa, reforça ele, e existe uma tendência de que com o passar do tempo, eles diminuam ainda mais. Por isso, o segundo estímulo é tão necessário.
“O fato é que uma dose é insuficiente. Não é ideal. Ela é maior do que não fazer nenhuma dose, mas ainda assim é insuficiente. A pessoa pode ficar desprotegida e, no momento que tiver contato com o vírus, vai ter uma chance maior de se infectar e transmitir”, detalha.
Posso tomar a vacina depois do prazo?
Cada imunizante usado no Brasil tem um intervalo específico previsto no protocolo de cada fabricante entre uma dose e outra, conforme os testes realizados. Mas, diante tanto da escassez de vacinas no país, como da demanda de adiantamento para alguns grupos populacionais, vez a outra a discussão sobre adiantamento e expansão desse intervalo volta à tona. Essa questão também envolve as pessoas com a D2 em atraso.
O biomédico e microbiologista, Samuel Arruda, explica que “mudanças nos prazos ainda estão sendo avaliadas. Estender ou diminuir prazos é algo que ainda está em discussão”. Isso porque, segundo ele, “no caso das vacinas para o coronavírus não se sabe dizer ainda quais as implicações de ampliar ou diminuir o prazo, e isso só se sabe quando se testa”.
O médico infectologista e consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará, Keny Colares ressalta que das quatro vacinas em uso no Brasil, somente uma “tem essa estratégia de ser dose única. E o tempo vai dizer se o grau de proteção dela e a duração realmente são comparáveis a outras vacinas”.
Em relação às pessoas cuja segunda dose está atrasada, ele orienta que “mesmo que não tenha sido respeitado o intervalo, quando houver a segunda dose o sistema imunológico tem esse efeito memória. Se a pessoa perder a dose, e fizer com dois ou três meses de atraso certamente o sistema imunológico vai gerar resposta”.
De acordo com ele, quando há essa demora no retorno para a segunda dose “é possível que se tenha uma perda na capacidade de proteção” porque, explica ele, “elas (vacinas) são testadas em determinadas condições. Porque foram estudadas em pesquisas, foram comprovadas que funcionam. Mas, fora desse prazo não foi testado e comprovado”.
Contudo, ele reitera que quem perdeu a segunda dose é importante que retorne para receber a vacina e ressalta que, mesmo que o intervalo seja maior que o previsto nos protocolos, a pessoa vacina com a primeira não precisa recomeçar o esquema vacinal, basta receber a segunda dose.