É a sensação de segurança proporcionada pelo sobe e desce da cancela nos estacionamentos que faz com que clientes optem por pagar a tarifa - por hora ou fração - ao invés de peregrinar pelas ruas em busca de uma vaga.
Essa mesma tranquilidade pode se evaporar em instantes quando o carro é encontrado com uma das janelas quebrada e o interior, revirado. Pior ainda quando o veículo 'desaparece'.
O desamparo aumenta ao ler as placas fixadas em destaque: "não nos responsabilizamos pelos bens deixados no interior dos veículos". O Artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, porém, prevê o contrário. "Se um estabelecimento oferece uma área pra estacionar, cobrando ou não, ele é responsável por todos os bens dentro do carro. É o serviço que está sendo prestado", explica Thiago Fujita, presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-CE.
A regra vale para todo estacionamento disponibilizado por comércios, bancos, shoppings, hospitais e farmácias. Segundo Fujita, a partir do momento em que uma empresa se propõe a oferecer um local para estacionar, ela assume para si uma prestação de serviço, na qual está inserida a segurança dos bens.
No caso de lojas que oferecem vagas para estacionar e não cobram, juridicamente, entende-se que "o valor do estacionamento está incluído no preço de outros serviços que o comércio oferece", de acordo com o presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-CE.
Polêmica
O mesmo vale para estacionamentos menores, delimitados por faixas pintadas na calçada recuada em frente a um estabelecimento. "Há uma certa polêmica na questão do recuo. Alguns juízes entendem como insuficiente para responsabilizar a empresa, mas, na maioria das vezes, o resultado é favorável para o cliente", destaca.
A polêmica também se estende para os casos de furto a veículos estacionados em vagas da Zona Azul. "Na sua grande maioria, a jurisprudência entende que a Prefeitura não deve ser cobrada, tendo em vista que a Zona Azul garante a rotatividade das vagas, então só se garante a possibilidade de uma troca de pessoas utilizando o espaço, mesmo existindo uma cobrança", diz Fujita. Entretanto, apesar de raros, existem casos que trazem a condenação.
Condomínios
Em um âmbito não-comercial, questionam-se as situações de danos causados aos carros estacionados dentro de condomínios residenciais. De acordo com Carlos Levi Costa, defensor público da 3ª Defensoria Cível de Fortaleza, em casos do tipo, a culpa da vigilância deve ser atestada. "A situação muda um pouco porque aplica-se o Código Civil.
Se o condomínio contrata uma empresa de segurança ou administração, essa empresa pode ser responsabilizada, assim como o próprio condomínio. É uma responsabilidade solidária", explica. No processo judicial, é discutido se quem deverá pagar serão ambas as partes ou apenas uma. O condomínio resolve internamente, e todos os moradores arcam com a despesa da possível indenização.
Orientação
Caso um cliente tenha seu veículo furtado enquanto mantido em uma área delimitada para estacionar, a orientação é entrar em contato com o fornecedor ou empresa responsável pelo estacionamento para estabelecer um acordo. Caso não seja possível, deve-se procurar então o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor, ou ingressar com ação judicial contra a empresa no intuito de ser ressarcido do prejuízo.
Batalha
A opção de lutar na Justiça foi a única saída para Elaine Fernandes, 43, professora de arte e empreendedora. Em agosto de 2017, após deixar seu carro no estacionamento de um supermercado no bairro Montese, ao retornar, ela encontrou o vidro traseiro quebrado, logo acima do bagageiro.
"Tinha guardado computador, máquina fotográfica, muitos materiais de artesanato. Passei meia hora dentro do supermercado. Quando voltei, o carro tinha sido arrombado, e eu fiquei meio desorientada. Nem vi que o som do veículo tinha sido levado. Eles quebraram o vidro, abriram a porta, puxaram o banco de trás e levaram simplesmente tudo que tinha no bagageiro", lembra a professora.
De volta ao supermercado para pedir ajuda aos funcionários, a atenção foi negada à Elaine por cerca de trinta minutos. Segundo ela, apenas um guarda a acompanhou até veículo para fazer os registros em foto. Enquanto tentava o contato com a administração, outra cliente chegou denunciando ter sido vítima de crime semelhante, no mesmo estacionamento.
"Solicitei que olhassem a imagem das câmeras de vigilância. Foi quando soube que o monitoramento é feito só na entrada e na saída, o estacionamento em si não é vigiado", relata. Após ligar para a Polícia, que foi até o local, Elaine foi informada de que deveria apenas registrar um boletim de ocorrência. Só lhe restaram uma ficha a ser preenchida e o prejuízo estimando entre R$ 20 mil a R$ 25 mil.
"Resolvi entrar com uma ação judicial. A sensação de constrangimento e desamparo foi horrível. Você está dentro de um estabelecimento de consumo, você vai pagar por aquilo, e de repente você é usurpada", lamenta.
Um ano após o ocorrido, deu-se a primeira audiência. "Foi simplesmente para me dizer nada. Foram dois representantes do mercado, que não sabiam nada do caso", diz Elaine. "Outra audiência, entre outubro e novembro de 2018, também não deu em nada. Só foi dito que aquela audiência não era mais para acordo. Os depoimentos foram gravados, levaram testemunha, e agora ia para um juiz, que ia dar um veredito". Até o momento, não há previsão para que a decisão seja divulgada.