Síndrome do Tarzan: o que é e como pode afetar casais de todas as idades

O medo da solidão e a necessidade de estar sempre em um relacionamento como forma de validação social vem gerando debates na internet

“Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho”. Será mesmo? Tom Jobim já nos dizia na canção ‘Wave’, desde a década de 1970, sobre a necessidade de amar e ser amado para nos sentirmos completos.

Algumas pessoas levam esse pensamento ao pé da letra e usam a paixão como uma possível válvula de escape e saem pulando “de galho em galho”, emendando relacionamentos amorosos pelo medo de estarem sozinhas ou empilhando uma lista com ex-parceiros.

O medo da solidão e a necessidade de estar sempre em um relacionamento como forma de validação social vem gerando debates na internet. Um termo que tem ganhado destaque é a Sindrome de Tarzan, definida por Álvaro Rebouças*, psicólogo clínico e professor do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza (Unifor), como uma síndrome em que uma pessoa tem um relacionamento e, ao mesmo tempo, possui uma relação anterior que ela não consegue fazer um 'encerramento emocional'.

“A denominação de Síndrome de Tarzan é em referência ao personagem Tarzan que, para se locomover pela selva, fica passando de um cipó para o outro, porque é o que acontece com a pessoa que passa de um relacionamento anterior para um outro. Assim, a dificuldade é de soltar o relacionamento de antes e assumir plenamente o relacionamento presente”, sublinha o especialista.
Álvaro Rebouças
Psicólogo

"A pessoa inicia uma nova relação ainda com questões pendentes do passado e às vezes fica pendulando entre o relacionamento anterior e o relacionamento que iniciou. Então, essa pessoa fica emocionalmente dividida ou, muitas das vezes, fica tendo recaídas com o antigo relacionamento", explica o psicólogo.

Dificuldade de lidar com o fim de relacionamentos

A falta de autoconhecimento e a dificuldade em encerrar ciclos pode trazer consequências tanto para as pessoas envolvidas no atual relacionamento como pessoas do passado.

Esse comportamento se dá por algum grau de dependência emocional do antigo parceiro, o que pode dificultar o início de novas relações saudáveis.

De acordo com o psicólogo, muitas pessoas evitam iniciar relações amorosas com desconhecidos porque esse movimento requer uma dedicação emocional que muitas vezes elas não estão preparadas para enfrentar. Lidar com mudanças pode gerar medo ou insegurança. Isso explica porque muitas vezes pessoas acabam entrando em ciclos tóxicos por não aceitar o processo de luto de uma relação anterior.

Para detalhar esse comportamento, Álvaro Rebouças cita o estudo do psiquiatra britânico John Bowlby, conhecido pelo trabalho pioneiro na chamada Teoria do Apego.

"O vínculo constituído pode ter sido um vínculo de apego. Como diz o autor John Bowlby, seria a forma insegura como uma pessoa se vincula com outra, e esse apego pode ter uma quantidade de dependência emocional ou de algo que você tinha desta pessoa ou achava que deveria ter. Certamente, essa pessoa tem uma dificuldade de encerrar essa relação por não realizar plenamente esse processo de luto, que seria de aceitação de uma perda”, detalha o profissional.

Consequências na saúde mental e emocional

Dependência emocional, crises de ansiedade e depressão ou até mesmo um quadro psicótico paranoico são alguns aspectos que o fim de um relacionamento amoroso pode gerar, além de afetar outras esferas da vida da pessoa.

“O entristecimento em vista da dependência emocional, a pessoa, dependendo das circunstâncias, pode desenvolver um quadro ansioso ou depressivo. Algumas limitações nas relações sociais, familiares e que podem interferir até no trabalho”, afirma Álvaro Rebouças.

O especialista alerta que esses vínculos podem produzir comportamentos perigosos e até criminosos, como stalkear, perseguir a outra pessoa.

“A pessoa também pode ficar mais reclusa ou desenvolver uma vigilância e até mesmo uma observação em relação à pessoa que terminou o relacionamento amoroso. Dependendo da forma como essa pessoa lida com o fim da relação, ela pode se tornar um perseguidor”, diz o especialista, citando a importância de vivenciar os processos de encerramento das relações.

“Consideração aspectos bem negativos em termos de saúde mental, a pessoa pode desenvolver tanto uma perseguição ou até um quadro psicótico paranoico, transtornos de humor, como a depressão ou um quadro de transtorno de ansiedade por conta das possíveis lembranças das situações vivenciadas, positivas ou negativas. Então, isso depende de como essa pessoa vai enfrentar essa circunstância”, pondera o psicólogo.

Ter suporte emocional e saber lidar com as novas circunstâncias, do próprio término, e vivenciar um contexto em que a outra pessoa não faz parte mais da sua vida são medidas que podem ajudar nessa superação.

Importância de encerrar ciclos

A importância de saber encerrar os ciclos amorosos pressupõe a ideia de que você consegue lidar com as transições da vida, significa que você aprendeu a lidar com situações que exigem estabilidade emocional.

Saber o tipo de relação na qual você quer estar é um importante aspecto do  autoconhecimento para chegar à maturidade emocional. Entender que um ciclo se fechou e que todo relacionamento gera um repertório que compõe a sua história traz mais segurança para futuras relações.

“A maturidade emocional e relacional para poder encerrar processos ou vivências em que certamente você sabe que ficarão como parte da sua história, mas não são momentos em que foi possível dar continuidade, pressupõe a ideia de que você vai ganhando cada vez mais experiência, maturidade e também uma certa assertividade até mesmo de relações em que você quer”, destaca o especialista.

“Nessa circunstância, você também vai ganhando compreensão sobre si mesmo, respeito sobre o que você quer e até mesmo compreensão sobre as outras pessoas. Uma leitura sobre o momento em que as relações têm possibilidade de se manter e quando elas não têm possibilidade de se manter. Seria uma leitura muito realista sobre quem você é, quem são as outras pessoas e o que é ou que era o relacionamento amoroso que você fazia parte”, detalha.

Como superar um término quando ainda se tem sentimentos pela pessoa?

O processo de término de uma relação amorosa começa a partir do momento em que começamos a dirigir o foco de necessidades emocionais, sociais, familiares e profissionais. 

Emocionalmente, as pessoas se sentem ligadas mesmo quando os ciclos são encerrados, e isso precisa ser desconstruído gradativamente. Dedicar-se ao autocuidado é peça essencial nesse momento.

“A pessoa vai perdendo uma certa prioridade emocional e social na sua vida. A mudança de foco é extremamente importante nesses momentos de término e principalmente quando a pessoa assume que o relacionamento se encerrou. Esse processo se dá com muita dor, mas certamente é algo necessário para que essa relação se transforme. Mude a prioridade que você dava a essa pessoa e comece a dar a prioridade para si mesmo”, recomenda Álvaro Rebouças.

Outro ponto levantado pelo psicólogo são que as lembranças negativas sobre o ex-parceiro, pelo menos no período após o término, podem ser uma forma de superar a relação ou de não ter recaídas. 

“Momentos posteriores ao término, muito provavelmente, vão ser uma lembrança negativa. Até porque essa lembrança negativa é necessária para que você se afaste desta pessoa, o que nós chamamos no psicodrama de rematrização, que seria colocar essa pessoa em uma outra posição, que não seja uma posição de prioridade ou privilégio que tinha anteriormente”, continua. 

“Esse lugar de privilégio se volta para você, para começar uma relação de autocuidado. Emocionalmente, você começa a nutrir emoções dirigidas para si mesmo e, posteriormente, você começa a querer trocar com outras pessoas novamente”, complementa o especialista.

Como lidar com a solidão e evitar o padrão repetitivo?

A solidão acaba sendo uma circunstância desse processo pós-término. O psicólogo, distingue, no entanto, os momentos de solitude, que é quando você quer estar só, dos momentos de solidão, quando você não quer estar sozinho, mas não tem quem procurar. Ter boas relações sociais e o apoio da família e dos amigos pode ajudar nesse processo.

“A rede social significativa de cada pessoa vai ser extremamente importante nesses momentos, inclusive para poder evitar a solidão nesse processo de vivenciar o luto e aceitar essa perda”, disse o psicólogo.

Já para evitar um padrão de repetição, é necessário conhecer as próprias emoções e estar consciente de suas escolhas. 

“Você vai ter que compreender o que você aceita e o que você não aceita. Isso tem muito a ver com o teu processo de individuação e com os teus valores. Para evitar a repetição, a pessoa precisa se tornar consciente das escolhas que está fazendo de cônjuge e o que é bom para ela, ou seja, se compreender melhor e saber quem você é e o que você sente", afirmou. 

A psicoterapia é fundamental para a autodescoberta, e observar padrões de repetição em relacionamentos para identificar motivações conscientes e inconscientes.

“Você se observar nesses processos, até mesmo saber quais são os motivos que você escolhe uma pessoa como cônjuge, certamente, vão te ajudar muito, porque existem motivos conscientes e inconscientes para essa escolha, mas é muito importante você conhecer quais são esses motivos e saber o que te satisfaz e o que não te satisfaz em um relacionamento amoroso. Isso vai evitar muito a repetição, um processo que vai ocorrer geralmente no desconhecimento dos motivadores da escolha amorosa, da escolha do cônjuge. Essa repetição pode ser algo que produza consequências negativas em razão desse desconhecimento”, esclarece Álvaro Rebouças.

Além do processo psicoterápico, desenvolver novos hábitos na rotina, ter hobbies, fazer exercício físico, atividades em grupo e ter uma vida social mais ativa são medidas que podem ajudar nesse processo.

“Se a pessoa não estiver consciente de quem é e do que quer, poderá continuar a ter dificuldades de viver ou encerrar os relacionamentos pela manutenção inconsciente do padrão de repetição de relações insatisfatórias. Esse padrão pode ter sido assimilado nas relações na família de origem ou na vivência dos relacionamentos amorosos”, detalha.

“Pessoas que identificam essa dificuldade nos relacionamentos amorosos podem buscar a psicoterapia e suas redes sociais significativas e novas metas para suas vidas como formas de lidar com essa situação”, finaliza o especialista.

*Álvaro Rebouças Fernandes é graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Psicodrama pelo Instituto de Psicodrama e Máscara e em Sociodrama Familiar Sistêmico Cibernético pelo Núcleo de Estudos de Psicodrama de Ribeirão Preto - SP e pela Escola de Sociodrama Familiar Sistêmico de São Paulo. É professor do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza (Unifor) e professor do módulo de casal e família do Instituto de Psicodrama e Máscara. Psicólogo clínico no atendimento de individuais de adultos, casais e famílias. Autor dos livros: “O poder nas Relações Conjugais: uma investigação fenomenológica das relações de poder no casamento” (2010) e “Plantão psicológico com casais e famílias em situação de crise” (2023).