Redação do Enem 2020: professores avaliam que candidatos tinham repertório para escrever redação

Tema tratou do "estigma associado às doenças mentais" e havia sido antecipado pelo EducaLab

A prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020 exigiu dos candidatos a produção de textos dissertativo-argumentativos sobre “o estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”. O tema foi antecipado pelo EducaLab em matéria que listou 15 possíveis assuntos a serem abordados no exame e foi anunciado oficialmente neste domingo (17) pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, em suas redes sociais.

Professores ouvidos pelo EducaLab acreditam que o tema deste ano não foi difícil, que candidatos teriam repertório para dissertar sobre, mas que poderiam cair em armadilhas.

O professor de redação João Filho, que indicou à reportagem o tema “saúde mental”, acredita que nenhum educador ou escola deixou de tratar do assunto ao longo do último ano — principalmente se considerar a potencialização dos adoecimentos mentais devido à covid-19.

Tangenciamento do tema

Porém, de acordo com João Filho, candidatos que utilizaram a pandemia como questão central do texto correm risco de tangenciar o tema e terem a nota reduzida. “Saúde mental, depressão e ansiedade são estigmas na sociedade brasileira há muito tempo. Uma marca que existe e que muitas pessoas negligenciam até como doença. A pandemia potencializou”.

O professor de Linguagens e Códigos Vinícius Beltrão também acredita na possibilidade de muitos tomarem a pandemia como mote, quando ela é para ser exemplo, apenas. “Se a gente já tinha um quadro difícil [de adoecimento mental] e de não crença da sociedade [na gravidade do problema], a pandemia revelou muitas outras pessoas [doentes]”, argumenta.

Outra possibilidade de tangenciamento, segundo a professora de redação Nelândia Teodoro, seria não se debruçar sobre os “estigmas” das doenças mentais. “O aluno não poderia, de forma alguma, trabalhar o tema ‘saúde mental’ sem entender que a banca estava pedindo que ele problematizasse quais estigmas essas pessoas sofrem ou por que esses estigmas são colocados e quais as consequências”.

Construção ideal

Segundo o professor Vinícius, o tema versa sobre pessoas reconhecidas como diferentes e que, de certa forma, não estão incluídas na sociedade ou não são bem aceitas. Isso devido a um processo histórico de negligência no que diz respeito às doenças mentais. “A própria sociedade não reconhece qualquer doença, qualquer distúrbio mental, como algo sério. Ainda é muito visto como um comportamento de ‘pessoa que quer atenção, palco’”, observa.

Ele considera, então, que, para ser bem estruturada, a redação precisa contextualizar esse problema na história brasileira, tratar da dificuldade de aceitação e da ausência de políticas de tratamento e trazer repercussões dessa negligência, citando, por exemplo, casos que desembocam em suicídio, exclusão do mercado de trabalho e outras consequências.

Além disso, seria ideal argumentar o quanto — em reais — o Governo investe em políticas de saúde mental, comparar a situação brasileira a de outros países, contextualizar com os agravamentos provocados pela pandemia de covid-19 e propor soluções viáveis.

O professor João Filho destaca ainda que é fundamental não confundir “estigma” com “preconceito” e argumentar sobre a existência de diferentes tipos de doenças mentais.

Pautas governamentais

Segundo a professora Nelândia, pautas relacionadas à “saúde mental” têm ganhado espaço no Governo ao longo dos últimos anos. Ela citou, por exemplo, as mudanças na Política de Saúde Mental aprovadas em 2019, as políticas de combate e prevenção à automutilação e ao suicídio e a destinação de R$ 65 milhões para a ampliação da rede de saúde mental no Brasil.

“Quem acompanha os sites governamentais consegue perceber quais são os ministérios que estão trabalhando questões que seriam mais urgentes”, reforça a professora.  

Podcast

O tema “saúde mental” também foi abordado pelo EducaLab em vários episódios do podcast “Isso Não Cai no Enem”, como no que abordou a escolha do curso ideal, no que destacou a importância do apoio familiar, no que apontou as dificuldades de concentração nos estudos em meio à pandemia e no que ensinou a cuidar da saúde mental.