No último decreto governamental, a partir do qual houve uma flexibilização do isolamento social rígido no Ceará, as aulas presenciais foram liberadas. Porém, apenas para crianças de 4 e 5 anos no ensino infantil e do 1º e 2º ano do ensino fundamental, com respeito ao limite de 35% da capacidade. Para entidades escolares do Estado, o retorno parcial ainda é insuficiente para reparar os prejuízos já acumulados por estudantes e por toda a comunidade escolar ao longo da pandemia de Covid-19.
O Sindicato de Educação da Livre Iniciativa do Ceará (Sinepe) defende que estudantes de todas as séries sejam autorizados a retornar à sala de aula. Sobretudo, os de 1º e 2º anos do ensino médio, que estão há mais de um ano sem ter aulas presenciais. Esse retorno se basearia no "trabalho de preparação que já temos desenvolvido para a segurança dos alunos e a experiência obtida com o retorno das primeiras séries", endossa a vice-presidente do Sinepe, Andréa Nogueira.
Representando mais de três mil famílias de alunos de escolas públicas e privadas, o Movimento Escolas Abertas Ceará também defende que as aulas presenciais no Estado passem a contemplar todo o ensino básico, englobando, assim, a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
Dados da Covid entre estudantes
Desde o início da pandemia, foram registrados no Ceará 42 casos confirmados de Covid-19 em estudantes de zero a 4 anos, sendo 18 crianças do sexo masculino e 24 do sexo feminino. Já na faixa de 5 a 9 anos, houve acúmulo de 50 dignósticos positivos para a doença, sendo 20 em meninos e 30 em meninas. A maior incidência ocorre entre estudantes das faixas etárias mais avançadas, de 15 a 19 anos. Ao todo, foram confirmados 10.144 casos entre os jovens, sendo a maioria (5.700) estudantes do sexo feminino e 4.444 do sexo masculino.
Considerando todas as faixas etárias, são 15.589 registros entre estudantes, com 30 óbitos. Entretanto, considerando apenas a faixa etária de 10 a 19 anos, foram 5 mortes. Não foram contabilizados falecimentos de crianças menores de 10 anos por Covid-19. Os dados foram atualizados às 17h13 dessa segunda-feira (19) na plataforma IntegraSUS, gerida pela Sesa.
Atividade essencial
Para a fundadora do Movimento Escolas Abertas Ceará, Fernanda Araújo, em um contexto de flexibilização, é necessário tratar a educação - tal como outros segmentos - como uma atividade essencial.
Ela afirma compreender a importância da flexibilização para atender necessidades sociais e econômicas, mas acredita que a retomada também deve se estender ao segmento educacional.
“A gente entende que é possível liberar [aula presencial] até o terceiro ano do ensino médio e com o percentual reduzido. Podemos trabalhar com esses 35% propostos pelo Governo, mas englobando todos os níveis de educação básica”.
Médica e também doutora em Ciência, Fernanda Araújo destaca não haver comprovações científicas demonstrando que a escola aberta seja um ambiente mais propício à disseminação do coronavírus. E, mesmo fechada, não é capaz de reduzir a curva de transmissão comunitária.
“A escola tem que ser a última a fechar e a primeira a reabrir. Se existe atividade econômica liberada, a escola pode e deve estar liberada com segurança porque a escola já se provou um dos ambientes mais seguros na sociedade”.
Conforme Andréa Nogueira, desde setembro de 2020, o Sinepe vem comprovado que as escolas que seguem os protocolos de biossegurança em Fortaleza são "espaços seguros. Mesmo após a chegada das novas variantes em janeiro, não temos notícia de surtos em escolas". Mundo afora, as escolas são as últimas atividades fechadas e as primeiras as serem reabertas".
Retorno gradual célere
A vice-presidente do Sindicato ressalta que o retorno gradual não acarretaria problemas, se realizado de forma "célere", mantendo uma média de sete dias a cada etapa. Do contrário, os estudantes são prejudicados.
"Quando o retorno tarda, as crianças e adolescentes sofrem com a descontinuidade da aprendizagem e com a ausência de um ambiente que proporciona interação e socialização. Vale ressaltar que, neste momento, a escola exerce um importante papel na conscientização de que as medidas de proteção devem ser seguidas e mantidas dentro e fora da comunidade escolar".
Vacinação de professores
Mesmo com novo decreto do Governo do Ceará autorizando o retorno de aulas presenciais para séries iniciais, escolas públicas de Fortaleza permanecerão com ensino remoto. A volta aos colégios, divulgou a gestão municipal, deve ocorrer somente após a vacinação dos professores contra a Covid-19.
A fundadora do movimento classifica este fator condicionante como uma “demanda absurda”, pois um grupo que não corre alto risco de contaminação do vírus seria privilegiado em detrimento de outros mais vulneráveis, como os motoristas de coletivos ou caixas de supermercado, por exemplo.
Ao contrário de outros profissionais, indica, os professores podem utilizar diariamente equipamentos de proteção individual durante as aulas e trabalhar em um ambiente onde os protocolos sanitários podem ser mais facilmente seguidos. Também contam com a possibilidade de trabalhar remotamente, caso integrem grupos de risco.
“[A exigência de vacinação dos professores] não faz o menor sentido, nem do ponto de vista científico e nem do ponto de vista ético, de sociedade”.
Questionada pela reportagem sobre a atual taxa de contágio do coronavírus nas escolas estaduais, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) informou que, "neste ano, 38 instituições de ensino da Capital notificaram casos da Covid-19". Dessas, 33 confirmaram casos e cinco descartaram até a última sexta-feira (16).
Em nota, a Secretaria da Educação (Seduc) informou que, no momento, a "rede pública estadual de ensino segue com atendimento remoto". E que "aguarda as orientações do Governo" do Ceará para um eventual retorno às aulas presenciais."Neste processo de retomada gradual, a análise dos indicadores e a ponderação de restrições e liberações de atividades é feita semanalmente", complementou a Pasta.
Prejuízos “incalculáveis”
Caso as aulas presenciais não sejam retomadas em breve em todo o ensino básico, “os prejuízos podem ser enormes” para os alunos e seus familiares, estima a fundadora do Movimento.
Ela cita que a escola é um dos primeiros locais de diagnósticos de violência doméstica e é um ambiente seguro onde as mães, sobretudo as de menor poder aquisitivo, podem deixar seus filhos enquanto trabalham.
Com a dificuldade de acesso às aulas remotas, soma, há regressão de aprendizado, aumento da evasão escolar, inserção precoce no mercado de trabalho. Sem perspectivas, alunos ainda podem virar “alvos fáceis do crime organizado”.
“Quanto mais tempo [o segmento] ficar no ensino remoto, maior vai ser o 'gap' da escola pública e privada. Os prejuízos são incalculáveis”.
Problema agravado na pandemia
A pandemia veio exacerbar um problema já grave na Educação. Estudo da Fundação Abrinq revela ainda que, entre julho e novembro de 2020, em média, 1,66 milhão de crianças e adolescentes com até 17 anos informaram não estar estudando. Crianças de até seis anos e adolescentes de 15 a 17 anos estão entre os mais prejudicados.
O estudo também revela que nos cinco meses acima descritos, 4,6 milhões de crianças e adolescentes de até 17 anos declararam não ter recebido nenhuma atividade escolar, mesmo que estivessem estudando. A situação é ainda mais grave para estudantes cujos domicílios estão cadastrados no Programa Bolsa Família.
Levantamento Internacional de Retomada de Aulas Presenciais na Primeira Infância, elaborado pela consultoria Vozes da Educação, com apoio da Fundação Lemann avaliou dados de 22 países. Conforme o estudo, 15 deles, ou 70%, estão com os Centros de Educação Infantil abertos, seja para todas as crianças, ou a depender do número de casos na região. França, China, Reino Unido, Argentina, Estados Unidos, Canadá e Itália estão entre os países cujas aulas presenciais foram retomadas.
Enquanto as aulas presenciais não se estendem a todo o ensino básico, a recomendação, aponta o Sinepe, é que as escolas redobrem o rigor no cumprimento dos protocolos.
"As várias camadas de proteção, em conjunto, são eficazes para evitar a contaminação de vírus respiratórios. Somando o distanciamento, o uso de máscara, a lavagem das mãos, a boa ventilação dos espaços e o isolamento de casos suspeitos, as escolas têm sido bem-sucedidas na contenção do vírus", garante Andréa Nogueira.