Da zona rural, aluno da rede pública no CE conquista ouro em competição de Química: 'mais motivado'

Jordelean Pedro da Silva, de 17 anos, mora e estuda entre 2 distritos que compõem o território de Sobral, cidade referência em educação no Brasil

Para ir e voltar da escola é preciso percorrer cerca de 60 km todos os dias. Trinta quilômetros a cada trecho. De segunda a sexta-feira, Jordelean Pedro da Silva, de 17 anos, deixa o distrito de Pedra de Fogo e segue para outro distrito, o Rafael Arruda. Ambas as localidades pertencem ao território de Sobral, cidade referência em educação no Brasil.

Foi dessa comunidade distante e marcada por aspectos rurais que Jordelean conquistou a medalha de ouro, na etapa de pólos, na Olimpíada Cearense de Química (OCQ), em 2021. 

Esta matéria integra a série “Terra de Sabidos", publicada pelo Diário do Nordeste com patrocínio da Assembleia Legislativa do Ceará e cujo foco é contar histórias de estudantes da rede pública estadual do Ceará  e da rede municipal de Fortaleza, que, via educação, tiveram as trajetórias alteradas, conquistado oportunidades, e reconhecimentos local, estadual e nacional.​

O aluno, hoje no 2º ano do Ensino Médio, fez todo o percurso escolar na rede pública. Em 2021, ingressou na rede estadual na Escola de Tempo Integral Agostinho Neres Portela. Na unidade, que conforme avalia Jordelean possui boa estrutura, ele permanece todos os dias das 7h às 16h.  

A prova da Olimpíada, lembra ele, foi aplicada no final do ano. E o resultado foi informado pela professora de química. “No dia eu fiquei surpreso e alegre. Aí fiquei mais motivado. Depois, eu comecei a querer saber mais sobre. Eu fui aprendendo mais”, relata.

Rotina e limitações

No rol das preferências constam português, química, educação física, arte e matemática. E apesar do bom desempenho na prova, ele destaca que antes - no Ensino Fundamental - não tinha tanto interesse pela disciplina. Já esse ano passou a ter “mais gosto” por esse conteúdo. “No 1º ano eu não gostava muito não. Aí eu fui me esforçando, aprendi. E hoje eu acho mais fácil”. 

Como boa parte do dia Jordelean passa na escola, as atividades de estudo acabam se concentrando na rotina na instituição. Aulas nas salas, na quadra, em laboratórios e até em logradouros do distrito sede da escola. Assim é a rotina. “Gosto dos laboratórios. No de química, nós trazemos material de casa e fazemos as experiências. Depois produzimos relatórios”, explica. 

A ajuda mútua entre os estudantes também é ponto reconhecido. A imagem que projeta da própria escola, reflete ele, é de um espaço de muitos alunos inteligentes e que se destacam, com ênfase também nas ações de cooperação.

“Uns ajudam os outros. Quando tem dúvidas, vai e pergunta. Quem sabe motiva a gente. É coisa simples, quando estamos fazendo as tarefas de matemática, por exemplo, tem gente que chega e ajuda”, exemplifica ele.

Em casa, condições como ausência de computadores e, em diversos momentos, a necessidade de dividir o celular com a irmã, adolescente e estudante da mesma escola, limita os momentos de aprendizagem na residência. E foi com esses percalços que eles enfrentaram as aulas remotas na pandemia de Covid. Em paralelo, relembra, “a questão financeira apertou muito”. 

A medalha veio exatamente em um dos anos de grande adversidade. Em 2021, a premiação, além da empolgação, gerou impulso no estudante que se define como tímido e esforçado.

“A de química (olimpíada) é a que me garanto. É a melhor que eu vejo dentro das temáticas que eu estou estudando. Quero participar também da de matemática e eu estou aprendendo mais. Eu consegui e isso me motivou. Agora eu quero tentar outras para ver se eu consigo”, destaca. 

Na escola, que já tem uma cultura de incentivo à participação em competições escolares, Jordelean reitera que se sente estimulado a se inscrever. Os professores, acrescenta, “dão muitos conselhos e ajudam bastante”. 

Um deles é o professor de Sociologia, Caio dos Santos Tavares. Ele destaca que “a rotina escolar é muito cansativa para os alunos levando em conta o tempo integral. E as olimpíadas são formas de sairmos um pouco dessa rotina e incentivarmos os alunos a realizarem uma atividade extra-escolar”. 

O professor reforça que esse tipo de competição é uma forma de demonstrar que os estudantes “são capazes e há outras modalidades de educação”. Outro ponto é o contexto social dos alunos. 

Incentivos

A Escola de Tempo Integral Agostinho Neres Portela fica em um distrito de Sobral, mas o território concentra praticamente o encontro de 4 cidades da Região Norte: Sobral, Cariré, Mucambo e Coreaú. Logo, a unidade recebe estudantes de diversas localidades, sendo a grande maioria, de uma realidade rural e de baixa renda. 

“Até a ideia de ir pra Fortaleza é um ânimo para eles, pois é algo que está distante da realidade deles. A experiência das olimpíadas escolares evidencia que, apesar das desigualdades nas quais eles eventualmente possam viver, eles são capazes de competir de igual para igual com alunos de outros lugares e realidades”.
Caio dos Santos Tavares
Professor

Na realidade de Jordelean, os pais cursaram até o Ensino Fundamental. Não tiverem oportunidade de prosseguir. A casa, caracteriza ele: “é simples e os pais se esforçam para mantê-la”.

O pai trabalha como vigilante em Sobral e pedreiro. Já a mãe é dona de casa. Os conselhos, indica ele, são para “estudar para não para não ter a mesma vida que eles. Porque a vida deles foi muito difícil”, completa. 

O futuro tem sido construído em um misto de entusiasmo juvenil; oscilações entre autoconfiança e anseios; e as restrições impostas pelas própria realidade. Dos conselhos dos pais, dois, tão simples quanto objetivos: “eles dizem para estudar e ter um trabalho bom”, ecoam para Jordelean. Ele assegura que “está no caminho”.