Entre janeiro e setembro de 2024, os registros de nascimento tiveram uma queda de aproximadamente 9% no Ceará, na comparação com o mesmo período de 2023. Dados do Portal da Transparência do Registro Civil mostram que, nos nove meses deste ano, cartórios cearenses emitiram 79.352 certidões de nascimento. No ano passado, foram 87.063 documentos.
Essa queda ocorreu em 146 municípios, correspondendo a quase 80% do total de 184 cidades cearenses. Foi apenas em 34 delas — ou cerca de 18% — que o número de registros de nascimento aumentou. Além disso, outras duas mantiveram a mesma quantidade nos dois anos, enquanto Alcântaras e Itatira não aparecem na base do Portal da Transparência.
A maior redução entre os dois anos foi observada em Ocara, a 105,03 km de Fortaleza. Em 2023, a cidade contabilizou 171 crianças registradas, enquanto neste ano houve 43 nascimentos — uma variação de −74,8%.
Por outro lado, foi em Guaraciaba do Norte, a 325,40 km da Capital, que ocorreu o maior salto. Se no ano passado houve apenas 37 registros, em 2024 foram 217. Veja a taxa calculada pelo Diário do Nordeste para cada município do Estado no mapa a seguir.
Em números absolutos, as maiores quantidades de crianças registradas ocorreram em Fortaleza (25.448), Juazeiro do Norte (2.740), Maracanaú (2.754), Sobral (2.175) e Caucaia (2.131). A menor natalidade, por sua vez, foi identificada em Itatira (12), Cariús (16), São João do Jaguaribe (24), Baixio (27) e Piquet Carneiro (28).
O professor Julio Racchumi Romero, do Departamento de Estudos Interdisciplinares da Universidade Federal do Ceará (UFC), acredita que essa variação reflete o processo de envelhecimento populacional vivenciado pelo Estado — e pelo Brasil como um todo. Conforme projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 40% da população do Ceará em 2070 será de idosos.
“Nos dados do IBGE de 2021 a 2022, o Nordeste tinha experimentado uma queda de em torno de 7% (no número de nascimentos). E as projeções falam que em 2040, 2041, a gente vai chegar no pico (populacional) e depois cai”, contextualiza o professor. Ele não descarta a ocorrência, em menor grau, de sub-registro.
O docente explica que os impactos desse envelhecimento da população não são percebidos imediatamente. Caso a queda da natalidade continue ocorrendo, porém, ela pode ter repercussões na economia, em médio ou longo prazo, pela redução da força de trabalho.
Muitos economistas e pesquisadores veem como um alívio para o mercado, porque vamos poder cobrir a oferta para poder estar de acordo com a demanda. Mas destaco que vamos poder falar dessa compensação oferta-demanda se tivermos boa educação, boa qualificação. Se você qualifica esses jovens, lógico que eles vão se inserir e vamos compensar oferta e demanda, mas sabemos que tem uma porcentagem significativa de gente no mercado informal. (…) A Previdência também vai sofrer impacto.
NÚMEROS DO SUB-REGISTRO
Segundo o IBGE, o Brasil teve índice de sub-registro de nascimento de 1,31% em 2022, chegando ao menor patamar desde 2015. Dos 2,6 milhões de nascidos vivos no País, 33.726 não foram registrados no período legal estipulado, que vai até março do ano seguinte.
Para calcular esse indicador, o IBGE analisa dados das Estatísticas do Registro Civil, coletados em cartórios, com informações do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), ambos do Ministério da Saúde. As diferenças encontradas nos números do IBGE são chamadas de sub-registros, enquanto aquelas verificadas nas informações do Ministério da Saúde são subnotificações.
No Ceará, conforme o Diário do Nordeste noticiou em abril deste ano, mais de 1,2 mil pessoas registradas nos cartórios do Ceará em 2022 já tinham pelo menos dez anos de idade e ainda não possuíam certidão de nascimento. Nesse grupo, havia inclusive pessoas nascidas na década de 1960 — e até antes. Em mais da metade desses casos, a pessoa registrada foi uma mulher (52,3%).
“A PESSOA EXISTE SEM EXISTIR”
Gerardo Albuquerque, diretor da Associação dos Notários e Registradores do Ceará (Anoreg-CE), aponta que os sub-registros ocorrem mais em cidades menores, devido à falta de informação e até de internet. De acordo com ele, há casos em que as crianças são registradas apenas quando é necessário acessar algum serviço, como a escola.
Quando isso ocorre, é como se a criança “não existisse” para a sociedade. “O grande problema é que a pessoa existe sem existir. Só tem identidade quem tem registro. (…) O prejuízo maior, na minha opinião, é a falta de cidadania. Ela não existe para a sociedade, não pode estudar, não pode ter uma vida normal como as outras pessoas têm”, avalia.
Para reduzir essa realidade, o diretor lembra que existem cartórios de registro civil de nascimento interligados a maternidades. Ele também cita a importância da atuação dos Conselhos Tutelares. “Pode haver uma situação diferente em que as pessoas procuram o Conselho e ele nos procura”, afirma.
A titular de Registro Civil no município de Granja e diretora de Comunicação Anoreg-CE, Priscila Aragão, também indica que esse é um problema que ainda existe no Ceará e no País.
“Pode até não ser o caso desses e outros municípios (do Estado) com baixos registros, mas as ações realizadas pelos cartórios ao longo do ano visam a erradicação da falta da certidão de nascimento”, diz, comentando o cenário nas cidades listadas acima, onde houve os menores números absolutos de registros no Ceará.
Nesses casos, o professor Julio Racchumi Romero também aponta os impactos para a garantia de direitos de crianças e adolescentes, principalmente na educação e na saúde. “O sub-registro tem diminuído muito nos últimos anos por causa de diferentes ações feitas pelas gestões, em geral, e a tecnologia também ajudou para certos processos, que antigamente eram muito mais difíceis, poderem ser realizados”, diz