Anualmente, o Brasil registra o crescimento dos casos de suicídio, embora a pauta de prevenção e cuidados com a saúde mental tenha ganhado força por meio de campanhas, como o Setembro Amarelo. Um dos obstáculos pode estar na dificuldade que os pacientes encontram para ter atendimento adequado, avalia o médico Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que coordena a iniciativa no País.
O psiquiatra fez um balanço da campanha, que chega a seu décimo ano, durante entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste. A conversa ocorreu no Congresso Brasileiro de Nutrologia (CBN) 2024, evento da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) realizado em setembro, em São Paulo.
média de pessoas que cometem suicídio por dia no Brasil, segundo a ABP
A taxa de suicídio teve um crescimento médio de 3,7% ao ano entre os adultos brasileiros de 2011 a 2022. A alta anual passa para 6% entre os jovens no mesmo período. É o que apontam os dados do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Bahia).
No Ceará, por exemplo, a taxa de mortalidade do suicídio por 100 mil habitantes passou de 5,9 para 8,9 entre 2009 e 2023, conforme o boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde do Estado.
Mesmo diante do crescimento dos registros, Geraldo defendeu a importância da campanha para combater o preconceito na sociedade. Ele ressaltou, ainda, as melhores formas de tratar o assunto, sem correr o risco de engatilhar novos casos.
Se você está se sentindo triste, tem pensamentos suicidas, intenções de ferir o próprio corpo, se sente sem esperança e pessimista na maior parte do tempo, ou conhece alguém que passa por essas ou situações semelhantes, isso pode estar ligado a um problema de saúde mental e há inúmeros tratamentos na rede pública ou privada capaz de oferecer ajuda. Como exemplos de locais que podem ser procurados, está o Centro de Valorização da Vida (CVV), que atende 24h pelo telefone 188 e sem custo de ligação ou via Chat, no cvv.org.br; o Movimento de Saúde Mental, no WhatsApp (85) 9 8106-7178, e o Hospital de Saúde Mental de Messejana, em Fortaleza, que dispõe de emergência 24 horas.
CONFIRA A ENTREVISTA COMPLETA:
Marcos Moreira – Qual o balanço da campanha Setembro Amarelo, mês que chega ao fim? Como é que vocês estão vendo, as pessoas têm aderido mais, falado mais ou vocês notam algum tipo de saturação desse assunto?
Antônio Geraldo da Silva - Agora há pouco eu participei de uma entrevista na TV Senado e que eles fizeram uma pesquisa onde foi denotado que 100% dos que foram pesquisados conhecem a campanha Setembro Amarelo, acham importante a campanha Setembro Amarelo e estão tendo interesse em ajudar na campanha, porque a campanha faz aquilo que nós mais queríamos: acabar com o estigma, reduzir o preconceito, as pessoas poderem falar sobre a saúde mental, sobre as doenças mentais, sem medo, sem preconceito, com tranquilidade. Então, essa é uma das missões da campanha.
Uma outra missão importante que tem a campanha é para levar essas questões para o Estado, que o Estado tem que fazer políticas públicas adequadas para que as pessoas tenham atendimento, as pessoas não podem ficar sem atendimento, porque não adianta fazermos a campanha, diminuir o estigma, diminuir o preconceito, mas as pessoas não terem acesso, por exemplo, não tem um psicotrópico na farmácia popular. Isso é gravíssimo.
Então, eu diagnostico depressão em você, indico o medicamento, você não pode comprar porque você não tem dinheiro para comprar e não tem na farmácia popular. Se cinco das 10 causas que mais afastam do trabalho são doenças mentais, por que você não tem tratamento para ela? É uma coisa sem sentido.
Então, a campanha tem sido muito boa, vai continuar crescendo, mas tem que ter muita responsabilidade para falar do assunto. Esse é um assunto que você não pode simplesmente noticiar, você tem que mostrar para as pessoas que quem busca essa saída, enxerga essa saída que é suicidar-se, que é cometer óbito por suicídio, está errado. Isso não é saída para ninguém. Isso é fruto do estreitamento cognitivo que a pessoa está tendo e o que ela precisa é de tratamento psiquiátrico, é procurar ajuda. Por isso, a gente luta contra o preconceito, para que essas pessoas procurem ajuda para ter tratamento.
E se alguém agora tiver pensando em suicídio, o que é que deve fazer? Liga pro Samu, porque no Samu você vai encontrar profissionais de nível superior e vão te atender, te orientar e mandar alguém para poder te socorrer. Ou pede para quem estiver ao seu lado, fala para quem está do seu lado que você está com esse tipo de pensamento e que precisa de ajuda e quem está do lado vai fazer o quê? Pega na mão, segura essa pessoa, ouça, conversa, mostra que nós temos muito mais do que fazer vivos, porque não é saída suicidar e que vocês precisam ir juntos para um serviço de saúde, para que salve sua vida, para que protege a sua vida. No serviço de saúde, os profissionais saberão o que fazer para manter a pessoa bem.
Marcos Moreira – Nós tivemos um caso recente que a revista Piauí noticiou do aluno que sofria bullying e ele cometeu suicídio. Então, teve toda uma repercussão negativa sobre esse caso. Como é que vocês viram a repercussão, foi importante no sentido de falar mais sobre o assunto, mas avaliam que foi negativa a forma que ligaram o bullying ao caso do suicídio?
Antônio Geraldo da Silva - A questão é que as pessoas precisam entender que o cyberbullying, o bullying, isso é crime. Então, tratar desse assunto é importante pois as pessoas precisam parar de achar que podem fazer isso, que é impune, e as pessoas podem, a depender se tem um quadro psiquiátrico, piorar um quadro que já existe e a pessoa chegar a esse tipo de absurdo, esse tipo de conduta, porque não está vendo saída, não sabe o que fazer.
O que que nós temos que fazer? Quem sofre bullying tem que denunciar. Nós que somos pais, o que é que temos que fazer? Observar de perto, o que é que está acontecendo com os nossos filhos, as mudanças de comportamento, para que a gente possa ajudar o filho, para tirar desse sofrimento, porque isso é grave, gravíssimo.
A gente tem visto isso continuamente acontecer, mas nós não temos campanhas públicas para tratar disso, nós não temos orientação pública para tratar disso. Quem suporta fazer uma campanha nacional assim? Nós que estamos aí no Setembro Amarelo, já no nosso 10º ano, iniciamos os estudos em 2013 para iniciar no Brasil, em 2014 nós instalamos o início da campanha, em 2015 outras instituições ficaram interessadas e tal, mas nós começamos isso antes.
Essa campanha do bullying, a ABP faz em fevereiro, no início das aulas, mas quem somos nós? Nós não temos dinheiro para poder fazer essa campanha crescer absurdamente, como nós conseguimos com Setembro Amarelo, mesmo não tendo dinheiro. Então, a gente precisa nesse caso aumentar os investimentos nas campanhas governamentais, o governo tem que assumir isso. Nós estamos fazendo enquanto população, mas nossas pernas são curtas.
Marcos Moreira – A gente tem visto artistas e pessoas públicas que têm falado mais sobre transtornos mentais. De que forma isso ajuda na prevenção e tratamento, mostrando essas fragilidades, mas também tipos de ajuda?
Antônio Geraldo da Silva - Rompendo preconceito. Quando você rompe o preconceito, o preconceito é um muro que separa você do acesso ao tratamento. Quando eles fazem esse tipo de trabalho, quando eles falam sobre isso e mostram que qualquer um de nós pode ter um quadro psiquiátrico, em qualquer momento da vida, você quebra esse muro, você rompe esse muro. Aí você pode ter o acesso ao tratamento e a possibilidade de tratar-se e tratar adequadamente.
Marcos Moreira – Principalmente pensando na imprensa, qual é a melhor forma de falar do suicídio?
Antônio Geraldo da Silva - Temos que falar com responsabilidade. Nós estamos com um grupo enorme de pessoas que fica chamando outras pessoas no Instagram, em mídias sociais, para poder falar sobre esse assunto. Não é assim. Se você falar sem saber o que tá falando, você faz o efeito Werther, que é de aumento dos índices de suicídio. E nós queremos o efeito papageno, que é a redução dos índices de suicídio.
Então, nenhuma matéria pode ser feita de uma maneira que você glamourize o suicídio e que você tenha pensamentos como do tipo: 'Ah, tem que ser muito forte para isso'. Não tem que ser forte coisa nenhuma, isso não é nenhuma força. A força é procurar tratamento. 'Ah, a pessoa é fraca'. Não tem nada de fraqueza, a pessoa está doente.
Então, é preciso orientar, mostrar que a saída é cuidar-se, identificar o que é que está levando aquele tipo de pensamento, jamais glamourizar, jamais citar locais de onde as pessoas cometeram, meios que as pessoas usaram para cometer. Jamais deixar de mostrar para as pessoas que há uma saída, tem que mostrar, tem uma saída, você pode tratar, você vai melhorar, você vai ficar bem, você vai ter uma vida melhor se você tratar.
Os casos de sucesso precisam ser citados, aqueles que tentaram suicídio, que procuraram tratamento, que melhoraram, que ficaram bem. A gente precisa contar essas histórias de sucesso, parar de contar as histórias de insucesso, parar de contar as histórias de pessoas que suicidaram. A gente tem que contar as histórias de pessoas que pensaram, que trataram, que cuidaram e nunca mais pensaram sobre aquilo. Esses são os casos a serem contados.
SERVIÇO
Confira locais onde é possível buscar atendimento de saúde mental gratuito em Fortaleza nesta matéria do Diário do Nordeste.
Instituto Bia Dote
O que: Grupo de Apoio aos Enlutados Sobreviventes do Suicídio e Clínica Social
Onde: Av. Barão de Studart, 2360, sala 1107
Telefone: (85) 3264-2992 / (85) 99842-0403
Programa de Apoio à Vida
Telefone: (085) 98400-5672
E-mail:contato.pravida@gmail.com
Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)
O serviço do Caps é “porta aberta”, e o usuário pode procurar o atendimento diretamente ou ser encaminhado por meio de outros serviços da rede de saúde. Veja a listagem dos Caps do Ceará.
Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM)
A unidade dispõe de emergência 24 horas para pacientes com transtornos mentais graves que estejam em crise.
Onde: Rua Vicente Nobre Macêdo, S/N — Messejana
Quando: Todos os dias da semana, 24h por dia
Centro de Valorização da Vida (CVV)
Atendimentos por meio do telefone 188, por chat, e-mail e de forma presencial.
Onde: Rua Ministro Joaquim Bastos, 806 — Bairro de Fátima
*O repórter viajou a convite do evento.