Mosquito maruim: vírus da febre oropouche pode ter sofrido mutação antes de sair da Região Norte

A provável mutação do OROV pode ter o tornado mais transmissível e com a capacidade de ir para outras localidades

O nome é extenso e complicado: Orthobunyavirus oropoucheense (OROV). Esse é o causador da febre oropouche que despertou atenção pela chegada da doença, até então desconhecida no Ceará, com mais de 120 casos confirmados, na última semana. Isso aconteceu, provavelmente, devido à mutação genética do vírus transmitido pelo mosquito maruim.

Uma nova linhagem do OROV foi apontada no estudo inicial "Emergência do novo rearranjo do vírus oropouche" (numa tradução do inglês), produzido por laboratórios de saúde pública e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicado no último mês na plataforma medRxiv. 

Foram sequenciados 382 genomas do vírus, a partir de amostras coletadas da população da Região Norte, entre 2022 e 2024. A análise indica que uma nova linhagem surgiu entre 2010 e 2014, no Amazonas.

Antônio Silva Lima Neto, secretário executivo de Vigilância da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), contextualiza que isso pode explicar porque o vírus deixou de causar surtos locais e começou a aparecer em outros estados.

"O que provavelmente aconteceu na área do Maciço, que tem o vetor, foi alguém ter chegado do Norte, de Rondônia, do Amazonas, do Pará, ou também da Bahia, de Pernambuco, contaminado", destaca. O Maciço de Baturité concentra os casos da doença no Ceará.

O Ministério da Saúde registra 7.497 casos de oropouche, em 23 estados brasileiros, em 2024, com dados até o dia 6 de agosto. Até o momento, duas mortes foram notificadas na Bahia e um óbito em Santa Catarina está em investigação. 

Como a febre oropouche chegou ao Ceará

O vírus que causa a oropouche foi descoberto no Brasil em 1960, a partir de uma amostra de sangue de um bicho-preguiça (Bradypus tridactylus), conforme o Instituto Butantã, durante a construção da rodovia Belém-Brasília. 

A doença é transmitida pelo mosquito Culicoides paraenses que é conhecido como maruim, mosquito-pólvora e polvinha, no Ceará. Porém, nunca foram notificados casos da doença que se restringia à Região Norte do País.

Em maio e junho deste ano, contudo, os primeiros casos foram identificados no Ceará. Mas como isso aconteceu?

"Essa é uma pergunta que se faz, inclusive, nas áreas onde estão acontecendo muitos casos: 'por que isso está acontecendo agora se esse mosquito sempre existiu?'”, destaca o médico. Por isso, uma equipe coleta amostras na população e avalia os mosquitos da área.

"O exame procura o vírus que causa a oropouche e, hoje, no Ceará, todas as amostras de sangue que são negativas para dengue, zika e chikungunya são testadas para oropouche. É um vírus novo, mas o Ministério (da Saúde) distribuiu kits porque isso poderia acontecer", completa.

Mutação do vírus da oropouche

Existem 3 genótipos mais conhecidos do vírus que causa a oropouche, como explica o virologista Mário Oliveira. “É claro que, com o passar do tempo, o vírus vai contaminando mais animais e humanos e, dessa maneira, o vírus pode acumular determinadas mutações para conseguir uma sobrevivência maior em determinados locais e passar para mais pessoas”, frisa.

A provável mutação do OROV pode ter o tornado mais transmissível e com a capacidade de ir para outras regiões. Isso não aconteceu antes porque, “possivelmente, o vírus não estava na forma forte o suficiente para passar para outros indivíduos e ter uma força de mutação para causar infecção.”

Com a presença confirmada em 23 estados, os cientistas ainda avaliam as localidades que o vírus pode atingir. “Se temos outras regiões com mata ou boa quantidade de animais silvestres, com seres humanos infectados, esse vírus pode se espalhar para outras regiões do Brasil”, avalia Mário.

O ser humano está entrando em mais áreas de mata e tem contato com determinados animais e a microbiologia começa a se misturar. Dessa maneira, a gente observa vírus que conseguem se tornar mais fortes. Vimos muito bem isso com o vírus da Covid-19
Mário Oliveira
Virologista

Mudanças do clima

Conforme o Instituto Butantã as arboviroses – como a oropouche, dengue, zika e chikungunya – estão mudando o comportamento devido ao aquecimento global, manifestando casos também na Europa, na América Central e nos Estados Unidos.

O avanço da febre oropouche por áreas incomuns no Brasil pode estar ligado ao impacto das mudanças climáticas, que alteram a dinâmica não só das temperaturas, mas da interação entre espécies.

O desmatamento da região amazônica também contribui para a disseminação e ocorrência das doenças. A Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive, considera grandes surtos de arboviroses como novas ameaças globais à saúde

Proteção contra o vírus

Não existe uma vacina, por exemplo, para fortalecer o sistema imunológico contra o vírus que causa a oropouche, como indica Mário Oliveira. Produzir algo nesse sentido é desafiador.

“Estudos relacionados a vacinas existem para diversos vírus, mas não é tão fácil conseguir um imunizante que consiga se adequar à toda população ou para a que está precisando no momento”, acrescenta.

Por isso, no momento, os tratamentos lidam com os sintomas que costumam durar 15 dias, principalmente relacionados à febre, dor de cabeça e moleza no corpo. São usados anti-inflamatórios.

Os especialistas investigam a relação entre a febre oropouche e prejuízos para a gestação, incluindo casos de microcefalia em bebês. Isso faz com que as gestantes sejam o público que precisa de maior proteção.

No entanto, “não é a primeira vez que o vírus causa surtos e a população pode ficar mais tranquila, não precisa de alarde”, como pondera o especialista.

Sintomas da febre oropouche

Os principais sintomas que têm sido relatados pelos pacientes cearenses com a oropouche são febre, dor de cabeça e dores no corpo, comuns a doenças como dengue e chikungunya. Confira o que aponta o Ministério da Saúde:

  • Febre de início súbito
  • Dor de cabeça
  • Dor muscular
  • Dor articular
  • Tontura
  • Dor atrás do olhos
  • Calafrios
  • Fotofobia (sensibilidade à luz)
  • Náuseas
  • Vômitos
  • Meningoencefalite (inflamação no sistema nervoso), em casos graves
  • Manifestações hemorrágicas, em casos graves.

Por causa da semelhança com outras arboviroses, as unidades de saúde realizam primeiro testes para essas doenças e, caso descartadas, investigam a presença do OROV. 

Como prevenir a febre oropouche

Apesar de a febre oropouche causar sintomas parecidos com a dengue, as formas de prevenção são diferentes. A chave da proteção contra a oropouche não é o combate ao mosquito maruim, diferentemente do que ocorre em relação ao Aedes aegypti.

Isso porque o mosquito-pólvora não se reproduz em locais onde há o acúmulo de água, como caixas d’água, cisternas, potes e outras. Ele vive na natureza, e se reproduz, geralmente, em:

  • Regiões de vales ou áreas baixas de encostas com água corrente utilizadas para a agricultura;
  • Presença de culturas que geram sombreamento e deposição de matéria orgânica, como banana e chuchu, entremeadas na vegetação natural;
  • Residências de alvenaria construídas a menos de cinco metros das áreas de cultivo;
  • Locais protegidos de ventos fortes e com maior umidade do ar em relação a áreas vizinhas.

De acordo com o boletim epidemiológico da Sesa sobre a febre, todos os casos investigados no Ceará têm local provável de infecção em zona rural. 

A melhor forma de prevenção é evitar o contato com o vetor, por meio de medidas individuais e coletivas, como:

  • Evitar o contato com áreas de ocorrência e/ou minimizar a exposição às picadas dos vetores (mosquitos);
  • Usar roupas que cubram a maior parte do corpo, como mangas compridas, calças e sapatos fechados; 
  • Aplicar repelente nas áreas expostas da pele;
  • Limpar terrenos e locais de criação de animais;
  • Recolher folhas e frutos que caem no solo;
  • Usar telas de malha fina em portas e janelas.