Linguagem, autonomia e socialização: como o ensino presencial reflete no desenvolvimento infantil

Retorno às atividades escolares permite o encontro entre pares e amadurecimento da fala, movimentos e de aspectos emocionais

As descobertas sobre o mundo e sobre si começam ainda na creche e na pré-escola, mas a distância por quase dois anos de pandemia prejudica a formação de bebês e crianças do ensino infantil. Os pequenos contam com o convívio da turma para desenvolver fala, sistema motor, criatividade e capacidade de socialização. Mochilas nas costas representa, então, movimento para um aprendizado mais amplo.

Os estudantes das escolas da rede municipal de Fortaleza voltaram ensino presencial integralmente nesta terça-feira (31). Só em creches e pré-escolas, naquele dia, estavam matriculados mais de 54.800 pequenos, mas o número pode crescer conforme a procura por vagas.

Ir para os espaços de educação, quando se ainda tem meses ou poucos anos de vida, tem foco no exercício cognitivo e no processo de construção de identidade.

“A construção da autonomia, a socialização e promoção do desenvolvimento integral ampliando, através das trocas entre pares com diversidades múltiplas, o repertório sócio cultural e formativo da família”, lista a psicopedagoga Ticiana Santiago.

A partir daí são exercitadas habilidades socioafetivas “como lidar com as diferenças, diversidade, frustração, compartilhar, ser acolhido, trocar, criar vínculos e toda criança precisa disso”, explica a especialista.

Também existem benefícios no desenvolvimento cognitivo com o retorno integral das crianças ao ambiente escolar. “As crianças aprendem pela experiência, pela atividade, pelo movimento, por toda uma diversidade de estímulos em que ela possa vivenciar”, frisa.

Crianças que ficaram isoladas nesse primeiro momento da pandemia tiveram dificuldades, principalmente na linguagem, na psicomotricidade (coordenação) fina e ampla, na socialização e autonomia
Ticiana Santiago
Psicopedagoga

Os pequenos também têm maior acesso à cultura na escola. Isso tem relevância ampliada para crianças de famílias com baixa renda, em que as alternativas de aprendizados são limitadas.

“Na educação infantil, todo professor traz uma série de portadores textuais, não vai alfabetizar, mas vai trazer a revista, a contação de história, a dramatização, a música”, lista.

Além das atividades, o convívio com crianças e adultos proporciona um crescimento para os estudantes, como acrescentou Ana Paula Marques, Pesquisadora e Professora da área Educação Infantil.

“A falta desse convívio mais próximo com outras crianças e outros adultos pode trazer consequências no desenvolvimento emocional, nas relações interpessoais, no desenvolvimento da linguagem, porque as crianças acabam tendo menos diálogos e interações e, também, os pais nesse período pandemia, muitas vezes trabalhando em home office, não conseguem dar toda a atenção que as crianças merecem”, explica.

Ambiente adequado

Devido ao tempo prolongado de ensino remoto e também com a flexibilização das atividades, Ana Paula reforça a importância dos pequenos em sala de aula.

"Temos muito temores com o retorno presencial, com os indices de contaminação, mas na educação infantil a gente tem que criar protocolocos que garantam a segurança e deem oportunidades para as crianças retorarem ao ambiente escolar", frisa.

Há um consenso na educação infantil, que as práticas pedagógicas devem se dar no contato direto, porque a gente não pensa só no aspecto cognitivo, mas no motor, no socioafetivo e dentre outros. O modelo remoto foi defendido apenas em caráter emergencial
Ana Paula Marques
Professora Unidade Universitária de Educação Infantil

A especialista lembra a relevância de prover um espaço amplo e ventilado para a continuidades das atividades. "É excelente o retorno das crianças às escolas minimamente preparadas em relação à estrutura física e no quantitativo de profissionais", completa.

Ticiana Santiago destaca a qualificação dos professores para criar um ambiente ideal ao aprendizado e amadurecimento dos estudantes em sala de aula. Em casa, mesmo com esforço diário, esse potencial pode não ser alcançado.

“Infelizmente, estando num espaço e com recursos restritos, por mais que os pais tenham criatividade, (não há) essa vivência sociocultural e experiencial por uma mediação pedagógica direcionada”, observa.

Planejamento para o retorno

Voltar ao convívio escolar integral, tanto tempo depois, exige um esforço conjunto de pais e educadores. Planejar o retorno, nesse sentido, é determinante para a adaptação das crianças.

“Uma parceria intensa com a família, fortalecer essa rede de apoio em coordenadores, psicopedagogos e demais profissionais precisam dar suporte a essa família dentro do processo de reorganização”, como destaca Ticiana Santiago

Nisso, é importante que as crianças tenham sono e alimentação regulados, além do incentivo à autonomia escolar. Kassiana Santos, de 37 anos, lida com esse desafio nos estudos da filha Esther Kauanny, de 4 anos.

“Antes ela estudava na creche, mas quando chegou a pandemia passou a ter aulas remotas e agora são semipresenciais, mas ela não está adaptada. Está estranhando”, resume. A pequena está matriculada em uma pré-escola em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Durante os estudos exclusivamente por meio de telas, a atenção de Kassiana se voltou para manter a filha na rotina de aprendizado. “Ela não ficava sentada assistindo aula online e eu tive que criar uma preparação para ela assistir e ficava ao lado dela”, lembra.

Ela me tem como mãe-professora, então, estar com outros coleguinhas é uma situação nova e um novo convívio
Kassiana Santos
Autônoma

Kassiana têm relação próxima com a educação por ser professora de reforço escolar e percebe o impacto das restrições no desenvolvimento infantil.

“Tenho crianças que falam apontando, porque não conseguem falar muito, os pais deixam as crianças no celular e os vídeos já estão salvos. Não tem nenhuma comunicação de fala, é só passando o dedinho”, observa.

Desafios do retorno presencial

Manter o uso de recursos digitais ao lado da práticas em ambientes externos, como quadras e jardins escolares, com suporte de salas multifuncionais pode potencializar o aprendizado, como explica Ticiana Santiago.

“O movimento regula as expressões da nossa emoção e do nosso psiquismo, quando crianças bem pequenas ficam restritas desse movimento, essa inteligência, cognição e expressividade da criança também fica mais restrita”, define.

A especialista lembra da importância da busca ativa, ou seja, de procurar estudantes sem frequência escolar como relevante no contexto atual. Na Capital, há um protocolo do tipo desde 2017, como contextualiza a secretária da educação, Dalila Saldanha.

“Mesmo nesses dois anos de enfrentamento da pandemia, nosso abandono que já vinha em queda, a gente conseguiu manter próximo de 0,1% e a gente tem buscado zerar mesmo”, observa.

Como apoio, a Pasta conta com 1.300 agentes de educação distribuídos em cerca de 600 unidades educacionais para busca ativa por meio de ligação, mensagens e visitas presenciais.

Nosso retorno (híbrido) aconteceu em setembro de 2021, com um serviço de psicologia escolar para auxiliar durante o processo remoto e nesse retorno, o que é muito importante para acolher as crianças em uma melhor adaptação
Dalila Saldanha
Secretária da Educação de Fortaleza

Dalila destaca a adaptação da rotina que inclui rodízio de estudantes para os momentos de recreio e alimentação. “As crianças estão mais abertas ao combinado, elas cumprem o uso da máscara, a higienização das mãos, já tem as rotinas para a hora do lanche, um cuidado para evitar aglomeração”, conclui.