Evitar ataques a escolas exige medidas de segurança, educação e saúde mental: 'não reforçar medos'

Diante da violência, há o entendimento de que não existem ‘soluções mágicas’, mas ações efetivas podem combater o problema de múltiplos fatores

O Brasil vivencia, nas últimas semanas, episódios graves de ataques a escolas. Na situação mais recente, uma ação violenta ocorreu no Ceará em uma unidade de ensino, em Farias Brito, no Cariri, nesta quarta-feira (12). Duas alunas foram feridas. No Estado, ataques do tipo não são comuns. O problema é complexo e não há “soluções mágicas”. Mas, há consenso que o combate é possível. Isso exige medidas em distintas áreas, que vão desde o reforço na segurança a cuidados psicossociais. 

Entre muitos pais e responsáveis, o clima é de tensão. Os fatos geram alerta. Mas há também uma onda de propagação de boatos, sobretudo, via redes sociais e grupos de mensagens. O momento requer equilíbrio também frente a essa atmosfera de alastramento do caos e de acentuação do pânico. 

No Estado, a situação causa comoção e mobiliza a discussão de ações para coibir a violência. O poder público tem anunciado algumas ações e reforçado planos que já eram executados. 

Nesta quinta-feira (13) acontecerá uma reunião com representantes de diversos órgãos, como: a Secretaria de Segurança Pública, a Secretaria de Educação, o Ministério Público do Estado, a Secretaria Municipal de Segurança Cidadã de Fortaleza (Sesec), o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Ceará (Sinepe-CE) e a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece).

Pesquisadores ponderam que é preciso atuar por diversas vias e não concentrar esforços, por exemplo, apenas no reforço do policiamento. As redes de ensino também têm sistematizado ações a serem executadas. No campo privado, famílias podem contribuir através da escuta e do diálogo com os estudantes, na orientação e no acompanhamento no dia a dia. 

Segurança: o que tem sido feito?

Um dos pontos é o enfrentamento via reforço na segurança. Nesse sentido, a Coordenadoria de Inteligência (Coin) da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e o Departamento de Inteligência Policial (DIP) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE) têm atuado para identificar a autoria e monitorar perfis em redes sociais com ameaças de ataques a escolas do Ceará. 

No Estado, 9 pessoas foram encaminhadas a delegacias para prestarem esclarecimentos. 

As rondas escolares e paradas de viaturas, segundo o Governo do Estado, já estão mais próximas às escolas, sejam públicas ou privadas. Os diretores que desejarem o policiamento dentro da área da unidade, informa o Governo, podem solicitar à Polícia Militar.

No âmbito federal, o Grupo de Trabalho de Combate à Violência nas escolas, montando após ataques recentes, informou que a ronda escolar terá incremento. É prevista a liberação de R$ 150 milhões para estados e municípios direcionarem a essa iniciativa. O edital de distribuição dos recursos deve ser  publicado até a próxima semana. 

Nas redes de ensino: quais as medidas?

Além da área de Inteligência e prevenção do Governo do Ceará, a Secretaria da Educação (Seduc) também indica que tem intensificado as discussões sobre o tema. 

A titular da pasta, Eliana Estrela, destaca projetos internos ligados às competências socioemocionais e o trabalho desenvolvido por psicólogos e assistentes sociais, além de professores-diretores de turma que acompanham pessoalmente os estudantes do Ensino Médio.

Na rede estadual, a Pasta enumera ações como:

  • a Política Estadual de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais;
  • a universalização do Projeto Professor Diretor de Turma;
  • o programa Diálogos Socioemocionais;
  • o trabalho de 60  psicólogos e 30 assistentes sociais educacionais, lotados na Capital e no Interior;
  • implantação atual das Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra a Criança e o Adolescente na rede pública estadual.

Em Fortaleza, a Secretaria Municipal da Educação (SME) diz também ter intensificado “o monitoramento de comentários e supostas ameaças, sempre acompanhando o trabalho realizado pelas autoridades de segurança pública”. 

A Célula de Segurança Escolar, informa, dispõe de viaturas e equipes treinadas para prestar assistência com patrulhamento ostensivo e rondas diárias, além de monitores de acesso, porteiros e câmeras de videomonitoramento. 

Nas escolas contempladas com câmeras de videomonitoramento, segundo a gestão, há sensores de presença e abertura de portas, centrais de alarme e disparo automático com sirenes.

O Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe-CE) também elencou, em seu site, alguns procedimentos preventivos de segurança a serem seguidos pelas instituições de ensino. 

  • Redobrar o cuidado no acesso, sobretudo nos horários de chegada/saída de alunos e intervalos de recreio;
  • Manter frequente a vigilância no entorno da escola;
  • Rigor na identificação de prestadores de serviços e terceiros, evitando o acesso destes em horário de maior circulação dos alunos;
  • Evitar que ex-alunos circulem na escola, sensibilize-os quanto ao delicado momento atual;
  • Reforçar a importância dos pais acompanharem as postagens dos filhos nas redes sociais;
  • Promover ações de valorização da cultura de paz.

Cuidados com saúde mental

Diante do complexo cenário, outro ponto estruturante é a atenção à saúde mental. O reforço no serviço de Psicologia Escolar, prevista em lei, é uma das estratégias que precisam ser intensificadas tendo em vista que são pontos ainda bastante frágeis em todas as redes de ensino. 

Em audiência na Câmara dos Deputados, na quarta-feira (11), o ministro da Educação, Camilo Santana, evidenciou que é preciso fortalecer um grande programa psicossocial para as escolas brasileiras.

“Esse não é um problema simples. O que está acontecendo nas escolas reflete a realidade da nossa sociedade. De estímulo ao ódio, à intolerância, à violência, ao armamento.”. 
Camilo Santana
Ministro da Educação

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, também na Câmara, afirmou que os ataques às escolas são um tema complexo que exige discussão integrada entre diferentes áreas do governo. 

"É muito importante ter psicólogos nas escolas, sim, mas esse problema que está acontecendo, esse fenômeno de violência, é mais complexo que o ambiente interno às escolas".
Nísia Trindade
Ministra da Saúde

Capacitação de profissionais

No Ceará, com suporte à gestão pública, desde março de 2022 o Ministério Público do estado (MPCE) iniciou o projeto “Previne – Violência nas escolas, não!” coordenado pelo Centro de Apoio Operacional da Educação (Caoeduc). Até o momento, 92 municípios cearenses aderiram à iniciativa.

Através da formação técnica de comissões em cada escola, a iniciativa busca a prevenção a diversos tipos de violência: trabalho infantil, violência doméstica, gravidez na adolescência, automutilação, bullying e cyberbullying, brincadeiras perigosas e uso de drogas. 

5.296
profissionais de escolas passam pelo curso de capacitação, atualmente. Destes, 1.727 (32%) são da rede estadual de ensino.

A procuradora de Justiça Elizabeth Almeida, coordenadora do Caoeduc, explica que a comissão facilita o encaminhamento de casos em que a escola percebe que a criança ou adolescente está sofrendo uma violência aos Conselhos Tutelares responsáveis.

“Isso não vai acabar com a violência no pequeno prazo, mas sim a longo prazo. Se não conversarmos sobre determinado assunto, você acaba naturalizando aquilo e colocando debaixo do tapete. A escola deve se apropriar dessa temática”, reflete a procuradora.

Como falar com crianças e jovens

O psicopedagogo e professor universitário Harley Gomes de Sousa, membro do Laboratório de Conflitualidades e Violência (Covio) na Universidade Estadual do Ceará (Uece), reflete que ataques programados deixam a comunidade escolar exposta à violência gratuita no ambiente escolar, “cujas narrativas de ódio foram amplificadas nas redes socais e por alguns jogos eletrônicos”.

Nesse cenário, o papel dos educadores é, sobretudo, propor segurança afetiva, acolhendo e promovendo espaços de escuta e diálogo. Para além da segurança armada, a sociedade necessita da segurança emocional. A escola não pode estar sozinha nessa tarefa, são urgentes políticas públicas na promoção de cultura de paz e mediação de conflitos. 
Harley Gomes
Psicopedagogo e professor universitário

Nesse apoio, a família pode contribuir através da escuta e diálogo com os filhos, na orientação e acompanhamento do dia a dia dos estudantes, “como ato de cuidar e afeto”. Segundo o especialista, a indiferença e a solidão são “janelas” abertas para possíveis comportamentos agressivos e inesperados.

Harley recomenda que, neste momento de medo de ataques às escolas, é fundamental que os familiares colaborem com as escolas. “Não é momento de reforçar medos ou sensações de pânico e, sim contribuir com medidas educativas, de segurança, de cidadania”, ressalta.

Onde e como denunciar

No Ceará, a população pode realizar denúncias anônimas pelo número 181, o Disque-Denúncia da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), ou para o (85) 3101-0181, que é o número de WhatsApp. 

Em nível nacional, para combater ameaças e também ataques, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em parceria com organização não-governamental SaferNet Brasil, criou um canal virtual para receber denúncias. Para acessar clique aqui.

A denúncia é anônima, e as informações enviadas serão analisadas pela equipe do Ciberlab da Secretaria Nacional de Segurança Pública.