Do alto de seis andares, o Edifício São Pedro observa, desde os anos 1950, as transformações da orla da Praia de Iracema, em Fortaleza. Ele mesmo, hoje sem manutenção e sob risco de ruir, se viu mudar – e vive um impasse sobre o próprio destino.
Enquanto, de um lado, o Governo do Estado planeja desapropriar e reformar o imóvel; do outro, proprietários do prédio negam ter a intenção de vender. “Nunca fomos procurados nem sabemos como foi definido que ele é de interesse público”, disse um deles ao Diário do Nordeste.
O homem, que não quer ser identificado, afirma que os donos têm, desde 2014, um projeto de manter a fachada e reconstruir o interior do Edifício São Pedro, mas são “impedidos”. “Como nós temos um bem num local tão valorizado, um projeto pra ele, e vamos querer vender?”, questiona.
Em março deste ano, a Secretaria de Turismo do Ceará (Setur) anunciou que seria erguido um Distrito Criativo no São Pedro, preservando as características históricas. O equipamento deve ter espaço para artes, design, gastronomia, literatura, música e cultura popular.
A construção, porém, depende da desapropriação. De acordo com a Procuradoria Geral do Estado (PGE), está sendo elaborado um laudo de avaliação do imóvel, etapa que precede a desapropriação em si.
“Essa etapa se encerrará ainda neste mês de novembro, devendo, em ato contínuo, ser anexada a manifestação da Setur quanto à disponibilidade orçamentária e financeira para dar continuidade ao processo”, pontua a PGE, em nota.
O passo seguinte, explica o órgão, é a execução da desapropriação, “iniciando pelas tratativas para acordo administrativo”. Não havendo acordo sobre os valores e condições de compra e venda, o caso é levado à Justiça.
A desapropriação somente se efetiva no momento em que o bem é indenizado na via administrativa ou quando concedida a posse na via judicial. O proprietário deve conservar o bem até que se efetive a transferência da posse.
A reportagem questionou a Setur sobre as declarações do proprietário do Edifício São Pedro, mas não houve resposta até esta publicação. Também tentamos contato, por telefone, com o titular da secretaria, sem sucesso.
Conforme o decreto lei nº 3.365, de 1941, que dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública, "a preservação e a conservação dos monumentos históricos e artísticos" são consideradas casos de utilidade pública e, portanto, podem respaldar a necessidade de desapropriação de um bem.
Prédio condenado por risco de desabamento
Ao longo dos anos, diversos problemas têm ocorrido nas dependências do prédio – habitado, em geral, por pessoas em situação de rua. Em abril de 2021, uma jovem de 23 anos morreu após cair do terceiro andar.
No mesmo mês, uma semana depois, um incêndio de pequenas proporções atingiu um dos andares do edifício. Já em 2022, na madrugada dessa quarta-feira (23), o prédio voltou a queimar. As chamas foram contidas rapidamente pelo Corpo de Bombeiros.
A estrutura do Edifício São Pedro está oficialmente condenada desde setembro de 2014, quando a Defesa Civil de Fortaleza realizou uma visita e constatou “risco iminente de colapso” diante da grave deterioração.
Ainda em 2012, já havia sido elaborado um laudo técnico pericial da Prefeitura de Fortaleza alertando para o “risco crítico” estrutural. Em 2015, a Secretaria Regional II notificou os proprietários sobre a necessidade de que adotassem “providências urgentes”.
No mesmo ano, relatório do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE) também condenou a estrutura, recomendando o escoramento e o isolamento do entorno.
Em 2019, relatório do Núcleo de Ações Preventivas (Nuprev) da Defesa Civil reiterou o risco estrutural do edifício. “Não há como determinarmos por quanto tempo a estrutura permanecerá estável, sem risco de colapso estrutural”, disse o texto.
Pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Materiais de Construção e Estruturas (GPMATE), da Universidade Federal do Ceará (UFC), também estudaram e alertaram para os riscos estruturais do prédio histórico.
As informações constam em documentos e relatórios enviados à reportagem, em agosto de 2021, por um dos donos do edifício.
Importância histórica do Edifício São Pedro
Antigo Iracema Plaza Hotel, o prédio sete pavimentos (térreo mais seis andares) foi construído em 1951 e teve atividades encerradas em 1970. Foi uma das primeiras construções verticais da orla da PI.
Para Lucas Rozzoline, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU/CE), o Edifício São Pedro simboliza a história da ocupação da orla da Praia de Iracema, que passou, a partir dele, a sediar usos para além das famílias de pescadores.
“A cidade era quase toda no Centro de Fortaleza, e a praia era vista como o ‘resto’ da cidade. E aí ele iniciou essa ocupação da praia não só como moradia de pessoas pobres, mas de grandes casas de veraneio e clubes”, rememora.
Infelizmente, o que levou o edifício à situação atual foi a falta de fiscalização por parte do governo municipal. Se um bem é reconhecido como importante para o Município, ele tem responsabilidade por esse bem, mesmo que seja privado.
Ao comentar sobre a deterioração do prédio, o presidente do CAU observa que “é muito mais barato manter e reformar um edifício aos poucos, durante o envelhecimento, do que ter de reformar quando está em estado abandonado”.
Sobre a viabilidade de restauração, o arquiteto avalia que “tudo é possível, mas tudo tem um custo”. “Dependendo do estado, claro que é mais caro. Mas temos que lembrar da significância desse edifício: ele é único”, sentencia.
Lucas acrescenta ainda que “não precisa ser arquiteto nem historiador pra reconhecer a marca na paisagem que Edifício São Pedro causa”. “Não é só um bem histórico, mas um bem de importância artística também.”