Do porta a porta a visitas escolares, o que o Ceará tem feito na prática para ampliar a vacinação

Não são 9h de uma manhã de julho quando a caixa refrigerada de vacinas deixa o posto de saúde Pio XII, em Fortaleza, nas mãos da técnica de enfermagem Natália Silva de Almeida. Acompanhada pela enfermeira Camila Valente, ela tem uma missão: atualizar o cartão de vacinas de crianças moradoras de áreas do entorno que, por algum motivo, estão com os imunizantes atrasados.

A ação faz parte do Monitoramento de Estratégias de Vacinação (MEV), rastreamento de menores de 5 anos de idade ainda não vacinados após campanhas massivas de imunização. Embora elas durem cerca de dois meses e a cidade conte com 130 postos para vacinação, existem faltosos. Após a busca nos registros oficiais, um contato preliminar verifica a disponibilidade das visitas para não pegar as famílias desprevenidas.

Para os pais com quem o Diário do Nordeste conversou, no bairro São João do Tauape, o tempo disponível no dia a dia é o principal fator de demora na busca pela vacina. Como muitos trabalham até a noite, torna-se inviável levar as crianças em dias úteis. Assim, a visita porta a porta durante as férias escolares é percebida como uma “ótima estratégia”.

Esta é a 4ª reportagem da série especial “Imune ao medo”, que traz um retrato da imunização no Ceará, da evolução das coberturas vacinais, dos motivos que interferem no alcance das coberturas – e das estratégias possíveis para retomar a proteção da saúde pública.

João Gabriel, de 4 anos, até chorou e esperneou, mas foi vacinado contra a gripe e com a tetravalente (sarampo, caxumba, rubéola e catapora). O pai dele, Natan Barbosa, segurou o menino nos braços e o tranquilizou. “Pra vacinar, você viu como é”, brinca ele. “Então, vindo assim em casa, é melhor. Ele não tinha tomado ainda porque passou duas semanas doente, mas a gente tá sempre atento ao calendário”, afirma. 

Quanto aos pais que se recusam a vacinar os pequenos, Natan é firme: “acho uma falta de responsabilidade. Pra mim, meu filho é tudo, e eu sei que a vacina salva vidas”. 

Perto dali, Lael, de um ano e dois meses, recebeu a primeira dose da tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) amparado pela mãe, a comerciante Divania Sousa da Costa. “Ele tava com as vacinas atrasadas e eu não sabia. Agora, tá tudo em dia. O certo é vacinar”, compreende a mulher.

É necessário, ainda, avançar na legislação, prevendo a punição de fake news sobre vacinas, para que não prospere a sensação de impunidade. Afinal, vidas muito preciosas estão em jogo em função da hesitação vacinal.
Robério Leite
Infectologista pediátrico

Ir ao encontro de todos os setores possíveis da sociedade, das casas às escolas, é a estratégia mais necessária para ampliar as coberturas vacinais no Estado, como analisa o médico Robério Leite, infectologista pediátrico e representante de Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) no Ceará.

Ele pontua que a retomada de campanhas de vacinação e o envolvimento da sociedade são cruciais para fortalecer a noção de importância e segurança dos imunizantes – e também para fazê-los chegar aos braços de crianças, adultos e idosos.

Robério lista ainda outras ações estratégicas na busca por ampliar as coberturas vacinais:

  • Articulação entre as ações de saúde e educação, com vacinação nas escolas;
  • Ampliação dos horários de atendimento dos locais de vacinação;
  • Melhoria na formação dos profissionais, para divulgarem informações com mais segurança.

Em sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Luciana Rêgo Santos também identifica uma série de comportamentos que podem ser obstáculos para a vacinação infantil.

Em seguida, a pesquisadora aponta ideias de intervenção para aqueles com "alta possibilidade de serem combatidos pelo uso de uma abordagem comportamental":

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Entrar em todo canto

Levar a vacinação até onde o público-alvo está ao invés de esperar que ele a procure. Essa é a premissa básica da busca ativa, medida que tem sido realizada em Fortaleza pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

60%
das coberturas vacinais são feitas nos postos de saúde, pela procura espontânea da população. O restante é garantido em buscas ativas e ações externas.

Na capital cearense, as áreas que recebem as visitas dos agentes comunitários de saúde (ACS) são, em geral, sorteadas de forma “aleatória”. Mas um monitoramento realizado em julho seguiu outro caminho, como explica Vanessa Soldatelli, coordenadora de Imunização de Fortaleza.

“Pegamos áreas em que as equipes que conhecem acham que as crianças não estão vacinadas. Em algumas, o ACS demora mais a passar, outras ainda não têm cobertura”, explica. Em Fortaleza, 40% das coberturas vacinais são garantidas por estratégias fora das unidades de saúde.

Entre essas ações, estão:

  • Atividades nas escolas duas vezes por ano, com adolescentes, em março e setembro, com foco nas vacinas contra HPV, ACWY (meningite), tríplice viral e hepatite;
  • Busca Ativa de Faltosos (BAF) três vezes ao ano, a partir de relatório de crianças faltosas a determinadas vacinas.

Esta última, a busca ativa, “é a estratégia de maior impacto na cobertura vacinal”, segundo afirma Vanessa Soldatelli. O trabalho, embora relevantíssimo, é simples: “olhar o cartão das crianças mesmo, para saber se estão vacinadas ou não”.

Vanessa explica que os motivos mais alegados pelas famílias para não estarem vacinadas ou não vacinarem os filhos é a “falta de tempo”. Algumas afirmam que “não tinha vacina no dia” em que buscaram, que “o horário não dá certo” ou que “perderam o cartão de vacinação”.

“Nem todos são hesitantes. Fizemos um monitoramento no ano passado que surpreendeu: achamos que as pessoas não queriam se vacinar, mas não era isso. A maioria era falta de tempo”, frisa a gestora de saúde.

São vários motivos, inclusive questões de religião. E às vezes o problema é social: a família não consegue atravessar o território e ir ao posto, então a equipe precisa ir até lá.
Vanessa Soldatelli
Coordenadora de Imunização de Fortaleza

Por fim, a gestão de saúde de Fortaleza – assim como deve ocorrer em todo município – realiza o MEV, “que é pra fechar todas as estratégias e saber se estamos com cobertura boa ou não”.

Ampliar o acesso a parcelas suscetíveis também é uma das táticas adotadas pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), como pontua Ana Karine Borges, coordenadora estadual de Imunização. Como exemplo, ela cita a campanha contra a coqueluche.

“Estamos numa estratégia de inclusão da vacina da coqueluche para além dos trabalhadores da saúde, realizando uma distribuição para os trabalhadores da educação, de creches e berçários que atuam com crianças até 4 anos de idade, que são muito suscetíveis”, cita.

Precisamos avaliar não apenas o percentual de vacinados, mas entender os municípios com alto risco para transmissão de doenças, como os que fazem fronteira, turísticos, com população tradicional e com muitas indústrias.
Ana Karine Borges
Coordenadora de Imunização do Ceará

A vigilância frequente dos indicadores de cada município também é indispensável para elaborar ações mais precisas, bem como para entender as particularidades de cada lugar, como reforça Ana Karine.

Daniella Moore, imunologista e pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), frisa que atentar à vacinação é o principal, já que o Brasil tem a principal ferramenta para alcançar as coberturas.

“O Brasil tem um PNI (Programa Nacional de Imunizações) bastante potente. Mesmo na extensão que o País tem, temos uma capilarização pelas UBS (Unidades Básicas de Saúde) muito boa, chegamos a lugares muito distantes com a vacinação.”