Covid, artrite, lúpus: saiba como as doenças inflamatórias repercutem no humor de pacientes

Doenças geram dor, interferem na regulação hormonal e prejudicam funcionalidade dos pacientes ocasionando transtornos mentais

Corpo e mente não se desassociam em nenhum momento no que quadros inflamatórios causados por Covid, artrite reumatóide e lúpus, dentre outras doenças, maculam o físico e o psicológico. Os distúrbios causados pelas enfermidades podem gerar quadros ansiosos, depressivos e de transtorno bipolar; o que exige acompanhamento profissional.

O Diário do Nordeste ouviu especialistas em saúde mental e em processos infecciosos para entender como as doenças inflamatórias repercutem no humor. Além da inflamação, as doenças causam dor e perda da qualidade de vida dos pacientes, acentuando os prejuízos.

“Grande parte das doenças crônicas na medicina cursam com reação inflamatória, dentre elas, a hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, asma, artrite reumatóide, algumas doenças intestinais como retocolite ulcerativa e doença de Crohn", explica o psiquiatra Matias Carvalho Aguiar Melo.

A reação inflamatória crônica pode ter relação direta com sintomas psiquiátricos, especialmente, ansiosos e depressivos, como frisa Matias, também preceptor da Residência Médica de Psiquiatria do Hospital de Saúde Mental (HSM).

“Além dessa relação direta, os pacientes com doença inflamatória acabam tendo uma série de limitações e complicações advindas dessas doenças com repercussão no seu quadro de humor, o que favorece o surgimento de sintomas ansiosos ou depressivos”, completa.

Estudos internacionais apontam que doenças crônicas elevam de duas a três vezes a prevalência tanto de depressão como de uma síndrome ansiosa
Matias Carvalho Aguiar Melo
Psiquiatra

Isso acontece, entre outros fatores, por uma desregulação da liberação do cortisol - hormônio ligado ao estresse. Confira as doenças associadas aos distúrbios de ordem mental citadas pelos especialistas:

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“Sobre esse mecanismo inflamatório, que é reativo aos quadros virais, existem muitas pesquisas e relatos da presença de uma inflamação mais crônica e menos intensa associada aos transtornos mentais, especialmente, depressão e transtorno bipolar”, explica a psiquiatra Luísa Bisol.

Como Matias, Luísa lembra a relevância de outros prejuízos causados pela doença para o surgimento de perturbação mental. “Mudanças no nosso funcionamento diário após a pandemia também tem impactos sobre os transtornos mentais, como o isolamento e o medo de ter Covid e transmitir para outras pessoas”, completa.

A gente não pode resumir (os prejuízos à saúde mental) à inflamação, mas certamente há essa associação. Há também fatores como viver com uma doença por muitos anos, os impactos na qualidade de vida, pessoas que precisam se afastar dos empregos
Luísa Bisol
Psiquiatra

A professora na Universidade Federal do Ceará (UFC) Luísa Bisol acrescenta que os processos inflamatórios acontecem não apenas em enfermidades virais. “Também têm as doenças inflamatórias intestinais, várias condições que não são causadas por vírus ou bactérias, que também estão associadas à inflamação”, conclui Luísa Bisol.

Humor deprimido, ansioso, irritável… As consequências das doenças que causam inflamação são múltiplas, como explica o psiquiatra João Hiluy, professor da Unichristus e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Como qualquer outro órgão do corpo, o cérebro também sofre quando há um processo inflamatório. Assim, quando existe alguma condição que cause inflamação sistêmica (no corpo todo) ou no sistema nervoso, alterações de humor podem acontecer”

João Hiluy contextualiza que os efeitos da inflamação variam conforme causa e duração do processo inflamatório, além de condições particulares de cada paciente. “Na Covid-19, por exemplo, a doença em geral dura alguns dias, mas o humor pode permanecer alterado de dias até meses após”, acrescenta.

Realidade conhecida por Melissa Medeiros, infectologista no Hospital São José, que também se dedica a acompanhar pacientes com sequelas da Covid.

Além disso, ela explica que a doença causada pelo HIV, assim como outras enfermidades crônicas, estão relacionadas a impactos na saúde mental.

“A gente, inclusive, equipara os dados de depressão e de ansiedade equivalentes a outras doenças crônicas, como doenças cardiovasculares, que têm as taxas de depressão e ansiedade cinco vezes maiores do que na população em geral”, detalha.

Mas isso, como frisa, acontece em pacientes acometidos por quadros mais delicados. "Geralmente as infecções agudas, que têm um curto período de desenvolvimento, que duram até 15 dias ou no máximo um mês, não tem tanto impacto no sistema nervoso central ou neuropsiquiátrico”, pondera.

O que acontece por dentro

Além das doenças, o estilo de vida pode aumentar a inflamação no sistema nervoso, como em pacientes com dieta inadequada. E essas interferências ativam o sistema imune por meio das chamadas citocinas inflamatórias, que são substâncias liberadas por células.

“Esse aumento de citocinas inflamatórias aumenta o estresse oxidativo nas células do sistema nervoso e ocorre uma cascata de diversas reações bioquímicas a nível celular, que alteram a síntese (fabricação) de substâncias chamadas de neurotransmissores”, explica João Hiluy.

Os neurotransmissores fazem conexões entre neurônios como serotonina, dopamina e norepinefrina, como exemplifica o médico, que estão ligados à sensação de prazer e de felicidade.

Assim, no final das contas, essas ações das citocinas inflamatórias acabam contribuindo para alterações nos neurocircuitos cerebrais alterando a comunicação entre os neurônios em diversas regiões cerebrais
João Hiluy
Psiquiatra

Quem passa por esse somatório das inflamações e prejuízos no cotidiano pelas doenças pode apresentar preocupação excessiva, falta de ar, dificuldade para relaxar e insônia.

“Além desses sintomas também existe relação de doenças crônicas, até mesmo do transtorno bipolar, com crises de aceleração, do paciente ficar elétrico, com fala acelerada, com aumento da motricidade, de não conseguir parar, irritabilidade”, acrescenta Matias.

Ajuda profissional e outras atividades

Os pacientes precisam da atenção de especialistas em diferentes áreas para tratar a doença crônica de base e as repercussões na saúde mental. Assim, podem se unir reumatologistas, pneumologistas, cardiologistas, psiquiatras e psicólogos. 

“O tratamento é baseado na ideia da interdisciplinaridade, teremos uma equipe tratando o paciente como um todo. É necessário pensar em controlar a inflamação, mas também reduzir prejuízos e promover reabilitação”, explica Luísa.

A especialista ressalta a importância do encaminhamento para atenção à saúde mental, quando identificado algum transtorno. Além disso, existem atividades alternativas para complementar o tratamento.

“É importante frisar a ação de medidas não farmacológicas. Atividades físicas, como uma simples caminhada, podem ter um benefício tanto direto na doença inflamatória, controlando essa cascata inflamatória”, ressalta Matias. Os benefícios incluem a melhora do humor e regulação do sono.

“Atividades de lazer e de relaxamento também podem beneficiar bastante o paciente, melhorando o bem estar geral, como yoga, acupuntura, técnicas de relaxamento, meditação são outras práticas que também podem auxiliar no tratamento”, completa.