Como o novo Plano Diretor pode equilibrar a construção de 'superprédios' em Fortaleza

O Plano Diretor é a lei que orienta como a cidade deve crescer. Ele está sendo revisado. Índices previstos na norma definem, dentre outros, os limites de altura

Uma cidade com prédios cada vez mais altos. Nos últimos anos, Fortaleza tem registrado o aumento de arranhas-céus, com alturas de até 160 metros, sobretudo, em áreas nobres e próximas à Beira-Mar. Essa dinâmica influencia o desenvolvimento da cidade. No atual momento, o Plano Diretor, principal lei municipal que orienta como a cidade deve crescer, está sendo revisado. Essa é uma oportunidade para definir legalmente se os superprédios irão avançar nos próximos anos e como isso deve ocorrer na Capital.  

Pela legislação, a altura (ou gabarito) máxima das edificações permitida em Fortaleza não é igual para os 121 bairros da cidade. Esse limite, estabelecido no Plano Diretor (e em demais normas), varia conforme a zona de ocupação na qual o prédio está inserido. 

Pelo Plano Diretor de Fortaleza, trechos do Centro e da Aldeota têm o maior limite de altura dos prédios: 95 metros, o que equivale a 32 andares.  Nas demais zonas da cidade em que o Plano prevê incentivos à verticalização o limite máximo de altura é de 72 metros (cerca de 24 andares). Outros limites a depender do zoneamento são 48, 36, 24 e 15 metros. 

Mas, o parâmetro de altura pode ser flexibilizado em determinadas áreas da cidade, quando utilizada a chamada Outorga Onerosa, mecanismo legal usado por construtores que desejam, por exemplo, construir acima do limite estipulado em determinada zona. Nesse processo, para alterar os parâmetros é preciso pagar um valor à Prefeitura.

E, em muitos casos, essa alteração tem permitido a construção de prédios cada vez mais altos. 

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Revisão do Plano Diretor: o que pode ser feito?

O processo de aumento do tamanho das edificações não é negativo por si só, mas o alerta é que é preciso equilíbrio, pois, por exemplo, nem sempre as áreas em que o poder público estimula a verticalização são as mesmas nas quais o mercado imobiliário deseja construir.

E como o Plano Diretor pode ajudar a equilibrar esse processo? O que pode ser feito na revisão dessa lei que pode ter efeito na verticalização?

O Plano Diretor é revisado a cada 10 anos. O de Fortaleza vigora desde 2009 e deveria ter passado por alteração em 2020. Mas, devido à pandemia de Covid, essa revisão sofreu atraso e está em curso agora. 

O arquiteto e coordenador da Comissão de Política Urbana do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU/CE), Henrique Alves, destaca que uma questão fundamental é que os índices que limitam a altura das edificações devem ser estabelecidos no Plano Diretor, junto com “o processo legal para o eventual acréscimo de índice”. 

Ele completa que “o Plano Diretor deveria ter esse procedimento desenhado dentro dele” para que fique mais claro, ágil e definido o cumprimento da norma. 

“Tivemos várias mudanças nos índices posteriores à aprovação do Plano de 2009. Essas mudanças nos índices foram propostas às vezes pela Câmara, às pela Prefeitura, ou acordo entre ambos. Essas mudanças são sempre para ampliação dos índices”.
Henrique Alves,
Arquiteto e coordenador da Comissão de Política Urbana do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU/CE)

Em termos técnicos, argumenta o arquiteto, os índices em si não são negativos ou positivos, “mas a gente precisa entender quais são as repercussões deles”.

Nesse sentido, argumenta, quando há, por exemplo, a intensificação do uso do solo, com o aumento do índice em determinados lugares, é preciso “entender que isso significa o aumento da sobrecarga de infraestrutura, que é mais gente, mais esgoto, mais veículos, em uma determinada região”. 

O arquiteto ressalta que os índices devem “andar em consonância com a infraestrutura para que haja coerência na cidade. Para não gerar uma cidade com alagamentos, engarrafamentos, preços de imóveis muito caros em determinadas áreas”. 

Áreas de incentivo à verticalização

Henrique diz ainda que, na parte técnica, a cidade inteira tem o índice de aproveitamento básico, que é a referência normal para uma construção, e há também o índice de aproveitamento máximo, que é criado pela Prefeitura, dentro do Plano Diretor.

É isso que permite, na prática, que determinados territórios os prédios possam ser maiores que em outras áreas, com a flexibilização de parâmetros. 

“Toda cidade tem o índice básico, em alguns trechos tem o índice máximo. esse índice entre o básico e o máximo é que você pode alterar e cobrar a expectativa de construção do terreno. Não pode colocar essa possibilidade para a cidade toda”.
Henrique Alves
Arquiteto e coordenador da Comissão de Política Urbana do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU/CE)

O arquiteto precisa assumir a dianteira do processo, diz Henrique e direcionar o mercado imobiliário para as áreas onde ela identifica a possibilidade de ter superprédios e de crescimento além da expectativa. 

“A Prefeitura precisa dizer: tem bairros que o mercado imobiliário não tem tanto interesse, mas eles poderiam ser transformados se eu desse a oportunidade de crescer mais e até lucrarem mais”, afirma. 

Etapas da revisão

A Prefeitura ainda não apresentou publicamente se irá revisar os índices de aproveitamento, nem a altura nas zonas de ocupação. Quando essa informação for divulgada será possível visualizar, dentre outros pontos, as áreas em que a Prefeitura pretende estimular a verticalização nos próximos 10 anos. 

A titular da Coordenadoria Especial de Programas Integrados (Copifor), Manuela Nogueira, que atua na revisão do Plano Diretor, explica que a primeira etapa de discussão da mudança na Lei já ocorreu e este mês teve início a segunda etapa. 

Nesse momento, o objetivo, conforme a Prefeitura, é a elaboração de um diagnóstico propositivo e os 39 territórios da cidade serão novamente visitados. Nessa etapa, as demandas apresentadas nas fases anteriores devem ser transformadas em estratégias de enfrentamento dos desafios identificados. 

“Essa segunda etapa é justamente onde nós vamos trazer o diagnóstico sobre o que é que tem e o que é que não tem na cidade de Fortaleza. A terceira etapa que inicia em julho é justamente o momento ideal para esse tema (regulamentação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano)  ser tratado nas reuniões tanto dos 39 territórios como na reunião de comitês temáticos como do Núcleo gestor” 
Manuela Nogueira
Titular da Coordenadoria Especial de Programas Integrados (Copifor)

A criação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, previsto no Plano Diretor de 2009, mas não regulamentado até hoje, é vislumbrada como uma possibilidade da sociedade de Fortaleza ter maior acesso, participação e transparência nas decisões que influenciam o planejamento da cidade, e dentre elas, a flexibilização ou não de índices, que pode permitir o aumento da altura dos prédios.  

Conforme Manuela, a Prefeitura “entende que é um tema que deve ser tratado dentro da revisão do Plano Diretor e que isso deve ser tratado durante todo o processo, mas que o momento principal e primordial para essa discussão específica é durante a terceira etapa da revisão que se inicia em julho deste ano”.