Obras paradas ou inacabadas de 215 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 40 academias de saúde e 7 Unidades de Pronto Atendimento (UPA), entre outros equipamentos, podem ser retomadas no Ceará. Ao todo, o estado tem 280 equipamentos que podem ser ampliados, construídos ou reformados em 94 cidades.
A medida faz parte do Pacto Nacional pela Retomada de Obras Inacabadas, do Governo Federal, sancionado em novembro de 2023. No último dia 15 de janeiro, o Ministério da Saúde publicou a portaria nº 3.084, que viabilizou a repactuação com os entes federativos. Podem ser contempladas pela iniciativa obras que tenham recebido recursos federais em seu financiamento.
O programa prevê transferência de recursos financeiros para a conclusão das estruturas, mesmo se o valor original já tiver sido todo repassado, além de vantagens para os municípios e estados que participarem. Para o Ceará, a estimativa é que sejam liberados cerca de R$ 40,5 milhões para repactuação de obras.
Para que isso ocorra, os gestores devem manifestar interesse por meio do site do Sistema de Investimentos do SUS, o InvestSUS, até 12 de fevereiro. Segundo o Ministério da Saúde, estados e municípios podem aderir ao pacto de forma individualizada, por obra. A análise de quais estabelecimentos a rede tem interesse de retomar, assim como a viabilidade, cabe à autoridade competente.
AS OBRAS ELEGÍVEIS NO CEARÁ
O Ceará é o 8º estado do Brasil e o 4º da região Nordeste com mais obras elegíveis para a iniciativa. A maioria (76,8%) das obras do Ceará é financiada pelo Programa de Requalificação de Unidades Básicas de Saúde, o Requalifica UBS, estratégia do Ministério da Saúde que busca “promover a estruturação e o fortalecimento da Atenção Básica”. São os chamados postos de saúde.
São 215 estabelecimentos cujas portarias autorizando a ampliação (47), construção (88) ou reforma (80) foram publicadas entre 2009 e 2019. Entre elas, 147 (68,4%) unidades básicas de saúde constam como “obra cancelada” no Sistema de Monitoramento de Obras (Sismob). As demais estão com status “em cancelamento” (14,4%), “em execução e conclusão” (10,7%) ou “em início de execução” (6,5%).
O segundo programa com o maior número de obras elegíveis é o Academia da Saúde, que promove a implantação de espaços públicos nos quais são ofertadas práticas de atividades físicas para a população. Ao todo, 40 unidades estão distribuídas em 30 municípios do Ceará — como Iguatu (3), Tabuleiro do Norte (2) e Quiterianópolis (2) —, entre “obras canceladas”, “em cancelamento”, “em execução e conclusão” e “em início de execução”.
Além das unidades da Atenção Primária à Saúde, a principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), há 13 obras de equipamentos da Atenção Especializada à Saúde, que abrange serviços de média e alta complexidade (ambulatorial e especializada hospitalar). São 7 unidades de pronto atendimento (UPA), 4 unidades de acolhimento, 1 centro especializado em reabilitação (CER) e 1 centro de atenção psicossocial (CAPS).
O município cearense com mais obras elegíveis para a retomada é Juazeiro do Norte, que concentra 27 delas — o equivalente a 10% do total. São equipamentos com portarias publicadas entre 2011 e 2013 autorizando a construção, ampliação ou reforma. Segundo informações do Sismob, a cidade tem 26 obras canceladas e 1 com status “em cancelamento”. A maioria delas (70,4%) teve financiamento por meio do programa Requalifica UBS.
No município, há ainda 2 unidades de academia da saúde e 1 estabelecimento dos seguintes programas: Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN); Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Convencional (UCINCo); Unidade de Pronto Atendimento; Centro de Parto Normal; Ambiência e Casa da Gestante, Bebê e Puérpera.
Ao Diário do Nordeste, a Secretaria Municipal de Infraestrutura de Juazeiro do Norte (Seinfra) afirmou, por meio de assessoria de imprensa, que o município fará manifestação de interesse de retomada das obras inacabadas junto ao sistema InvestSUS e aguardará aprovação.
Questionada sobre o motivo para as obras não terem sido concluídas no período previsto, a Pasta citou corte orçamentário no repasse e a pandemia de Covid-19 como explicações para a dificuldade financeira enfrentada pelo município. Além disso, apontou que as obras são antigas, “advindas de gestões anteriores”, tornando os valores “inaplicáveis” na atual realidade financeira.
Já em Fortaleza, há 10 obras elegíveis que datam do período entre 2009 e 2013. Todas se referem a equipamentos da Atenção Primária à Saúde e aparecem como canceladas no Sismob. Na Capital, metade das obras paralisadas são reformas. Outras 3 são unidades básicas de saúde que estavam previstas para construção. As duas que seriam ampliadas são de uma unidade básica de saúde e uma Casa da Gestante, Bebê e Puérpera.
Em nota enviada ao Diário do Nordeste, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) informou que parte dos projetos catalogados no Sismob entre os anos de 2009 e 2013 estão sendo executados com recursos municipais. É o caso da reforma da Unidade de Atenção Primária à Saúde Floresta e o do Hospital Gonzaga Mota de Messejana (Gonzaguinha da Messejana), onde se localiza a Casa da Gestante de Fortaleza.
A pasta explica que ao longo dos últimos 10 anos também foram realizadas intervenções no Hospital Distrital Gonzaga Mota Barra do Ceará (Gonzaguinha da Barra), no Hospital Distrital Nossa Senhora da Conceição e no Posto de Saúde Luís Costa. Esse último foi ampliado para suprir a demanda do Posto de Saúde Filgueiras Lima.
“Já em relação aos demais projetos, citados como prioritários no ano de 2009, como a construção dos postos Mondubim, Vila Manoel Sátiro e Cajazeiras, a Prefeitura de Fortaleza participará da live do Ministério da Saúde (MS), na próxima sexta-feira (2), que irá debater sobre as obras em todos os municípios”, complementa a nota.
CAUSAS E IMPACTOS DA PARALISAÇÃO DE OBRAS
Demora nos processos de licitação e empenhos para obras públicas, troca frequente de equipes técnicas ou cargos comissionados e falta de planejamento orçamentário estão entre os gargalos que levam obras da saúde a ficarem paralisadas ou inacabadas no Ceará, segundo Magda Moura de Almeida, professora do departamento de saúde comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Como resultado, a paralisação das obras pode levar a custos adicionais a longo prazo, além de impactar a própria equipe de saúde que atua nos municípios e a população local. “Projetos interrompidos frequentemente enfrentam custos mais altos de retomada, podendo haver a necessidade de reformulação de projetos, atualização de tecnologias e aumento nos custos de mão de obra e materiais”, comenta a docente.
A interrupção das obras pode gerar uma capacidade de atendimento inferior à necessidade da população, levando a sobrecarga de hospitais e clínicas. “Isso pode levar a um aumento nas taxas de ocupação, falta de leitos e uma menor capacidade de resposta a emergências e surtos de doenças”, complementa.
Para os trabalhadores, a professora aponta que a falta de instalações adequadas e a sobrecarga de trabalho podem levar à desmotivação e esgotamento. “Isso pode resultar em uma diminuição na qualidade do atendimento e na retenção de profissionais qualificados.”
Entre as dificuldades que os municípios enfrentam para retomar obras de saúde, a professora explica que alterações frequentes na liderança e na administração municipal podem levar a mudanças nas prioridades e na alocação de recursos — o que pode afetar a continuidade e a conclusão desses projetos.
Em casos de obras paralisadas por um longo período, em que há a possibilidade de a infraestrutura ter se deteriorado, pode haver a necessidade de avaliações estruturais e reparos adicionais antes da retomada. Também pode haver “desafios legais e contratuais” em relação a empreiteiras, fornecedores e outros prestadores de serviços.
Isso inclui questões como pagamentos atrasados, cláusulas contratuais e acordos de rescisão. Ao longo do tempo, (também) podem ocorrer mudanças nas normas e regulamentações, o que pode exigir ajustes nos projetos e nas obras. Isso pode aumentar os desafios burocráticos e técnicos, bem como os custos associados.
O fato de muitas obras que podem ser retomadas serem provenientes do programa Requalifica UBS indica uma proposta com foco na requalificação das unidades básicas de saúde, comenta a professora. “O fortalecimento da atenção primária é crucial para promover a prevenção e o tratamento precoce de doenças. A ausência de estruturas apropriadas pode dificultar a realização de campanhas, programas de vacinação e ações preventivas que são essenciais para a saúde pública”, finaliza.
O PROGRAMA
Em todo o Brasil, mais de 5,5 mil obras de equipamentos de saúde que estavam paralisadas podem ser retomadas por meio da ação, que faz parte do Pacto Nacional pela Retomada de Obras Inacabadas. Obras paralisadas ou inacabadas podem ser repactuadas. Já aquelas que estão em funcionamento, mas sem registro como “concluídas” no Sistema de Monitoramento de Obras, podem ser reativadas.
O Ministério da Saúde explica essas duas ações da seguinte forma:
- Repactuação: Celebração de compromisso formal entre o ente federativo e o Ministério da Saúde para retomar a execução física de obras e serviços de engenharia paralisados ou inacabados.
- Reativação: Regularização da situação de obras que já foram concluídas, com ou sem recursos próprios do município, mas não houve atualização no sistema e, por isso, os entes podem ser obrigados a devolver os recursos.
“A repactuação envolverá novo termo de compromisso e correção dos valores correspondentes à parte não executada, levando em consideração o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) com o objetivo de alcançar a efetividade do programa. Os percentuais de correção das parcelas estão disponíveis na portaria”, complementa a Pasta.
Após a manifestação de interesse pelos gestores, há ainda a etapa de apresentação de documentos e análises para a retomada ou reativação da obra. O programa levará em consideração os seguintes critérios prioritários para a repactuação:
- Estar incluído no Programa de Aceleração do Crescimento — Novo PAC
- Contar com recursos oriundos exclusivamente de orçamento municipal, estadual ou distrital ou de emendas individuais impositivas ou de iniciativa de bancada estadual ou distrital de parlamentares, também com caráter impositivo
- Estar paralisado e ter por objeto construção de equipamento público de saúde
- Contar com maior percentual de execução física, conforme Sismob
- Estar em locais com maiores vazios assistenciais ou mais baixas coberturas nos serviços de saúde relacionados à obra ou ao serviço de engenharia
- Estar em locais de maior vulnerabilidade socioeconômica ou com maior proporção populacional de quilombolas e indígenas
- Ser mais antigo, conforme ano em que foi publicada a respectiva portaria
- Estar localizado em municípios que sofreram desastres naturais e ambientais nos dez anos anteriores
As obras devem ser concluídas em 24 meses, prazo que pode ser prorrogado uma vez pelo mesmo período. Obras de entes federados que já efetuaram a devolução de recursos à União ou que sejam passíveis de reativação não poderão ser repactuadas.