As imagens de devastação que retratam o Rio Grande do Sul têm levado perplexidade ao Brasil e ao mundo. Uma tragédia que transcende qualquer fronteira. Entre as vítimas, aliás, não há apenas gaúchos: cearenses que vivem na região também relatam perdas sem precedentes.
Sob um teto emprestado e com recursos limitados para sustentar a esposa e os dois filhos. Em resumo, essa é a situação do cearense José Moésio de Castro, 47, que há 9 anos saiu de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, para viver em Porto Alegre.
A renda da família vinha de uma pequena loja que mantinham na capital gaúcha – que, assim como a casa deles, foi totalmente tomada pelas águas. “Perdemos tudo. Minha esposa está mal, não pode nem ver água na frente dela”, lamenta Moésio.
Na tarde dessa quarta-feira (8), ele buscou um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da cidade de Torres (RS) para pedir ajuda. “É triste a nossa situação. Estamos no sítio de um conhecido, não sei até quando, porque vai começar a chover. Pra casa não vamos voltar tão cedo. Perdemos tudo”, repete, como numa tentativa de acreditar.
Estamos apavorados, sem ter pra onde ir. Temos pouco dinheiro, queria muito ir embora, mas não dá. Eu tava sem tomar banho desde sexta-feira. A gente tá sofrendo bastante, não sei como vai ficar a situação. Está caótica.
O cearense diz que já não existe água para vender na cidade, e os itens que restam estão com preços elevados. “Só tem água com gás, não tem ovos, tá faltando tudo. Minha esposa está em choque. Parece cenário de guerra.”
Moésio tem pedido ajuda a conhecidos – e desconhecidos –, e pediu que esta reportagem informasse a chave PIX dele, para o caso de alguém se interessar em ajudar: 286.147.508-03.
“Quando baixar tudo isso aqui, toda essa água, vai ser horrível. Vai ser triste. Quero ir embora pra minha terra, pro Ceará.”
Idosa resgatada
A aposentada Maria das Dôres Monteiro, de 78 anos, não perdeu a casa, mas precisou ser resgatada de barco do apartamento onde mora no bairro Humaitá, em Porto Alegre. Radicada em Juazeiro do Norte, ela vive há 40 anos na capital gaúcha, e está, hoje, em um alojamento para vítimas.
“Os Bombeiros tiraram a gente de casa de barco, e nos colocaram num lugar que tem água, luz, internet e comida. Minha casa está lá. Quando a água baixar, a gente volta. Estou segura”, relatou a idosa em áudio enviado à família.
Irmã de Maria, a jornalista Julia Rosa, 62, define que uma “operação de guerra” foi iniciada pelos moradores quando os primeiros alertas de cheias foram emitidos. “Quando souberam, já foram pros supermercados comprar velas, fósforos e alimentos pro momento de sufoco”, diz.
A precaução, porém, não foi suficiente. Maria das Dôres, por exemplo, por morar no 4º andar, não teve a casa invadida pela água: mas ficou ilhada, sem luz nem água e vendo o estoque de comida acabar.
Julia está em Juazeiro, distante da irmã, e relata alívio ao saber que Maria foi resgatada ilesa. “Estamos tranquilos porque estamos conseguindo contato. Ela é a única pessoa com celular lá, a maioria perdeu tudo. De vez em quando, recebemos áudio dela”, declara a jornalista.
‘Água subiu 1,80m’
O industriário cearense Cledson Marques e a esposa gaúcha, Priscila Rotta, enfrentaram realidade similar. Moradores do município de São Sebastião do Caí, no RS, eles e os filhos – uma menina de 3 anos e um bebê de 2 meses – precisaram deixar a própria casa ao vê-la ser tomada pela água.
“Quando começou a subir, já saímos com as crianças. A casa já tem 2 metros de altura do chão, e mesmo assim a água chegou lá em cima”, relatou Priscila em entrevista ao Diário do Nordeste, na manhã dessa quarta-feira (8), enquanto Cledson limpava a casa da família na tentativa de resgatar qualquer pertence.
“Perdemos praticamente todas as coisas. Vamos tentar recuperar os eletros, mas não sei se vai dar certo. Os dias aqui estão bem complicados, uma correria pra tentar voltar pra casa o quanto antes”, relata Priscila.
Cledson é natural de Barbalha, cresceu em Juazeiro do Norte, e vive no RS há 11 anos, após ter conhecido Priscila pela internet. A enchente no atual nível de gravidade, então, é episódio inédito para ele.
Priscila conta que cerca de 80% da cidade deles foi atingida pela enchente “muito alta”. “Moro naquela casa há 30 anos, desde que nasci. É a segunda vez que entra água: em novembro, entrou 30 centímetros; agora, entrou 1,80 m ou mais”, estima.
Chuvas no RS
As enchentes no Rio Grande do Sul são consequência dos temporais que atingem o estado desde o final de abril, e já deixam mais de 90 mortos e de uma centena de desaparecidos até a manhã dessa quarta (8).
Em Porto Alegre, o Lago Guaíba está mais de 2 metros acima da cota de inundação, estipulada em 3 metros. A menor medição, feita há quatro dias, havia apontado 5,16 metros.
Conforme dados dos balanços locais, o maior nível já registrado pelo Guaíba foi de 5,33, na manhã de domingo (5). O recorde anterior era de 1941, quando 4,76 metros foram registrados.
O nível do Guaíba, no entanto, deve levar um tempo maior para baixar. Uma projeção do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS aponta que o rio só deve chegar abaixo dos três metros em pelo menos 30 dias.