Cacique Sotero, Tia Simoa, Dona Bibil e tantas outras personalidades negras e indígenas relevantes à história do Ceará, mas ainda desconhecidas por boa parte da população. A consciência sobre essa lacuna e os efeitos negativos dela foram o impulso para a cearense, doutora em Comunicação, Luizete Vicente, idealizar a criação de um jogo de cartas educativo para que crianças e adolescentes conheçam a própria história, ao terem contato com 10 lideranças representativas desses grupos populacionais.
Agora, o jogo com 20 cartas e 10 personagens reais está em finalização e será lançado até setembro. No primeiro momento, ao menos, 100 escolas públicas da rede estadual do Ceará receberão os kits do jogo “Siará: histórias de luta”, cujo objetivo é “unir o brincar com a possibilidade de aprender sobre as histórias das populações afro-brasileiras e indígenas cearenses”, ressalta a idealizadora, jornalista e militante do Movimento Negro, Luizete Vicente.
Ela completa: “é fazer com que as crianças possam conhecer a história das lideranças, saber onde nasceu o primeiro Museu Indígena, quem foi a primeira Cacique mulher no Brasil, saber que ela é cearense”.
O projeto foi aprovado no II Edital Cultura Infância 2022, na categoria pesquisa e formação, da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult/CE) e, com isso, está ganhando materialidade.
Nesse momento, relata Luizete, as cartas já estão prontas e o jogo passa por um processo de revisão das informações. A projeção é de lançamento oficial em setembro de 2023, e após isso, a distribuição do material didático nas unidades escolares.
Além do jogo físico, explica, haverá também uma cartilha online, que está sendo diagramada. “Tem uma programadora fazendo a programação da estrutura do jogo online. Vai para uma plataforma e lá, quem se interessar, vai poder jogar, baixar a cartilha e pode ver o material em audiodescrição”, completa ela.
Como é o jogo?
A consciência sobre os efeitos da discriminação em relação à população negra e indígena, bem como sobre a ausência, de modo geral, de referências na etapa escolar sobre a história desses grupos populacionais fez surgir a ideia do jogo, relata Luizete.
Na prática, a produção do material didático também ajuda a concretizar as determinações da Lei 11.645/2008, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio no Brasil.
No total são 20 cartas ilustradas das quais 10 têm a imagem de personalidades e outras 10 têm símbolos referentes a estas pessoas. Das 10 cartas, 5 são de mulheres e 5 de homens. A criação dos 10 símbolos, diz Luizete, se conectam a objetos ou instrumentos utilizados por essas pessoas em suas atividades e lutas protagonizadas.
Quem são os 10 personagens?
Liderança indígena
- Cacique Sotero
- Cacique Pequena
- Pajé Barbosa
- Luisa Canuto
- Weibe Tapeba
População negra - Lúcia Simão
- Dona Bibil
- Dragão do Mar
- Tia Simoa
- Raimundo Boca Aberta
No jogo, uma das cartas traz a imagem do personagem e outra tem características e feitos dessa personalidade. O jogador precisa encontrar o símbolo relacionado. Essa conexão é feita a partir da leitura dos textos descritos em uma das cartas e também dos conteúdos da cartilha. “Vira a carta do personagem e depois vai atrás do símbolo. A cartilha irá auxiliar e terá conteúdo complementar”, destaca ela.
A cartilha também terá um QRCode, indica Luizete, e na plataforma online será possível fazer essa conexão.
“É a possibilidade de se formar, a partir do brincar. Você pode brincar e aprender. É uma ferramenta que pode ajudar os professores na forma de olhar para a população indígena e população negra. Populações que são alicerces da formação do país”.
De acordo com a jornalista, no projeto estava estabelecido que seriam 10 cartas, mas se fosse possível, a lista de personalidades seria maior. “queria que fosse mais, mas o financiamento tem limitações”, pondera. O edital também garantirá o custeio de 100 kits, mas se outros órgãos públicos quiserem ajudar, explica, é possível viabilizar a materialização de mais jogos físicos para chegar a mais escolas.
No lançamento, a ideia é fazer oficinas em, ao menos, uma escola em cada Região do Estado, para explicar sobre o projeto.
Origem do projeto
Luizete é uma mulher negra e desde muito jovem integra o Movimento Negro, como a organização Juventude Negra Kalunga. “Desde 2007 pensava formações em escolas. Desenvolvia projetos pequenos. Desde essa época, nós falamos sobre a importância de estarmos nas escolas. Desde lá, eu percebi que tinha pouco material, mesmo com a aprovação da Lei 10639 que torna obrigatório o estudo da história afro-brasileira e africana”, relata.
Em 2017, conta, escreveu um filme, um curta-metragem, chamado “Os Cabelos de Yami”, uma ficção sobre a história do primeiro dia de aula de uma menina negra. E desde então pensava sobre “como produzir materiais educativos para crianças negras”. A produção foi rodada e lançada em 2018 e “a partir desse material, comecei a perceber a necessidade de fazer mais material para crianças”, completa.
Já em 2019, a jornalista escreveu o livro infanto-juvenil "Ayo: a menina que criou o mundo". Em 2022, quando saiu o edital da Secult, “pensei nesse outro projeto. Porque muita gente não conhece as lideranças negras e indígenas do Estado”.