Ceará tem 8 cidades em disputas territoriais que se estendem de 5 a 50 anos

Entre as cidades está, inclusive, Fortaleza, que faz parte de um processo que pode entregar a Praia da Abreulândia ao Eusébio em troca de outros espaços

O mapa do Ceará pode ganhar um desenho diferente nos próximos anos com a tramitação de projetos de lei e também debates para atualizar limites de municípios. Uma recente atualização, que já alterou trechos das áreas de duas cidades do Estado, Alto Santo e Tabuleiro do Norte, também pode se repetir em outros locais e resolver definições que chegam a se estender por cerca de 50 anos. Até a Capital está inclusa em um desses processos. 

Atualmente, o Ceará tem 8 municípios envolvidos em processo de alteração de território e um contexto de indefinições geográficas históricas e sentimento de pertencimento de populações. Para que as mudanças sejam feitas, é preciso que a Assembleia Legislativa do Ceará aprove um projeto de lei em tramitação desde 2021. 

Estão na lista das cidades envolvidas nessas disputas as cidades: 

  • Fortaleza (ainda sem projeto de lei)
  • Eusébio (ainda sem projeto de lei)
  • Russas 
  • Morada Nova 
  • Limoeiro
  • Quixeré
  • Palmácia 
  • Pacoti 

As definições territoriais passam por diálogo entre os representantes e são acompanhadas pelo Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais (Celditec) da Assembleia. O Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) também integra o grupo para análise das mudanças propostas.

Na maioria dos casos, há consenso para a revisão dos mapas municipais, e cada um dos processos se refere a trechos e cada um se estende por esperas que vão de 5 a 50 anos. Mas qual o impacto dessas mudanças, por que algumas se estendem por tanto e o que falta para que sejam efetivadas? 

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Russas, Morada Nova, Limoeiro e Quixeré

A indefinição mais antiga está no Vale do Jaguaribe. A questão envolve quatro cidades há cerca de 50 anos: Russas, Morada Nova, Limoeiro e Quixeré. Os novos limites são definidos por georreferenciamento, método mais preciso de levantamento de áreas. 

Esse período extenso está relacionado ao desafio de mudar os limites sem desagradar a algum grupo. "É uma das regiões mais dinâmicas do Estado, pelo agronegócio, pela produção de cerâmica, de energias renováveis", analisa Alexandre Pereira, geógrafo e professor na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Enquanto não há definição, as cidades são construídas e mudar o cenário pode ser mais difícil com o tempo. "Até porque não existiam técnicas para demarcar com clareza e a sociedade vai usando o território sem se preocupar com esses limites e isso complica a divisão".

Os gestores dos municípios se reuniram no último ano para revisar e buscar um “denominador comum”, como define Luiz Carlos Mourão, coordenador do Celditec.

Esses limites não eram muito claros nas décadas de 1950, não tinham os equipamentos que nós temos hoje, por conta disso com o tempo foram aparecendo esses problemas de limites
Luiz Carlos Mourão
Coordenador do Celditec

O caso exigiu maior esforço dos técnicos, porque envolve quatro limites e oito divisas. Agora a análise é feita por comissões técnicas da Assembleia Legislativa, conforme o coordenador.

Éderson Castro Pimpão, secretário de Atividades Econômicas de Limoeiro do Norte, contextualiza que as mudanças acontecem para a melhor aplicação dos recursos públicos.

Por exemplo, seis comunidades do distrito do Bixopá, oficialmente de Morada Nova, eram atendidas por serviços de saúde, educação e incentivos para produção agrícola provenientes de Limoeiro.

“Fato que poderia comprometer no futuro a continuidade dos serviços, sobretudo depois que as propriedades rurais passaram pelo georreferenciamento do Cadastro Ambiental Rural”, detalha o secretário.

O primeiro benefício direto da definição dos limites territoriais em questão é a justiça social. Ademais, permitir que as pessoas de determinado lugar que se reconhecem como munícipes de Limoeiro do Norte, possam, efetivamente, ter o seu endereço como sendo o da cidade onde nasceram, educaram seus filhos e trabalham, também é uma ação de cidadania e os novos limites permitirão isso
Éderson Castro Pimpão
Secretário de Atividades Econômicas de Limoeiro do Norte

O representante de Limoeiro do Norte detalha que para a resolução da nova definição territorial, Morada Nova “condicionou abrir mão dessa parcela territorial, se uma outra necessidade de demarcação dele fosse resolvida, que envolvia a comunidade de Lagoa Funda, limite com Russas”.

“Russas, por sua vez, não colocou óbices para resolver o problema, contudo, condicionou a sua anuência à resolutividade também de um conflito territorial com Quixeré, que por sua, exigiu que Limoeiro do Norte abrisse mão de uma faixa territorial de divisa, onde possui monumentos com identidade histórica quixereense, como a Ladeira de Santa Cruz e a Barragem de Quixeré”, explica.

O secretário ressalta a importância da intermediação para o estabelecimento do acordo. “Tramita neste momento por Comissões da Assembleia Legislativa, aguardando, por sua vez, ser transformado em Lei, para que os novos marcos sejam efetivamente identificados e registrados pelo Ipece”, completa.

Fortaleza e Eusébio

Entre os exemplos das cidades que ainda buscam definição, o debate sobre a possibilidade da Praia da Abreulândia, atualmente em Fortaleza, fazer parte do Eusébio, na Região Metropolitana (RMF) é um dos mais recentes. A análise acontece desde 2017.

“Impacta diretamente uma população de cerca de mil pessoas. As tratativas levam em conta o bem-estar e futuro desenvolvimento sustentável deste território”, informou a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente da Capital (Seuma).

Isso porque a área faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA), de responsabilidade municipal, e da Sabiaguaba e da APA do Pacoti, gerido pelo Estado.

“Existe uma tratativa técnica que entrega a Praia da Abreulândia para o Eusébio em troca de algumas terras que estão às margens da Avenida Maestro Lisboa”, detalhou a Prefeitura do Eusébio à reportagem.

A gestão da cidade é favorável ao parecer técnico e avalia estar pronta para integrar a área ao território com a garantia da estrutura para os moradores.

“O Eusébio dotará esta região de tudo aquilo que o restante do município já tem, isto é: educação em tempo integral, saúde integral, transporte regular urbano gratuito, enfim, passará a buscar investimentos para desenvolver na plenitude esta área”, completou.

Palmácia e Pacoti

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No mesmo projeto de lei sobre os quatro municípios entra a definição dos novos limites entre Palmácia e Pacoti, no Maciço de Baturité.

"Palmácia perdeu alguns locais com relação à divisa de Pacoti e ficou acordado que o local em questão, de maior população, onde Pacoti dava mais assistência ficou com eles e a gente ficou com a divisa já organizada", explica Jairo Alves, chefe de gabinete de Palmácia.

No caso das duas cidades, o chefe de gabinete contextualiza que o acesso aos serviços de saúde e de educação precisavam ser melhor delimitados de acordo com a população de cada cidade.

O número de habitantes é um dos fatores analisados pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para a distribuição de recursos. "Hoje Palmácia, por esse atraso no Censo, sustenta o município de potencial 1.0 com receita de repasse de 0.8 e isso é muito dispendioso", acrescenta sobre os índices populacionais.

Além dos exemplos dos municípios em diálogo para uma nova divisão territorial, Luiz Mourão lembra de um outro caso ainda indefinido.

“Ainda têm algumas questões pontuais e elas só vão ser resolvidas com o decorrer do tempo. Ainda existem problemas em Abaiara e Brejo Santo”, exemplifica sobre a área de serra. Nesse caso, o acesso às cidades confunde os limites territoriais.

Legislação para atualização dos mapas

Acrísio Sena, presidente da Comissão de Desenvolvimento Regional na Assembleia Legislativa, observa os pedidos por mudanças nos limites territoriais relacionados à garantia de políticas públicas.

"A contagem da população para o fundo de participação dos municípios é um elemento determinante, e o outro é que, de fato, algumas prefeituras já exercem o domínio e praticam políticas públicas, mas ainda não detentoras do território", acrescenta.

O Celditec, em parceria com o IBGE e Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), além de associações municipais, revisou e georreferenciou os limites dos 184 municípios cearenses. Com isso, foi criada a Lei nº 16.821/2019.

No entanto, no âmbito nacional, ainda há indefinição legislativa sobre o processo de separação dos territórios, como observa Acrísio Sena.

Esse é um debate muito novo na Assembleia, que não consegue avançar mais, porque em nível nacional não há nenhuma regulamentação sobre criação, separação dessas questões territoriais
Acrísio Sena
Presidente da Comissão de Desenvolvimento Regional na Assembleia Legislativa

"Isso gera um embaraço de natureza administrativa que dificulta hoje o próprio Estado do Ceará sozinho (resolver), mas se há consenso entre as duas prefeituras e esses são homologados pela Assembleia Legislativa, é um ponto pacífico", explica.

Qual o impacto dessas mudanças? 

Ter um mapa bem atualizado é uma "questão estratégica", como define o geográfo e colunista do Diário do Nordeste, Alexandre Queiroz Pereira. "No período atual, com equipamentos e processamento de imagens de satélite e uso de computadores permitem uma maior precisão", completa.

Muito dos recursos de transferência direta estadual e federal dependem da quantidade da população. Se aquele trecho do território tem algum recursos especial, como um jazida ou comércio, o município pode perder divisas nos impostos
Alexandre Queiroz Pereira
Geógrafo

O sentimento de pertencimento "se constrói no tempo, pelas tradições, pelo envolvimento, pelo que os antepassados dizem e até pela vivencia", como explica. Além disso, o acesso aos serviços básicos também criam essa identificação.

"As vezes você tem comunidades que vivem na borda de grande municípios, dispersas e distante até 50km da sede da cidade. É mais fácil e racional para aquela população se dirigir a outra sede municipal", contextualiza. Por isso a necessidade de consultar as pessoas, como por meio de audiências públicas e plebiscitos, antes das mudanças.