Ceará ficou 1,8ºC mais quente em 60 anos e ondas de calor se tornaram mais frequentes, revela estudo

Pesquisa da Funceme alerta sobre degradação do solo e riscos à agricultura, abastecimento de água e saúde humana

Em cerca de 60 anos, o Ceará ficou 1,8ºC mais quente, considerado um aumento significativo nas temperaturas. Um estudo inédito realizado e divulgado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) revelou as alterações nos padrões climáticos nas últimas décadas, o que pode afetar diretamente o meio ambiente e a sociedade.

Conforme o estudo, assinado pelos pesquisadores Francisco Júnior e Glícia Garcia, o Ceará teve um aumento médio de 0,3ºC na temperatura do ar a cada década entre os anos de 1961 e 2023, representando um aumento médio de 1,8ºC em 63 anos.

Nesse intervalo, especialmente os anos de 1983, 1993, 1998, 2016 e 2021 tiveram temperaturas médias mais elevadas. Os cinco primeiros estavam sob efeito do El Niño, fenômeno que reduz as chuvas no Nordeste. Apenas 2021 foi ano com La Niña, que favorece as precipitações - e, ainda assim, um ano quente.

“O clima na década de 1960 era muito mais frio do que nessa década de 2020”, resume Francisco Júnior, doutor em Meteorologia e pesquisador da Funceme. “Hoje temos uma atmosfera bem mais quente, que retém mais água e mais vapor, e se torna mais quente porque o vapor d'água é um gás do efeito estufa. Ele retém calor e radiação”. 

Essa tendência está associada ao aumento da temperatura e evaporação, o que favorece a degradação do solo e pode gerar impactos diretos na agricultura, no abastecimento hídrico e na saúde humana.

Para a conclusão, os pesquisadores analisaram dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), das Plataformas de Coleta de Dados (PCDs) da própria Funceme e do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF).

Para se chegar à média anual, foram mensuradas as medições dos dias e meses com todas as estações disponíveis. “A gente olhou a média anual. Ela flutua: alguns anos são mais quentes, outros mais frios, mas quando você avalia ao longo do tempo, começamos a ver essa tendência de aquecimento”. 

No futuro, indica Francisco, podem ser feitos novos estudos avaliando o perfil por região do Estado.

Ondas de calor

A análise da Funceme revela uma tendência de aumento significativo de ondas de calor ao longo das décadas, sobretudo a partir do início dos anos 2000. O ano de 1998 teve recorde, com 15 ondas. Em seguida na lista, aparecem 2016, com 9; 2012, com 8, e 2023, com 7.

Esses eventos se caracterizam por períodos de, no mínimo, 3 dias. Porém, afirma Francisco, alguns já duraram mais de um mês. “E diferente de um evento de chuva, não é algo apenas no Ceará. Essas configurações de tempo severo não respeitam divisas de Estado”, relata o físico.

De acordo com ele, o El Niño funciona como catalisador desses eventos. “Ele joga na atmosfera uma grande quantidade de energia, é uma massa de água muito grande aquecendo a atmosfera cujo impacto é sentido em todo o globo. Por isso tivemos recordes, o período entre 2023 e 2024 foi o ano mais quente já registrado”, aponta.

Preparação para o futuro

Conforme os pesquisadores, a análise reforça a importância de políticas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas, tanto para proteger os ecossistemas naturais quanto para garantir a segurança alimentar e hídrica do Ceará.

“Mudança climática não é mais um negócio romântico do futuro: está acontecendo agora”, alerta Francisco. Os impactos são sentidos não só na temperatura, mas também em variação das precipitações e chuvas cada vez mais intensas. 

“Nós tentamos traçar os possíveis impactos que podem haver principalmente pra agricultura ou recursos hídricos. A água está evaporando mais do que há 30 ou 40 anos atrás. A atmosfera muito mais quente retém mais água, e isso pra nós do semiárido, onde cada gota conta, é algo que precisamos levar com preocupação”, finaliza o especialista.