Ceará é o estado do Nordeste com maior proporção de diagnósticos tardios de câncer de mama

A cobertura da mamografia de rastreio para a população-alvo no Ceará é de 12,5%, enquanto a taxa recomendada pela OMS é de 70%

Aos 57 anos, em meio a exames de rotina, a doméstica Filoiza Monteiro, recebeu um alerta. Uma pequena alteração na mama direita chamou atenção do médico e em poucas semanas ela teve o diagnóstico de câncer de mama confirmado. No caso dela, a doença estava em estágio inicial, quando as chances de cura são maiores, mas nem todas as pacientes oncológicas no Ceará e no Brasil tiveram uma resposta precocemente.

Na realidade, mais da metade das mulheres que descobriram câncer de mama no Ceará entre 2015 e 2021 tiveram diagnóstico tardio, em estágios mais avançados. Isso ocorreu em 55% dos casos, deixando o Estado em 1º lugar no Nordeste em relação à proporção de diagnósticos tardios da doença. No País, o Ceará está atrás apenas do Acre, do Pará e de Roraima, cada um com 56%.

A informação é do estudo “Panorama da atenção ao câncer de mama no Sistema Único de Saúde (SUS)”, fruto de parceria entre Instituto Avon e o Observatório de Oncologia. Para exame do estadiamento ao diagnóstico, foram utilizados os dados do Registro Hospitalar de Câncer, do Instituto Nacional de Câncer (INCA).

Há cinco graus de estadiamento do câncer mama, do mais leve (0) ao mais avançado (4), classificados conforme o tamanho do tumor, o acometimento ou não dos linfonodos e a presença de metástase à distância. Em estágio inicial, o tumor tem até 2 cm, sem acometimento de linfonodo, explica a oncologista clínica Geórgia Fiúza. No estágio 3, a doença já atingiu linfonodos; no 4, o câncer já chegou a outros órgãos ou tecidos.

“Quanto maior o tamanho do tumor e maior o número de linfonodos acometidos, maior a necessidade de tratamentos mais invasivos e menor a taxa de cura. No diagnóstico precoce, principalmente no estágio 1, cerca de 95 a 98% das pacientes estarão curadas com tratamento às vezes menos invasivo, com cirurgias mais conservadoras, de menor porte, e às vezes até sem indicação de tratamento de quimioterapia complementar”, afirma a médica.

PREVALÊNCIA E RASTREIO DO CÂNCER DE MAMA

Segundo o INCA, com exceção dos tumores de pele não melanoma, o câncer de mama é o mais incidente entre as mulheres de todas as regiões do Brasil. Para cada ano do triênio de 2023 a 2025, a estimativa é de 73,6 mil novos casos no País, representando uma taxa ajustada de 41,9 casos a cada 100 mil mulheres.

Segundo as Diretrizes para a Detecção Precoce do Câncer de Mama no Brasil, o Ministério da Saúde recomenda a realização de mamografia para o rastreamento da doença a cada dois anos em mulheres de 50 a 69 anos.

A Pasta aponta que, para essa faixa etária, os possíveis benefícios são, provavelmente, semelhantes ou superiores aos possíveis danos da estratégia. A indicação para mulheres consideradas de alto risco para a doença e com menos de 50 anos é ter avaliação individualizada.

Já a Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda que a mamografia de rastreamento seja feita anualmente a partir dos 40 anos para mulheres de risco habitual para a doença e a partir dos 30 anos em caso de alto risco.

POSSÍVEIS MOTIVOS PARA O DIAGNÓSTICO TARDIO

Para a oncologista clínica Geórgia Fiúza, esse cenário está relacionado à dificuldade de acesso a profissionais que vão avaliar a necessidade de exame, além da falta de conscientização das pacientes.

“Temos uma proporção grande de pacientes, até mesmo com menos de 40 anos, com diagnóstico de câncer de mama. Como elas não estão incluídas no programa de rastreio, acabam tendo diagnóstico mais tardio. Não é um problema só do Ceará, isso envolve a maioria dos estados do País”, afirma.

A cobertura da mamografia para a população-alvo, porém, está muito abaixo da taxa de 70% recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No biênio 2021–2022, segundo o levantamento do Observatório de Oncologia, a cobertura no Brasil foi de 20,5%, enquanto no Nordeste foi 19,9% e no Ceará, 12,5%.

“O Ceará tem 54% de casos com diagnóstico tardio. Mais da metade das mulheres são diagnosticadas tardiamente. Isso está bem acima da média do Brasil, de 38% dos casos, e do Nordeste, de 43%. Isso realmente é muito preocupante e vem, muito provavelmente, da baixa a cobertura”, afirma Nina Melo, coordenadora do Observatório de Oncologia.

Como entraves para o acesso à mamografia, a coordenadora das Redes de Atenção à Saúde da Sesa, Rianna Nobre, elenca pontos como a falta de conhecimento sobre a importância do exame, o medo da mulher em relação a dor e a dificuldade de transporte. Além disso, ela ponta que a solicitação de mamografia de rastreio é responsabilidade dos municípios, por meio da Atenção Primária.

Em 2023, segundo a coordenadora, a cobertura da mamografia no Ceará foi de 17,59%. Rianna também destaca a importância de os equipamentos que realizam o exame — como o “caminhão da mamografia” — fazerem o registro no sistema do Ministério da Saúde corretamente. “Uma barreira também é a falha no registro. Tanto que temos trabalhado muito com treinamentos para as superintendências e para os municípios”, afirma.

A médica Geórgia Fiúza ainda aponta a concentração tanto de aparelhos de mamografia quanto de médicos e tratamentos oncológicos na Capital, dificultando o acesso ao diagnóstico. Em 2022, segundo o Panorama do Câncer de Mama, 38% das pacientes do Ceará precisaram se deslocar do município onde residem para realizar o exame. “Falta tanto uma organização maior do sistema quanto uma melhor educação das nossas pacientes na procura pelo rastreio”, defende.

Filoiza Monteiro, que está perto de completar 59 anos, realizou percursos de 347 km ao longo do tratamento. Regularmente, ela saía de Tauá, no Sertão de Inhamuns, para comparecer a consultas, cirurgia e sessões de quimioterapia na Capital, em deslocamentos de sete horas de duração.

“Na época que fiz a quimioterapia, eu saia daqui às 22h do domingo, chegava no Crio (Centro Regional Integrado de Oncologia) às 5 da manhã e tomava a quimioterapia (durante) 3h30. E você fica o resto do dia lá. Só sai de Fortaleza, às 18h, 19h”, relata. Para fazer a radioterapia, a estadia foi prolongada: foram 34 dias na casa de apoio da Associação Nossa Casa.

Segundo a gestora da Nossa Casa, Daniele Castelo Branco, os relatos sobre demora para fazer exames e fechar o diagnóstico, levando à descoberta da doença em estágios avançados, é comum entre as mulheres acolhidas pela Associação. “É muito triste ver o tamanho da dificuldade das mulheres em realizar um exame tão simples como a mamografia”, lamenta.

Ela também destaca que as pacientes “se perdem” no fluxo entre mamografias, ultrassons, biópsias e outros exames. Para Daniele, o ideal seria encaminhar uma paciente com resultado alterado para uma instituição onde todos os exames pudessem ser realizados.

“A paciente fica com uma mamografia alterada, não consegue marcar ultrassom, não consegue marcar biópsia e vai se perdendo no meio de tantas outras demandas que essa mulher tem no dia a dia. As próprias policlínicas deveriam garantir essa linha de cuidados completa da mulher no Interior. (…) Isso é o que deveria acontecer, mas não acontece”, afirma.

Rianna Nobre afirma que, após atendimento na Atenção Primária, pacientes elegíveis para o rastreamento que estão com mamografia atrasada são reguladas pela Secretaria da Saúde do Ceará para as policlínicas. Lá, ela faz o exame e tem acesso ao resultado, que é enviado para o município. Em caso de alteração, é solicitada um ultrassom de complementação.

“Ela é agendada internamente para a policlínica para acompanhamento até a biópsia, para ter o diagnóstico. A partir daí, se der tudo bem, ela retorna para o município de origem. Se der alguma alteração, ela fica em acompanhamento interno na policlínica até ter acesso ao diagnóstico e de fato ser encaminhada para tratamento por meio de um Unacon (Unidades de Alta Complexidade em Oncologia) ou Cacon (Centros de Alta Complexidade em Oncologia) no estado do Ceará”, complementa.

Outro aspecto criticado pela gestora da Associação é a condição dos mamógrafos. De acordo com ela, parte dos aparelhos não está em funcionamento. Na rede Sesa, Rianna Nobre afirma que os 26 equipamentos estão “em pelo funcionamento”.

Essa realidade de diagnósticos tardios de mulheres com câncer de mama só vai mudar se a gente melhorar esse acesso na ponta, se a gente realmente tirar o que está tão bonito no papel. A gente sabe o que precisa ser feito, sabe a população que precisa ser rastreada, os gestores falam que temos os mamógrafos suficientes para atender a população que precisa ser rastreada. Mas na vida real nada disso acontece.
Daniele Castelo Branco
Gestora da Associação Nossa Casa

Além disso, Daniele aponta que é comum que pacientes que fazem o tratamento no SUS paguem pelas mamografia e outros exames, como foi feito por Filoiza. Esses e outros gastos dificultam ainda mais o processo. “Para a quimioterapia, você tem que ir com acompanhante. Daqui (de Tauá) para Fortaleza, para ir com acompanhante, você gasta R$ 500. É muito dinheiro”, lembra a doméstica.

DEMORA PARA COMEÇAR O TRATAMENTO

Além da cobertura do rastreio e do estadiamento da doença no momento do diagnóstico, o “Panorama da atenção ao câncer de mama no Sistema Único de Saúde” também traz informações sobre o tempo que as pacientes levam para iniciar o tratamento após a confirmação da doença.

No Brasil, a lei n.º 13.896, de 30 de outubro de 2019, determina que pacientes com suspeita de câncer têm o direito à realização de exames no prazo máximo de 30 dias. Já a lei n.º 12.732, de 22 de novembro de 2012, prevê o direito do paciente de receber o primeiro tratamento pelo SUS em até 60 dias — ou menos, conforme a necessidade terapêutica —, contados a partir do dia do diagnóstico em laudo.

Nina Melo, coordenadora do Observatório de Oncologia, destaca que as pacientes com câncer de mama demoram quase três vezes mais para começar o tratamento. Esse intervalo é de 179 dias no cenário nacional, de 158 dias no Nordeste e de 149 dias no Ceará.

“Se a gente for parar para pensar que essa mulher já foi diagnosticada no estadiamento muito avançado e ainda demora três vezes mais para iniciar o tratamento do que seria o recomendável, essa mulher, infelizmente, terá suas chances muito diminuídas. E não é isso que a gente quer”, afirma.

Ainda em relação às ações da Sesa para promover o diagnóstico da doença, Rianna Nobre destaca a regionalização da oncologia no Estado, a realização de busca ativa e o trabalho feito com as policlínicas regionais para criar um plano de ação junto aos municípios vinculados a elas. O objetivo é promover o acesso à mamografia não apenas durante o Outubro Rosa, mas ao longo de todo o ano.

Em nota enviada ao Diário do Nordeste, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Fortaleza afirmou que atua de forma descentralizada para ampliar o diagnóstico precoce do câncer de mama. “Os postos de saúde do Município ofertam ações rotineiras de educação em saúde, exame clínico de mama, citopatológico e solicitação de mamografia”, aponta.

A Pasta também destaca o serviço de Opinião do Especialista. Com a iniciativa, o médico do posto de saúde pode enviar suas dúvidas sobre o quadro clínico do paciente para um médico especialista durante a consulta, com tempo de resposta de até 72h. Entre as especialidades está a mastologia, para auxiliar na detecção precoce de diversas doenças mamárias.

“Já para a realização da mamografia de rastreamento, a SMS conta com 13 estabelecimentos a disposição da população, entre a rede própria e contratualizada, onde é indicado pelo Ministério da Saúde que mulheres de idades entre 50 e 69 anos realizem a mamografia a cada dois anos. Em 2023, foram realizadas 38.419 mamografias”, finaliza a nota.

Câncer de mama

Como prevenir?

Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 17% dos casos de câncer de mama podem ser evitados com a adoção de hábitos saudáveis, como praticar atividade física, manter o peso corporal adequado, evitar o consumo de bebidas alcoólicas e amamentar seu bebê pelo máximo de tempo possível. Não fumar e evitar o tabagismo passivo são medidas que podem contribuir para a prevenção.

Quais os sintomas?

O aparecimento de nódulo — indolor, duro e irregular — é o sintoma mais comum do câncer de mama, segundo o Ministério da Saúde. Porém, há tumores de consistência branda, globosos e bem definidos. Outros sinais destacados pela Pasta são: edema cutâneo (na pele), semelhante à casca de laranja, retração cutânea, dor, inversão do mamilo, hiperemia, descamação ou ulceração do mamilo e secreção papilar, especialmente quando é unilateral e espontânea. A secreção associada ao câncer geralmente é transparente, podendo ser rosada ou avermelhada. Também podem surgir linfonodos palpáveis na axila. Esses sinais e sintomas devem ser investigados, mas também podem estar relacionados a doenças benignas da mama.

Como ocorre o diagnóstico?

Um nódulo ou outro sintoma suspeito nas mamas deve ser investigado para confirmar se é ou não câncer de mama, afirma o Ministério da Saúde. Além do exame clínico das mamas, pode haver recomendação de exames de imagem como mamografia, ultrassonografia ou ressonância magnética. A confirmação diagnóstica só é feita por meio da biópsia. O material retirado no procedimento é analisado pelo patologista para a definição do diagnóstico.

Quais os fatores de risco?

A oncologista clínica Geórgia Fiúza destaca que obesidade, sedentarismo, má alimentação, uso frequente de álcool e tabagismo são fatores de risco para câncer em geral. Especificamente para o câncer de mama, ela destaca os fatores relacionados à exposição hormonal, como menarca muito precoce, menopausa tardia, primeiro filho após os 30 anos e uso de terapia de reposição hormonal por mais de 5 anos.

Qual o tratamento?

Segundo o Ministério da Saúde, há vários subtipos de câncer de mama e cada um requer tratamento específico e individualizado. O tratamento depende da fase em que a doença se encontra (estadiamento) e do tipo do tumor. Pode incluir cirurgia, radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia e terapia biológica (terapia alvo). Com diagnóstico no início, o tratamento tem maior potencial curativo. Caso haja metástases, o tratamento busca prolongar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida. As condições da paciente (idade, se já passou ou não pela menopausa, doenças preexistentes e preferências) também têm influência no tratamento.