Um salto no futuro mostra um cenário preocupante no Ceará: mais dias de seca no interior, enchentes no litoral e até a extinção de espécies marinhas devido às mudanças climáticas. Por isso, cientistas alertam para o controle das emissões de carbono como forma de evitar eventos extremos até o final do século, mas que já se desenham no presente.
Modelos matemáticos para a região do Nordeste apontam o aumento de 100 dias sem chuva, que acontecem desde 1901, para 140 dias de seca em 2100. Além disso, a temperatura pode subir mais de 4ºC e causar a extinção de corais, por exemplo, no Ceará.
O problema global se apresenta no Estado dessa forma: 42% das emissões de gases de efeito estufa estão relacionadas à energia, como transporte, geração elétrica e industrial. Outra parcela, 27%, fica com a agropecuária e 15% com resíduos sólidos e efluentes.
Os dados todos desta matéria são usados para debater o tema Mudanças Climáticas no Ceará e estão nos seguintes artigos:
- "Drought in Northeast Brazil: A review of agricultural and policy adaptation options for food security", de setembro de 2021
- "Drought in Northeast Brazil—past, present, and future", de 2017
As mudanças de uso da terra e florestas, como o desmatamento, correspondem a 12% da emissão dos gases prejudiciais e 4% são dos processos industriais, como mineração.
Os dados são de pesquisas científicas produzidas no Ceará e publicadas em revistas internacionais, além da plataforma do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seed), que produz estimativas dos poluentes.
“Ao longo de décadas nós tivemos uma regularidade, os próprios profetas do sertão indicavam quando começa e termina chover. O que a mudança climática faz é desregular o sistema”, resume Marcelo Soares, professor do Instituto de Ciência do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC).
As emissões podem prejudicar até a produção de alimentos, como aponta Marcelo, que também é pesquisador no programa Cientista-Chefe de Meio Ambiente da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema).
Isso não vai ser uma coisa homogênea, é possível até que em algumas regiões do litoral passe a chover mais do que o normal. A tendência geral é de aumento dos dias de seca nas regiões semiáridas, o que é um problema para a segurança hídrica e alimentar
O tema mudança climática é debatido na 27ª Conferência Internacional da ONU, a COP 27, que acontece no Egito e tem a participação de cientistas cearenses e da governadora do Estado, Izolda Cela.
Tarin Frota Mont’Alverne, professora de Direito Internacional do Meio Ambiente na UFC e Cientista do Clima da Sema/Funcap, participa da COP 27 e aponta a necessidade de uma transformação sustentável sistêmica por meio de políticas públicas.
“Que aproveitem a oportunidade para melhorar significativamente o bem-estar da sociedade cearense e do próprio planeta. E o estado já está protagonizando essa agenda com o Hidrogênio Verde e a energia eólica offshore”, detalha.
Menos chuva por mais tempo
O Ceará está, na maior parte, numa região semiárida onde a escassez de chuva é algo esperado, mas isso pode ser ampliado com as mudanças climáticas, como aponta Marcelo Soares.
“Dependendo da quantidade de emissões, o aumento da temperatura pode chegar até 4ºC em 80 anos. Essas regiões vão tender a aridez, algumas delas já estão nesse processo de desertificação”.
Isso acontece, por exemplo, no Sertão dos Inhamuns e na cidade de Itaiçaba, além de outros municípios cearenses com maior potencial de aridez. Com menos chuva, há prejuízo para a produção de frutas e verduras.
Esse impacto se soma ao desgaste da terra, que pode intensificar os prejuízos dos produtores de alimentos, como acrescenta Marcelo.
“Tem problema da questão do manejo do solo, que foi muito usado, que os animais acabaram destruindo ao longo do tempo na pecuária e agricultura, é um solo que já não tem mais vegetação nativa, da caatinga, por exemplo”.
Mais chuva em pouco tempo
Por mais que esteja distante dos nossos olhos, o aumento da temperatura global é sentido, principalmente, nos oceanos - onde as estimativas apontam absorção de 93% do excesso de calor. No Ceará, a média de temperatura varia entre 26ºC e 29ºC, mas esse índice vem subindo.
“No primeiro semestre de 2020 a gente teve 3 ondas de calor no mar, praticamente consecutivas. A temperatura estava 2ºC acima da média histórica e isso impacta na questão das chuvas”, contextualiza Marcelo.
Isso porque há um processo de evaporação concentrado e isso favorece os eventos extremos, que passam a acontecer com maior frequência. “O oceano controla as nossas chuvas no Nordeste e esse processo acontece de um modo mais intenso devido ao aquecimento”, completa.
Desregula o que é natural, por exemplo: vai continuar chovendo no mês de abril no Ceará, mas o que vai acontecer é a chuva de todo o mês poder cair em 3 ou 4 dias
Esse é um problema considerado gravíssimo porque resulta em enchentes e prejudica plantações. “A mudança climática desregula o sistema - ao longo de décadas nós tivemos uma regularidade, os próprios profetas do sertão indicavam quando começa e termina chover. O que a mudança climática faz é desregular o sistema”, completa.
Extinção dos corais
Nos últimos 50 anos houve aumento de 1ºC na temperatura do mar cearense, mas apesar de parecer pouco, o dado é preocupante à medida que representa um crescimento de 25% em relação à média de 4ºC.
Além disso, ondas de calor subiram a temperatura em 2ºC acima da média nos registros feitos em 2020 pelos pesquisadores. Isso não é bem recebido pelas espécies marinhas que estão adaptadas ao calor médio há milênios.
Os corais, por exemplo, que exercem uma função biológica de filtragem e alimento para animais marinhos, estão sob forte ameaça de extinção.
“Isso impacta a vida marinha, por exemplo, algumas espécies se reproduzem ou fazem migrações em momentos diferentes. Outras não aguentam essa temperatura, como é o caso dos corais, que vão ser as primeiras vítimas e devem se extinguir entre 40 e 50 anos”, frisa.
O que pode ser feito
O Ceará está numa posição intermediária em relação aos outros estados brasileiros na 19º posição em relação a emissão de gases poluentes, mas fazer o “dever de casa não é difícil”, como aponta Marcelo.
Caso medidas ambientais sejam implementadas, como alcançar o título de carbono neutro, o Estado pode se tornar atrativo para negócios que priorizam a sustentabilidade.
“Podemos controlar os nossos desmatamentos e queimadas, o que melhorou um pouco nos últimos anos, principalmente por ações ambientais e criação de unidades de conservação”, completa o especialista.
Além disso, a diminuição do uso de carros - com a priorização do transporte público e bicicletas - e a arborização das cidades pode reduzir esses índices.
“A gente ainda usa muita lenha nos processos industriais e nas casas, principalmente, no interior. É um problema duplo: desmata a caatinga, o que aumenta a desertificação, e emite mais carbono, deixando a área mais vulnerável às mudanças climáticas”, acrescenta.