Casos de câncer de cabeça e pescoço podem aumentar com a baixa cobertura vacinal contra HPV; entenda

A infecção pelo papilomavírus humano (HPV) é um fator de risco para o câncer de garganta. Vacinação e uso de preservativo durante o sexo oral são formas de se proteger

O Ceará está com a cobertura vacinal contra o Papilomavírus Humano (HPV) longe da meta de 80% do Ministério da Saúde (MS). Até julho de 2023, segundo a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), 52,2% das meninas tomaram a primeira dose da vacina e apenas 36,3% receberam a segunda dose. Entre os meninos, a adesão é ainda menor. No mesmo período, 37,7% deles tomou a primeira dose e 14,1%, a segunda.

Apesar de a relação entre o HPV e o câncer de colo de útero já ser conhecida, essa não é a única doença que ele pode causar — e da qual a vacina pode proteger. Atualmente, nos Estados Unidos, o câncer de garganta inclusive já é o mais comum entre aqueles relacionados à infecção pelo HPV.

Além disso, entre os cânceres de garganta, o mais comum já é o que está relacionado ao HPV, e não mais o causado pelo cigarro ou pelo álcool. É o que explica o médico Wellington Alves, cirurgião de cabeça e pescoço e professor do departamento de cirurgia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

"É lógico que existem vários outros cânceres de cabeça e pescoço com o cigarro e a bebida como principais fatores etiológicos, como o câncer de boca, o câncer de laringe, o câncer da parte mais baixa da faringe. Mas o câncer de garganta especificamente tem essa relação direta com HPV e hoje (esse) é o seu principal fator de risco", acrescenta o médico.

O HPV tem mais de 200 subtipos, e nem todos causam câncer. Dentre essas variantes, conforme o médico Rafael Cruz, oncologista clínico, das poucas que têm esse potencial carcinogênico, a variante com genótipo HPV 16 é a mais predominante quando se fala em tumores de cabeça e pescoço.

"O que sabemos é que tumores localizados na região da base da língua ou em estruturas próximas estão mais relacionados a infecção pelo HPV do que aos fatores de risco tradicionais: tabagismo, uso de tabaco sem fumaça, uso abusivo de álcool e má higiene oral", afirma o oncologista.

Como o HPV é sexualmente transmissível, o câncer causado pela infecção ocorre pela prática de sexo oral sem proteção. Pesquisa da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) de 2019 apontou que 59% da população não utiliza preservativo com objetivo de prevenir câncer e quase 30% desconhece a relação direta entre o uso e a redução do risco de desenvolver a doença.

Tratamentos

Quando estão relacionados à infecção pelo HPV, os cânceres de cabeça e pescoço estão geralmente situados na orofaringe (parte da garganta logo atrás da boca), pontua Rafael Cruz.

A doença pode atingir tanto os tabagistas quanto aquelas pessoas que não têm o hábito de fumar e tende a acometer mais homens do que mulheres. O diagnóstico é mais precoce quando comparado aos tumores relacionados as causas habituais de câncer de cabeça e pescoço.

"Devido à localização onde se desenvolvem, são tumores comumente diagnosticados em fases iniciais. O tratamento não difere do tratamento de tumores não relacionados ao HPV, porém, a identificação do HPV fornece ferramenta prognóstica, pois sabemos que são tumores que apresentam maiores taxas de sucesso terapêutico e cura", acrescenta o oncologista.

No geral, o tratamento do câncer de cabeça e pescoço é "multimodal e multiprofissional", acrescenta Wellington Alves. Estão envolvidos profissionais de radioterapia, oncologia, fonoaudiologia, psicologia e fisioterapia, por exemplo.

E a modalidade de tratamento depende do tipo de câncer. "Por exemplo, o câncer de garganta tem uma resposta muito boa à radioterapia e à quimioterapia. Já o câncer de boca responde melhor às técnicas cirúrgicas. Então, cada câncer precisa ser avaliado individualmente", pontua.

O oncologista dá boas notícias sobre as perspectivas de cura: quando detectado precocemente, há uma sobrevida acima de 80% dos pacientes. Porém, segundo Alves, mais de 70% das pessoas procuram um especialista quando a doença já está avançada.

"Existe cura sim para o câncer de cabeça e pescoço, mas depende da localização e do grau de envolvimento daquele tumor. Esse tumor já foi muito grande, já apresentar metástases importantes, se espalhou para outros órgãos, se ele já invade outras estruturas vitais, muitas vezes não é possível a gente tratar com o objetivo de cura. Mas sempre haverá a possibilidade de fazer um tratamento com o objetivo de controle, e isso é fundamental que os pacientes também entendam", complementa o médico.

O que é HPV?

HPV é um vírus transmitido por meio de relação sexual ou contato direto com pele ou mucosas infectadas e é responsável pela quase totalidade dos casos de câncer do colo do útero. O Papilomavírus Humano (HPV) também é causador de 90% dos casos de câncer anal e por 63% dos cânceres de pênis, além de parte de outros tipos de tumores, como os de garganta, vulva e vagina.

Prevenção

A médica pediatra Vanuza Chagas alerta que o HPV, nos diversos tipos, está relacionado a lesões precursoras de câncer tanto em mulheres quanto em homens — e que, por isso, é fundamental que ambos se vacinem.

"Os tipos do HPV estão associados a 99% dos cânceres de colo de útero em mulheres e 63% dos cânceres de pênis em homem. A principal forma de prevenção é a vacinação e a ida regular ao médico", pontua.

Vanuza aponta que a vacina Gardasil 9, que chegou ao Brasil neste ano, garante eficácia protetiva de até 90% contra os principais tipos virais causadores de câncer. A médica reforça que podem tomar a vacina homens e mulheres dos 9 aos 45 anos de idade.

Segundo explica Rafael Cruz, há três vacinas direcionadas a este ao HPV no mundo:

  • Bivalente: busca gerar imunidade a duas variantes que possuem maior potencial de ação para o desenvolvimento tumoral (HPV genótipo 16 e 18);
  • Quadrivalente: acrescenta os genótipos 6 e 11 aos alvos já cobertos pela bivalente;
  • Nonavalente: visa gerar um perfil de imunização para as 9 variantes mais comumente relacionadas ao desenvolvimento de enfermidades benignas e malignas.

Atualmente, no Sistema Único de Saúde (SUS), dispomos da vacina quadrivalente, porém existe a possibilidade de acesso a nonavalente no cenário privado.

Segundo o Ministério da Saúde, "pelo menos 12 tipos de HPV são considerados oncogênicos, apresentando maior risco ou probabilidade de provocar infecções persistentes e estar associados a lesões precursoras". 

"Dentre os HPV de alto risco oncogênico, os tipos 16 e 18 estão presentes em 70% dos casos de câncer do colo do útero. Já os HPV 6 e 11, encontrados em 90% dos condilomas genitais e papilomas laríngeos, são considerados não oncogênicos", destaca a Pasta.

A vacina contra o HPV está disponível no SUS para adolescentes de 9 a 14 anos e pessoas com situações específicas da saúde. Pessoas de até 45 anos podem obter a vacina em clínicas privadas de imunização, segundo autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).