Bom Jardim, Genibaú, Mucuripe: áreas de risco de Fortaleza entram em alerta com início das chuvas

Estimativa de associação é que 22 mil famílias vivam ameaçadas por desastres naturais

Fortes chuvas têm caído em Fortaleza antes mesmo do início oficial da quadra chuvosa, acendendo o alerta para moradores de áreas de risco: vivendo perto de canais e corpos d’água, eles temem alagamentos, deslizamentos e outros sinistros. A Prefeitura já desenvolve ações preventivas, mas os residentes temem que não dê tempo.

Sai ano, entra ano, a autônoma Alexsandra Castro monitora com atenção o nível de um dos braços do rio Maranguapinho, no bairro Granja Lisboa, no Grande Bom Jardim. Não é novidade que o curso d’água pode transbordar quando há enchentes, ameaçando a segurança da comunidade.

“A gente fica com medo porque tem muita criança pequena dentro de casa, tem o canal muito sujo que traz rato, aranha, muriçoca. A gente já não tem nada dentro de casa, e devido à enchente, o que tem, a água acaba. Nem consigo dormir direito com medo de acordar e estar dentro d’água”, relata.

A cabeleireira Brena Dantas tem uma preocupação extra: manter vivo o negócio do qual tira o sustento e que já foi destruído uma vez, quando a água invadiu o salão e danificou equipamentos eletrônicos, como pranchas e secadores. Precisou pegar um empréstimo no banco para adquirir tudo novamente.

Fora isso, a microempreendedora ainda precisa atrair a clientela em dias chuvosos. “Tem cliente que não consegue chegar ou não quer vir. Quem vai querer fazer unha e pisar na lama assim que sair? O movimento tá parado, muitas pessoas desmarcam”, lamenta, denunciando ainda as péssimas condições das ruas de terra batida.

“Não temos condição de pagar aluguel, o dinheiro mal dá pra comer”, complementa Alexsandra Castro. “Não temos pra onde ir. Temos que ficar, dentro d’água ou não”.

38%
foi o aumento de ocorrências atendidas pela Defesa Civil de Fortaleza comparando o 1º semestre de 2022 ao de 2021. O número cresceu de 916 para 1.272.

A situação na Granja Lisboa é acompanhada pela Federação de Entidades de Bairros e Favelas de Fortaleza (FBFF), que está fazendo visitas a diversas áreas de risco da cidade. A entidade estima que 22 mil famílias vivam em 89 regiões críticas, mesmo número que a Prefeitura apresenta há mais de 10 anos.

“Cada área tem uma característica diferente, mas o sofrimento é o mesmo”, afirma Ivan Batista, presidente da FBFF. “Fazemos o monitoramento antes do período chuvoso para alertar o poder público e evitar os acontecimentos”. 

Para essas localidades, ele defende:

  • a limpeza de canais, córregos e lagoas
  • monitoramento constante da Defesa Civil Municipal 
  • urbanização de áreas onde não há saneamento

“As pessoas moram em áreas de risco porque não têm condições de comprar um prédio na Aldeota. O objetivo do gestor do poder público é cuidar das pessoas mais vulneráveis”, defende Ivan.

Pontos diminuíram

No último dia 19 de janeiro, a Prefeitura de Fortaleza divulgou o Plano Integrado com as Ações para a Quadra Chuvosa 2023, elencando estratégias como o reforço na limpeza de recursos hídricos e serviços de drenagem, o monitoramento de pontos de alagamento e ações assistenciais.

Heraldo Pacheco, coordenador da Defesa Civil, ressalta que uma revisão técnica já avaliou que 24 das 89 antigas áreas de risco foram erradicadas na cidade. Ou seja, restariam 65, mas ele prometeu que a situação delas deve ser comunicada em breve.

“A Prefeitura tem um trabalho permanente na prevenção das áreas de risco. Estamos no início da quadra, mas fazemos de forma contínua. Já temos experiência com base nas ocorrências, então sabemos a quais pontos devemos dar atenção. Existe uma lista de prioridades, mas outras vão aparecendo e vamos dando conta”, comenta. 

Em 2022, de acordo com a Prefeitura, 140 canais e lagoas foram limpos e, 8.710 bocas de lobo, desobstruídas. Ao todo, 86,5 mil toneladas de resíduos foram removidas da rede de drenagem urbana e dos recursos hídricos - o suficiente para encher mais de 7 mil caminhões.

Além disso, ressalta que 411 ruas receberam sistema de drenagem, com galerias e bocas de lobo.

O coordenador orienta à população que não jogue lixo em cursos d’água para que a água possa correr livremente caso a chuva venha. Qualquer situação atípica pode ser informada pelo número 190.

Condições precárias

Na última semana, uma das áreas contempladas com limpeza foi a Comunidade do Capim, no bairro Genibaú, também afetada por cheias do Maranguapinho. Historicamente, as margens do manancial são tomadas de lixo, entulhos e material reciclável. Há mais de uma década, uma obra planeja urbanizar a área.

Outros corpos d’água limpos preventivamente, em 2022, estão os canais 3 de Junho e Jardim Violeta, no Barroso; do Lagamar, no São João do Tauape; do Aracapé, no Mondubim, e o sangradouro da Lagoa de Messejana.

Por outro lado, habitantes da comunidade do Saporé, no Mucuripe, ainda esperam alguma ação do poder público. Eles vivem às margens do riacho Maceió, cujo curso está quase todo canalizado e recebe diversas contaminações por esgotos e lixo doméstico. O local também foi visitado pela FBFF.

Para se ter uma ideia, muitas residências são construídas em estilo palafita, pois a água chega a mais de 1 metro de altura. Todo ano, o risco de alagamento se repete, ameaçando móveis e eletrodomésticos das casas.

Ações emergenciais

Se houver famílias desalojadas ou desabrigadas durante as enchentes, a Defesa Civil municipal poderá distribuir mantas, lonas, cestas básicas e outros itens. Equipamentos públicos, como a Rede Cuca, ficarão disponíveis para o acolhimento das famílias.

Pessoas atingidas também poderão ser encaminhadas a políticas como o aluguel social, abrigo solidário ou programa de locação social, se necessário.

Cuidadores e educadores sociais da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) farão o acompanhamento das famílias, além de ajudarem a distribuir alimentação.