Serial killers, vampiros, lobisomens e esqueletos amaldiçoados dominam as fantasias sobre o Halloween mundo afora. Porém, essas figuras “importadas” de outros países e culturas não fazem inveja às lendas de terror espalhadas popularmente no Ceará, ao longo de várias gerações.
Para Vânia Vasconcelos, pesquisadora da cultura popular e contadora de histórias, as lendas cearenses foram trazidas pelos colonizadores, mas recontadas e reorganizadas a partir do imaginário de pequenas comunidades, passado de boca em boca.
Ela avalia as histórias de terror como forma de disciplinar e ensinar conceitos morais a crianças e adolescentes, como ser obediente aos pais e não fazer coisas escondidas, utilizando o medo como forma de convencimento.
“Essas lendas eram guardadas e mantidas na memória de algumas localidades rurais, mas hoje estão disponíveis para qualquer pessoa. A importância disso é fazer com que o imaginário popular não fique esquecido na amnésia da história”, entende Vânia.
Neste Dia das Bruxas, o Diário do Nordeste traz três histórias de diferentes localidades do Ceará, que foram ilustradas pelo chargista e artista visual Thyagão a pedido da reportagem.
Em Fortaleza, a Bailarina Azul aparece de vez em quando para assustar alguém. O espírito do Goiabão ainda causa arrepios nos moradores de Missão Velha, no sul do Estado. Já na área serrana, ai de quem topar com o Amortalhado nos caminhos de Tianguá.
A Bailarina Azul
A lenda da Bailarina Azul se funde à história centenária do Teatro José de Alencar (TJA), no Centro, fundado em 1910. Contudo, não se sabe bem quando e como a história surgiu ou de onde veio.
O que se conta é que, pelo palco e pelos corredores, ronda o fantasma de uma bailarina. Detalhe: mesmo translúcida, se percebe que ela está sempre vestida de azul.
Com seus cabelos longos, ela segue realizando suas piruetas e passos de balé. A lenda conta que ela não desaparece sem antes dizer, num sussurro: “Eu preciso ensaiar”.
Há alguns anos, a então diretora do TJA, Selma Santiago, contou um causo ao Diário do Nordeste.
Na festa de aniversário de 90 anos do local, um funcionário foi convidado por uma bailarina para uma valsa. Ele aceitou, acreditando ser a artista convidada para encenar a bailarina-fantasma em uma apresentação, naquele dia.
“Horas depois, no fim da festa, percebeu que a artista não estava mais com a roupa de bailarina, mesmo assim se aproximou para se despedir e agradecer pela dança. Porém, a artista disse que não foi com ela e acrescentou que, logo após o espetáculo, ela rapidamente trocou a vestimenta e desceu para a festa no jardim”.
A história da bailarina também foi adaptada como romance no livro 'O fantasma da Bailarina', da escritora cearense Socorro Acioli.
O Goiabão
Da Capital para o Sul do Estado. Na cidade de Missão Velha, uma das principais lendas contadas entre os moradores é a do Goiabão.
Narra a história que o Ginásio Paroquial de Missão Velha (aberto na década de 1940) foi um colégio religioso e abrigava padres maristas e frades para estudos dos missionários. Um dia, um dos religiosos que ficavam lá morreu.
Conta-se que o espírito do homem retornava no avançar da noite para assustar as pessoas que passavam pelas ruas próximas ao Ginásio, mas de uma forma incomum.
“Ele ficava sentado no muro com uma perna dando para a rua Dom Bosco, numa esquina, e a outra para a esquina da rua Coronel José Dantas. Diziam que era um negócio horrível, estranho. Ninguém queria passar por debaixo das pernas do Goiabão”, conta o memorialista missão-velhense Bosco André.
Além do tamanho da “visagem”, o apelido de Goiabão surgiu porque, segundo a crendice dos moradores, ele aparecia no entorno do lugar onde morreu: debaixo de um pé de goiaba dentro do Colégio.
“Ele amedrontava a estudantada porque inclusive o colégio era um internato. Passaram muitas pessoas por ali e o Goiabão assombrou muita gente”, diz Bosco. “Contam que as mulheres dessa época tiveram muito sossego porque os maridos tinham medo de sair e ficar até tarde na rua”.
Porém, em anos mais recentes, a população afirma que o Goiabão não mais apareceu porque o pé de goiaba foi cortado. Hoje, o prédio abriga um segmento da Universidade Regional do Cariri (Urca).
O Amortalhado
Do sul para a serra da Ibiapaba. Em distritos de Tianguá e Ubajara, a lenda do Amortalhado causa arrepios há décadas.
Por lá, conta-se que um homem foi condenado por desobedecer e agredir os próprios pais, em várias ocasiões. Ao confessar seus pecados, recebeu uma penitência:
“Ele deveria visitar cemitérios levando um morto nas costas, durante sete noites de lua cheia, até pagar sua pena e descansar em paz. Mas só depois que morre é que ele começa a pagar”, revela Vânia Vasconcelos, que colheu diversos depoimentos da história.
O homem deve rezar um rosário em cada cemitério, e sua peregrinação geralmente começa à meia-noite.
Se ele se encontrar com alguém ou alguém zombar dele, nessas noites, ele retira o morto das costas e o joga sobre a pessoa, que a partir desse momento toma seu lugar como novo Amortalhado até cumprir a sentença.
Por causa desse temor, nessas localidades, muita gente evita sair de casa à noite, e quem sai tenta voltar antes da meia-noite com medo de vê-lo e de receber a maldição.
Além disso, os mais velhos contam que o Amortalhado não cumprimenta nem procura conversa com ninguém, à espera apenas do momento em que mexam com ele.
Segundo Vânia, há várias versões da história. Na opção mais branda, contada para crianças, o Amortalhado se veste todo de branco, deixando de lado o horror do cadáver.