Os sucessivos problemas na prestação do serviço da Enel Distribuição Ceará, concessionária responsável pelo fornecimento de energia no Estado, nos últimos anos, têm gerado inúmeros desdobramentos. Além das punições aplicadas por órgãos regulatórios e de defesa do consumidor, uma das ações mais recentes foi a instalação, em agosto de 2023, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Assembleia Legislativa, para investigar a conduta da Enel e avaliar o contrato de concessão pública.
Mas, apesar do cenário negativo, a quebra desse contrato, chamada formalmente de caducidade, é improvável. O Diário do Nordeste explica os motivos.
A declaração da caducidade de uma concessão de distribuição de energia no Brasil é uma medida extrema e para que ocorra a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), instituição ligada ao Governo Federal precisa, após um processo administrativo de investigação, comprovar que a empresa responsável não tem capacidade de cumprir com as obrigações da atividade previstas em normas da própria agência e também as expressas no contrato de concessão.
No Brasil, esses contratos são de competência do Governo Federal e têm duração de 30 anos. No caso da Enel Ceará, o contrato é de 1998 e vale até maio de 2028. Nesse processo, uma das maneiras da Aneel medir o desempenho das distribuidoras é por meio dos critérios de frequência (FEC) e duração (DEC) de contratos não fornecidos.
O Diário do Nordeste aborda essa semana, em uma série de matérias, a atual situação dos serviços prestados pela Enel, o que tem sido feito e o que é necessário fazer para garantir a melhora e, por fim, se a quebra do contrato com a concessionária é uma possibilidade concreta.
Na prática, o DEC e o FEC significam, respectivamente, o tempo médio no qual as unidades consumidoras permaneceram sem energia elétrica e a quantidade de interrupções sofridas, em média, pelas unidades consumidoras.
Nesse caso, apesar das queixas terem aumentado nos últimos anos, a Enel tem conseguido ficar abaixo dos limites estabelecidos. Logo, tem cumprido o que a Aneel determina. Esse é um dos pontos que ajuda a garantir a pouca probabilidade de quebra do contrato.
Outro fator é que, no Brasil, esse pedido de caducidade não é algo recorrente, sendo encarado, de fato, com uma medida extrema, conforme fontes ouvidas pelo Diário do Nordeste.
Questionada sobre quando essa caducidade é recomendada ao Governo Federal pela Aneel, o órgão indica que “caso verifique a ocorrência de falhas graves e irreversíveis”. Nesse caso, é preciso também que a concessionária não apresente nenhuma medida que possa gerar mudança nos registros negativos.
No caso da CPI, que desde agosto de 2023 investiga possíveis descumprimento do contrato de prestação de serviço por parte da companhia, parlamentares já fazem o balanço de uma série de empecilhos jurídicos dificultam ações punitivas mais enérgicas, como a quebra do contrato. A projeção é que os trabalhos da CPI sejam encerrados neste semestre e é provável que o efeito seja a Enel apresentar um plano concreto de melhorias no serviço prestado.
Medida extrema
O engenheiro elétrico e professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raphael Amaral, destaca que uma prestação de serviço com tantas queixas é reflexo da falta de investimentos da empresa no setor e da política adotada para desenvolver o negócio.
“A Enel pode estar mais interessada no mercado de geração de energias renováveis do que no mercado de distribuição. Algumas outras distribuidoras que foram adquiridas, por exemplo, em Goiás, ela já vendeu”.
Na avaliação de Rapahel, há uma morosidade na aplicação das multas, na cobrança e no pagamento e isso também gera o cenário negativo. As ações de fiscalização são feitas pela Aneel e também Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce), em ações complementares de controle e fiscalização.
De acordo com ele, na realidade brasileira, o rompimento de contratos com as empresas de distribuição de energia, precisam “ser baseada em atrocidades, grandes desastres para que se possa dizer que não foram cumpridas cláusulas de contrato. Esses contratos de distribuidoras de serviços públicos são feitos com dificuldade muito grande para que haja essa quebra”.
Além disso, há uma percepção de que a raridade das quebras de contrato têm relação com o “monopólio” no mercado das distribuidoras de energia no Brasil. O professor reforça que a condição “vai ao encontro dessa questão do monopólio no Brasil, principalmente para os consumidores residenciais que não têm poder de escolha”.
Em janeiro de 2024, lembra ele, para o grupo A, da alta tensão, entrou em vigor a medida de já poder escolher o fornecedor de energia, o chamado “mercado livre”. “Pode escolher comercializar do varejista ao invés de está comprando da Enel”, completa.
Já o grupo B, a baixa tensão, com consumidores residenciais, rurais, pequenas indústrias, “não tem a opção de escolha como temos na telefonia móvel, na internet, por exemplo”. Logo, quem está insatisfeito não pode automaticamente fazer a escolha por mudar de concessionária.
Há casos de caducidade dos contratos de energia no Brasil?
No Brasil, as inúmeras dificuldades da distribuidora de energia Enel São Paulo, sobretudo, após fortes chuvas que atingiram a área de concessão em novembro de 2023 motivaram cobranças pelo processo de caducidade da concessão. A Prefeitura de São Paulo chegou a cogitar a solicitação ao Governo Federal.
Mas a cassação do contrato da distribuidora, como já mencionado, se aplica apenas a casos muito extremos, em que a agência reguladora Aneel constate problemas graves e recorrentes e insustentabilidade econômico-financeira da concessão.
No cenário mais recente, Aneel decidiu, em novembro de 2023, encaminhar ao Ministério de Minas e Energia a recomendação da caducidade do contrato de concessão celebrado Amazonas Energia S.A.. Isso porque a distribuidora que queria transferir o societário da para a Green Energy Soluções em Energia, não comprovou a capacidade técnica e econômico-financeira do proponente para assumir a concessão de distribuição.
A Amazonas Energia foi autuada pela Aneel em setembro de 2022, devido ao descumprimento de cláusulas contratuais referentes à capacidade de gerir os recursos financeiros e de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Cabe ao Governo Federal decidir pela quebra do contato ou não. Até a decisão, a obrigação pela prestação do serviço segue com a Amazonas Energia S.A.
Substituição da Enel no Ceará
Em 2022, a Enel anunciou a intenção de venda da sua unidade no Ceará. Em fevereiro, o governador Elmano de Freitas chegou a dizer que , naquela altura, sabia que havia tido avanço das negociações sobre a saída da Enel do Ceará e a chegada de uma nova concessionária de energia.
Mas, em novembro de 2023, a venda da Enel Ceará foi revista. Os acionistas controladores da Enel decidiram suspender temporariamente a análise e prospecção para potencial venda.
No decorrer desse processo, conforme noticiado pelo Diário do Nordeste duas distribuidoras de energia a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), controlada pela chinesa State Grid Brazil Power Participações S.A. (SGBP), e a Neoenergia, disputavam a compra da Enel Ceará.
Em entrevista do Diário do Nordeste, a presidente da Enel no Ceará, Márcia Sandra, questionada sobre os planos de saída e o recuo, declarou no final de janeiro que: “a Enel recentemente disse que fica no Ceará. Esse é um ponto muito importante. Nós, prestadores de serviço, estamos trabalhando para melhorar a qualidade de serviço”.