27,2% dos quilombolas do CE convivem com condições precárias de saneamento básico, mostra Censo 2022

Esse cenário é mais crítico entre a população que vive em territórios quilombolas oficialmente delimitados

Mais de 6,5 mil quilombolas do Ceará convivem com condições precárias de saneamento básico. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), isso quer dizer que 27,2% de todos os quilombolas do Estado vivem em domicílios onde foi declarada a ausência de infraestrutura adequada de abastecimento de água, destinação do esgoto e coleta de lixo, simultaneamente.

Para essa classificação, o Instituto observou três aspectos que aproximam, minimamente, os quesitos investigados pelo Censo Demográfico 2022 e o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). Esse documento, elaborado pelo Governo Federal, estabelece os critérios de referência para caracterizar o acesso domiciliar ao saneamento básico.

 Os pontos considerados como precariedade pelo IBGE são:

  • Ausência de abastecimento de água canalizada até o domicílio proveniente de rede geral, poço, fonte, nascente ou mina;
  • Ausência de destinação do esgoto para rede geral, pluvial ou fossa séptica;
  • Ausência de coleta direta ou indireta por serviço de limpeza.

Os dados foram divulgados na última sexta-feira (19) e fazem parte do Censo Demográfico 2022, que conta com levantamento inédito sobre essa população do Brasil.

Os quilombolas são definidos pela legislação brasileira como grupos étnico-raciais autodeclarados, que têm ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida por essa população e mantêm relações territoriais específicas.

Comparado com o total da população residente no Ceará, a parcela dos quilombolas que vivem em domicílios que passam pelas três situações de precariedade é quase cinco vezes maior. Na totalidade dos cearenses, cerca de 482 mil pessoas vivem nessas condições. É o equivalente a 5,5% dos 8,7 milhões de habitantes do Estado — frente aos 27,2% dos quilombolas.

Esse cenário também é mais crítico entre quem vive em territórios quilombolas oficialmente delimitados. No Ceará, ao todo, são 4.608 quilombolas nesses locais. Destes, 1.637 (35,53%) convivem com essas três condições precárias ao mesmo tempo. O percentual encontrado no Estado é maior do que o do Nordeste (30,4%) e do Brasil (29,6%).

Considerando todos os estados brasileiros, o Ceará ocupa a 7ª posição no ranking da parcela da população quilombola que conjuga as três situações de maior precariedade de saneamento básico. No topo dessa lista está o Piauí (42,9%). Em seguida vêm Maranhão (40,5%) e Amazonas (37,7%).

No recorte da população quilombola residente em territórios demarcados, o Ceará fica em 8º lugar. Em primeiro, novamente, está o Piauí (66,9%), seguido por Goiás (50,9%) e Alagoas (49%).

Na sexta-feira, o IBGE também apresentou outros dados sobre a população quilombola. Um dos aspectos detalhados foi a alfabetização. Conforme o Censo 2022, o Ceará tem 26,4% da população quilombola com 15 anos ou mais sem saber ler ou escrever –  o 4º maior índice do País. Além disso, foram apresentadas as localidades onde essa população reside.

“A LUTA PELO TERRITÓRIO É A MÃE DE TODAS AS LUTAS”

A constante negação da existência dos povos quilombolas no Ceará, assim como um entendimento ultrapassado do que são as comunidades quilombolas, são fatores históricos relevantes para entender a realidade mostrada pelos dados do Censo Demográfico 2022, explica o doutorando em História e quilombola João Luís Joventino do Nascimento, o João do Cumbe. “Havendo a negação dessa população, praticamente nós não vamos ter políticas públicas voltadas para a demanda dos quilombolas”, afirma.

“O pensamento de parte da população cearense e dos governos ainda está associado ao quilombo histórico, à escravidão. Isso já foi superado há muito tempo. Hoje, os territórios quilombolas são espaço de reprodução social de práticas culturais ancestrais, de bem-viver e de cuidado com os sistemas ambientais presentes em cada território”, explica.

Além disso, ele destaca que o direito ao território, garantido pela Constituição Federal de 1988, é uma questão primordial para os povos quilombolas. No Ceará, o primeiro Título de Domínio (TD) de terras de remanescentes de quilombos foi entregue apenas em dezembro de 2023. Segundo o IBGE, há 138 comunidades quilombolas.

Há uma contradição muito grande quando cobramos políticas públicas para saúde, para educação, para moradia, para assistência social, se nós não temos o direito ao território garantindo. Para nós, a luta pelo território é a mãe de todas as lutas. (…) Até para essas políticas serem efetivadas dentro das nossas comunidades, se faz necessária a questão do documento da terra, e nós não temos.
João Luís Joventino do Nascimento (João do Cumbe)
Quilombola do Quilombo do Cumbe, em Aracati, e doutorando em História

João Luís critica a falta de atuação das gestões municipais, estaduais e federal quanto às demandas dos povos quilombolas. Além disso, ele alerta que os territórios quilombolas vêm sofrendo diversas ameaças devido à flexibilização dos direitos dessa população.

“(É necessário) que os governos municipal, estadual e federal priorizem nossas demandas, nos escutem, valorizem nossos conhecimentos, porque se isso não vier, nós ainda vamos passar 200, 300 anos para que essas questões apontadas pelo IBGE possam ser superadas”, defende.

Para ele, é necessário que os governos, nos diferentes níveis, pensem políticas públicas para essa população a partir dos dados divulgados pelo IBGE. “Antes havia uma desculpa de não saber da nossa existência, onde a gente estava, quantos somos. Agora não vai ter mais”, diz.