Visita ao Centro de Tradições Nordestinas, em São Paulo, é certeza de reencontro com as raízes

O espaço é aberto à religiosidade, ao forró, ao artesanato e à gastronomia típica do Nordeste brasileiro

Quando o caminho até o Centro de Tradições Nordestinas termina, encontro lar. Nas casinhas coloridas da Vila do Forró e nas manifestações artísticas que parecem ter saído do interior do Ceará, aqui citado por ser a minha referência direta como casa. A comida típica servida no local também imprime o gosto da minha terrinha e, nas mãos de gente de cá, vai ganhando tempero típico. É o que acontece, por exemplo, no Chapéu de Couro, um dos restaurantes no CTN, localizado no Bairro Limão, em São Paulo.

O anfitrião e proprietário do espaço, Vicente Nonato, é cheio de bom humor e, como se não fosse suficientemente chamativo, me aparece duplicado. Explico: há uma réplica de Vicente esculpida na entrada do restaurante, dando as boas-vindas a quem chega. "Eu e minha resenha", é como ele faz a apresentação mútua. Somadas às piadas rápidas, o sotaque entrega logo: é um conterrâneo que está ali. Cearense, nascido em Tauá, chegou à capital de São Paulo em 1974. Quando pergunto sobre a chegada, a resposta surpreende: "vim de jegue e deu 120km na estrada". O riso frouxo que sucede a disparada arremata a graça. "Brincadeira, eu vim de ônibus. Querendo encontrar uma vida melhor, ganhar dinheiro. Chegar no Ceará com a mala cheia de grana. Só que não cheguei até hoje. (Risos) Mas tô bem, graças a Deus".

Assim como a dele, muitas outras histórias servem de tecido para a trama que faz do Centro de Tradições Nordestinas lugar vivo. A cozinheira Nazaré Fontoura veio de Santo Antônio de Salto da Onça, no Rio Grande do Norte. "Cheguei aqui através de uma tia minha, que eu tinha aqui, porque o meu esposo mandou me buscar pra gente casar", lembra. Há 42 anos em São Paulo, ela se considera mais paulista que potiguar e não pensa em voltar à cidade natal, a não ser para passear. O trabalho aqui no centro de tradições ajuda, já que é atenuante para a saudade que pode vir a bater: "eu nem sinto tanta falta de lá porque convivo aqui. É muito bom, maravilhoso. Um pedacinho do Nordeste pra gente matar a saudade".

Paixão consolidada

Todo o universo que compõe o Centro de Tradições Nordestinas começou a surgir há 28 anos, do desejo de um paulistano que ansiava por acolher os migrantes nordestinos. "O José de Abreu é um empresário paulistano, dono de uma empresa da indústria metalúrgica e um apaixonado pelo Nordeste. Ele, após ler uma notícia que falava de São Paulo como 'uma cidade ingrata com seus imigrantes', fazendo referência à comunidade nordestina que sofria preconceito na época, decidiu alterar esse cenário, mudar essa história", conta Diego Antunes, assessor de imprensa do CTN.

Desse desejo, surgiu uma rádio denominada Atual. De acordo com a assessoria do CTN, a primeira emissora a tocar programação regional, chegando ao terceiro lugar na audiência da época. "A Rádio Atual virou também um ponto de encontro dos nordestinos. A gente tem relatos de nordestinos que chegavam a São Paulo e iam até a Rádio Atual pedindo apoio, suporte para, por exemplo, encontrar parentes aqui em São Paulo. Realmente se aglomeravam em frente à rádio", explica Diego.

Foi ao perceber que o projeto desempenhado "não era só um trabalho, mas uma missão" que José de Abreu começou a ocupar um espaço que na época era um grande terreno baldio para executar planos maiores. "Foi assim que se formou o complexo, como a gente define hoje, com restaurantes e palco para shows. Aos poucos, o CTN vai ganhando essa forma que ele tem. Então esse espaço gigante começou muito pequeno, no entorno da Rádio Atual, e ganhou toda a cidade de São Paulo", relembra Diego Antunes.

Muitas vertentes

Entre as dimensões abrigadas por este coração nordestino que pulsa em meio à selva de pedra de São Paulo, está a fé, disseminada aqui por meio da Capela Imaculada Conceição. Nela, onde acontece regularmente a celebração da missa, é possível apreciar, entre outras imagens, as reproduções de Padre Cícero e de Frei Damião. A devoção, no entanto, não se encerra no lugar sagrado. Por toda parte, é possível ver uma ou outra manifestação das crenças no eterno.

Outras vertentes que podem ser experienciadas no CTN são a cultural e a musical. Cabe muita coisa nesse lugar, que dá espaço para as principais festas do ano - como Carnaval e São João, por exemplo -, fazendo sempre a referência às formas celebradas no Nordeste, e também para shows de artistas consagrados no cenário nacional.

A culinária é outro ponto forte do espaço. "Nós temos a gastronomia, que é um dos pontos mais procurados. O CTN é conhecido em São Paulo pelo melhor baião de dois da cidade, diga-se de passagem", sorri Diego, lembrando que são 11 restaurantes e 12 quiosques trabalhando com a comida típica do Nordeste e que o trabalho social arremata as diversas funcionalidades do grande lar. "É uma outra frente de atividades que o CTN exerce. Temos entre 5 e 10 projetos funcionando ativamente. É uma outra missão que o Centro de Tradições Nordestinas abraçou entendendo seu papel para contribuir com o entorno do bairro do limão", conta.

E assim todo movimento que foi brotando ao redor da antiga Rádio Atual fez com que a vontade que José de Abreu teve, lá atrás, de acolher todo nordestino que chegasse a São Paulo, se tornasse uma bela realidade. Verdade que é colorida, vasta, múltipla e diversa, assim como o Nordeste o é.

Roteiro

Funcionamento

O Centro de Tradições Nordestinas está situado no Bairro do Limão, Rua Jacofer, 615, na capital paulista. Funciona diariamente a partir das 12h; de segunda a sexta-feira, até as 19h; sábados, até 5h, e domingos até 22h. A entrada é gratuita e os frequentadores do CTN podem conferir a programação no site ctn.Org.Br.

Festas

Nas sextas, sábados e domingos, o público pode se divertir com grandes shows de forró, arrocha, sertanejo, samba e diversos ritmos da música brasileira. Pelo palco do CTN já passaram artistas como Elba Ramalho, Ivete Sangalo, Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano, Aviões do Forró, Calypso, Jorge e Mateus, Wesley Safadão e Luan Santana. Os ingressos são disponibilizados pela internet e na bilheteria do CTN.

Religiosidade

Construída em 1989, a capela em homenagem ao Frei Damião simboliza a fé nordestina na cidade de São Paulo. O Centro conta ainda com um Memorial ao Frei e espaço de devoção ao cearense Padre Cícero.

Gastronomia

Iguarias como baião de dois, buchada de bode, escondidinho de carne seca e bobó de camarão são os pratos mais pedidos entre os frequentadores. Já no quesito sobremesa, é a tradicional cartola (banana frita com queijo coalho, açúcar e canela) que faz mais sucesso.