Vai viajar para São Paulo? Não deixe de visitar o Museu do Futebol, que reabriu com mais interação

Destaque a mulheres, combate ao racismo e presença de Ceará e Fortaleza estão entre as atrações do equipamento localizado no Estádio do Pacaembu, na capital paulista

A camisa usada por Pelé no primeiro tempo da final da Copa do Mundo de 1970. Hologramas de nomes como Formiga, Ronaldo Fenômeno e Rivaldo. O grito das torcidas de Ceará e Fortaleza projetado sob a arquibancada do Estádio Pacaembu. Motivos não faltam para viajar até São Paulo e conhecer as novas instalações do Museu do Futebol.

O equipamento reabriu as portas para o público na última sexta-feira (12) e o Verso foi convidado para conferir em primeira mão. As novidades são muitas, capazes de atrair tanto os amantes do esporte quanto quem não é lá muito chegado a ele. Isso porque o conceito está ligado a uma frase do escritor José Lins do Rego em um dos andares do prédio: “O conhecimento do Brasil passa pelo futebol”.

O próprio fato de a Literatura ganhar espaço em um museu desse segmento já pode ser encarado como diferencial. Fartura de linguagens artísticas – a exemplo de Artes Visuais, Cinema e Quadrinhos – apontam para um horizonte expandido de entendimento do que é o futebol. Mais que um estar com a bola no campo, a prática é Cultura.

“Na verdade, o brasileiro não gosta de futebol, mas dos times. De modo geral, queremos ver o troféu do time, os gols do time, a camisa do time. E quando criamos esse museu, há 16 anos, o primeiro grande desafio era fazê-lo pra quem quisesse conhecer o futebol de um jeito diferente”, explica Marcelo Duarte, um dos curadores da casa.

Dito e feito. Neste novo momento – após reforma iniciada em novembro do ano passado – houve licenciamento de mais de 1,5 mil imagens; criação, revisão e tradução de 136 novos textos; produção de mais de 60 vídeos; e aquisição de centenas de equipamentos eletrônicos. O investimento de R$15,8 milhões feito pela Secretaria da Cultura, Economia e Indústrias Criativas do Governo de São Paulo deve render boas experiências aos visitantes.

O “pulo do gato” é compreender que o Brasil mudou muito de 2008 – na ocasião da primeira inauguração – para cá. Não à toa, pautas ligadas à presença de mulheres no esporte, combate ao racismo e questões de inclusão enchem os olhos e a mente. “É pra ser um museu de emoção, de curiosidades e de histórias”, ressalta Marcelo.

Por que ver de perto o Museu

A importância de sair de casa para ver tudo isso de perto tem a ver com esse componente afetivo mencionado pelo curador. Se você está em solo cearense e acha que não faz diferença viajar para conhecer o local, pense duas vezes. A magia já começa pelo fato de a casa estar localizada em um estádio, o do Pacaembu e, logo na entrada, mostrar a que veio.

Intitulada “Grande Área”, a ampla sala inicial exibe o emblema de centenas de clubes futebolísticos brasileiros – entre eles, dos times Fortaleza e Ceará – e grande quantidade de itens, a exemplo de miniaturas, estandartes e retratos. Na sequência, o próprio Rei do Futebol dá as boas-vindas no primeiro andar com um acalorado vídeo em três idiomas.

No mesmo pavilhão, a sensação é de mergulho e proximidade. Para se ter uma ideia, a seção “Rádios” permite ouvir a narração original de partidas em diferentes décadas. Jorge Cury (1950), Édson Leite (1958) e José Silvério (1977) são alguns dos comentaristas. Outra beleza é ver a representação acessível da jogadora Marta em campo, bem como nutrir-se de informações no jogo interativo “Dança do Futebol”.

Entre o primeiro e o segundo andar, a grandiosidade fica por conta da “Exaltação” – em que, literalmente em alto e bom tom, é possível ver projeções de várias torcidas de times brasileiros sob a arquibancada do Pacaembu. Ali a pele arrepia e recorda-se a força descomunal da conexão proporcionada pelo futebol. 

A Sala Raízes, por sua vez, é uma das recentes aquisições do equipamento, com ênfase na celebração do caldo cultural tupiniquim formado sobretudo entre 1930 e 1950. Foi o tempo em que o Brasil olhou para si e surgiram valores da cultura do país – da pintura de Di Cavalcanti à prosa de Rachel de Queiroz, passando, claro, pelas peladas no meio da rua.

Entre outras joias, também estão a nova Sala Pelé; o Almanaque da Bola – em que é possível saber, dentre outras informações, qual foi a primeira torcida LGBTQIAPN+ do Brasil, e ver, em grande amplitude, a frase do jogador Vinícius Júnior após ser vítima de racismo em 2022; e a Sala das Origens, com mais destaque ao futebol feminino.

Para todos e todas

Curadora e diretora técnica do equipamento, Marília Bonas aprofunda detalhes sobre esta parte. Segundo ela, as mulheres nunca pararam de jogar futebol, mesmo quando foram proibidas por decreto, em 1941, instituído por Getúlio Vargas. “Por isso mesmo temos uma sala intitulada ‘Mulheres no Futebol’, com dribles diferentes delas”, diz.

De jantares beneficentes à presença de vedetes do teatro musical em campo, tudo era motivo para lotar estádios e provar que elas podiam e podem, sim, ocupar o gramado.

“Sempre foi uma maneira de burlar o estabelecido, algo que se seguiu até às jornalistas que começaram a cobrir futebol e à primeira árbitra brasileira”. Um movimento de pressão que, não sem motivo, resultará na primeira Copa do Mundo de Futebol Feminino, em 2027.

Resultará também em como as recentes e futuras gerações enxergarão alguns outrora ídolos do esporte. Em um dos telões no Museu, por exemplo, é possível ler e assistir: “Os ex-jogadores Daniel Alves e Robinho são presos na Espanha e no Brasil, respectivamente, após serem condenados por estupro na Europa”. A mensagem é clara: agora eles devem ser lembrados assim.

É a história do Brasil

Trata-se, portanto, de contar a História do Brasil iluminada pelos holofotes da bola em jogo. Além de uma visão pertinente, não deixa de ser inescapável. “Nosso país é habitado por essa paixão, e essa verdade não muda aqui no Museu”, situa Leonel Kaz, outro integrante da equipe curatorial do equipamento. “O que muda é o adensamento de algumas salas, fazendo com o que futebol se expanda em densidade e contemporaneidade”.

E completa: “Não é preciso entender e gostar de futebol pra reconhecer a grandiosidade dele frente à nossa identidade. Esse é um museu, portanto, que não trata do futebol, mas do nosso país – do que somos e do que amamos, dos Mamonas Assassinas ao ‘Central do Brasil’. O futebol que habita em cada um de nós propicia abertura para outros conhecimentos”.

A visita conta ainda com um Play Land – no qual é possível brincar de Jogo da Velha com a bola no pé – e a saudação final de Marta, agradecendo pela visita e convidando para um retorno o mais breve possível. 

Nesse sentido, é Marília Bonas quem arremata: “Nossa história afetiva é muito entremeada por lembranças e marcas do futebol – da decoração da rua no tempo de Copa à tia supersticiosa durante as partidas. Assim, mesmo não gostando ou acompanhando o esporte, aqui você se conecta com uma parte da gente enquanto ser humano e brasileiro. É quando reconhecemos o quanto o futebol faz parte de nós”.


Serviço
Museu do Futebol
De terça a domingo, das 9h às 18h (entrada permitida até as 17h), no Estádio do Pacaembu (SP). Ingressos: R$24 (inteira). Grátis para crianças de até 7 anos. Mais informações no site


*O repórter viajou a convite do Museu do Futebol