“Sou um sujeito de sorte”, Rodger Rogério repete duas vezes num intervalo de 40 minutos. Está contente em falar de si, embora passe ao largo de qualquer vaidade. Importa mais encarar a própria trajetória e pinçar instantes e pessoas que o fizeram chegar longe. A tarefa, embora desafiadora, é alegre. Rodger tem vocação para o encontro.
É assim que esse quase octogenário se achega para uma prosa leve e cantante sobre a vida, a música, o cinema e tudo o mais que se dispõe a fazer até hoje, quando vê as energias dobrarem de ânimo ao iniciar cada projeto. O mais recente tem data, local e horário: neste domingo (28), a partir das 18h, no Cineteatro São Luiz.
Trata-se do aniversário dele e de um evento que coroará o novo ciclo com desejo de vibração e continuidade. “Nunca esperei chegar a tanto, é muita caminhada nesses 80 anos”, diz o ícone, emocionado. Não é para menos. A noite reserva grandiosidades. O show no São Luiz integra série de atividades em celebração às várias voltas ao redor do sol.
Nele, além da reunião de boa parte da família no palco, haverá lançamento do disco em que interpreta canções de dois compositores conterrâneos: o irmão, Rogério Franco, e o poeta Alan Mendonça. Também estão no roteiro lançamento de singles do álbum do multiartista Gustavo Portela, dedicado a releituras de lados B e inéditas de Rodger; e show inédito com o parceiro Clodo Ferreira para novas apresentações de um show específico.
Intitulada “Futuro e Memória - Grandes Nomes da Música do Ceará”, a apresentação é fruto de um projeto de Rogério Franco e Dalwton Moura, com dois discos lançados e um espetáculo em que Rodger divide o tablado com Téti, Edmar Gonçalves, Kátia Freitas, Calé Alencar, Theresa Rachel, entre outros. Em resumo: muita coisa bonita e especial.
“O principal, para o show deste domingo, é o repertório. Tem tanta coisa que eu gostaria de colocar e não pode faltar… Estou nessa fase, e é a mais difícil, de desapego. Só penso nisso. Tenho planejado fazer uma espécie de homenagem aos parceiros, só que não vão caber todos. Então estou na cruel situação de escolher alguns. Cruel, mas muito prazerosa”.
Prazerosa porque supõe-se estar envolvido de gente. Além da frutífera estrutura familiar – Rodger é pai, avô e bisavô – o trajeto do artista é repleto de presenças. Foi o que o catapultou ao status de mestre da geração que se tornaria conhecida por “Pessoal do Ceará” – marcante na indústria fonográfica nacional, sobretudo no início dos anos 1970 – e abriu alas para outras ações e passos. Sementes certeiras de um legado sem igual.
Música como guia
Rodger lembra, com sorriso no rosto, da época em que lutou para aprender a ler. A intenção era ser rápido, a fim de acompanhar os cantores na velocidade em que entoavam as canções. “Eu treinava, estudava, me exercitava pra isso. Tinha seis anos”.
Quanto ao pendor para a música, não credita à raiz familiar – tinha apenas um casal de primos que tocava acordeon e um pouco de violão. Tem mais a ver com jeito, habilidade, predestinação talvez. “A música foi minha primeira paixão. Nunca fiz esforço, sou preguiçoso. Só lembro que estudava muito”.
Físico de formação, o artista sempre adorou estar entre números. Equações andavam lado a lado com partituras. E tudo era leve, com energia de brincadeira, do sossego que o artista carrega consigo. Tão logo enxergou uma vereda profissional, precisou imprimir seriedade ali – embora apenas aquela necessária para fechar contratos e se projetar. O encantamento da infância permanece até hoje, e é mais nítida quando encara o violão.
“É meu parceiro, minha extensão – se bem que tenho deixado ele muito em casa”, ri. “A música junta, agrega. Tocamos juntos, compomos juntos, o trabalho sempre foi se divertir”. Dito isto, rememora a parceria especial com Belchior. Na juventude, durante temporada em São Paulo, morou em frente ao apartamento do sobralense e gravou alguns programas com ele. Ao longo dos anos, canções foram surgindo desse enlace.
Uma delas será apresentada, em primeira mão, no show deste domingo no São Luiz, como um presente ao público. Ultrapassando os limites do palco, atualmente Rodger grava canções com o filho, Pedro Rogério, e se dedica à pré-produção de um disco de inéditas de autoria própria e de parceiros, incluindo três canções escritas com o eterno rapaz latino-americano.
Talento como farol
Não é justo falar de Rodger, porém, sem citar a outra bela fatia de habilidades alimentadas por ele. Além da música, o mestre adotou o Cinema como expressão. Para citar trabalhos mais recentes, integrou o elenco de “Bacurau”, “Greta” e “Pacarrete”, trio de longas lançados em 2019 cuja força reside em atuações feito a do cearense.
“Nunca imaginei fazer Cinema, era uma coisa tão distante… É uma artesania”, observa, ao mesmo tempo que recorda a importância do Cineteatro São Luiz nesse percurso audiovisual. “Minha adolescência foi no São Luiz. Nos primeiros anos, não passava uma semana sem ir. Peguei aquela época de ir arrumado, com paletó e gravata. A primeira vez que vi minha cara na tela, não parei de chorar, não consegui mais ver o filme. Foi muita emoção”.
Era “A Saga do Guerreiro Alumioso” (1993), obra de Rosemberg Cariry na qual Rodger interpreta o prefeito da cidade onde se passa a trama. “O Teatro, por outro lado, não me aceitou muito. Mas, ainda assim, tendo feito poucas peças, aquilo me ensinou muito. É só que é cruel fazer teatro em Fortaleza. Você passa seis meses ensaiando uma peça e, no terceiro dia, acaba a temporada”.
Rodger tece cada um desses comentários acompanhado da filha caçula, a fisioterapeuta Mayra Porto Rogério. Quem ainda não ganhou uma música do pai, mas acredita que ganhará. “A verdade é que eu me sinto agraciada por ter nascido nessa família. Só isso já é um privilégio”, brada. “Papai é muito fofinho – mamãe, inclusive, o chama assim”.
Entre conversas ao amanhecer até o modo como ternamente se olham, tudo vira poesia entre os dois. Não deixa de ser um recorte da forma como Rodger dialoga com quem chega perto: no compasso da calma, do frescor, para musicar a vida. “Essa tranquilidade é uma procura. Venho conseguindo. E ela vem desde bem jovem. Gosto de ser da paz”.
Enquanto partilhamos, o músico – grande homenageado no Festival Jazz & Blues deste ano – pausa a prosa e engata “Chão Sagrado”, “Ponta do Lápis” e “Palavras no Chão”, esta uma parceria com Fausto Nilo que ele pretende incluir no repertório do show. A voz sobe e o espírito se agiganta. Tem pequena fórmula para essa lucidez, mistério compartilhado.
“O segredo é fazer muita extravagância quando jovem. Ter muita história pra contar – e pra não contar também”, gargalha. Um sujeito de sorte.
Serviço
Show Rodger 80 Anos
Neste domingo (28), às 18h, no Cineteatro São Luiz (R. Major Facundo, 500 - Centro).
Ingressos neste link. Contato: (85) 3252-4138