Projeto de dança e teatro para pessoas com síndrome de Down promove autonomia e sociabilidade

Ao todo, 60 crianças, jovens e adultos participam da segunda edição do projeto “Arte de Incluir”. Em dezembro, como trabalho de conclusão do curso, alunos irão protagonizar espetáculo musical

É fim de tarde de uma sexta-feira. Assim como em diversos lugares da Cidade, a animação aumenta conforme o sol vai se pondo em uma escola de artes do Papicu. Aos poucos, um grupo de jovens adultos – e seus familiares – vai se formando e distribuindo risadas, conversas e abraços. Para muitos deles, o ponto alto do fim de semana está prestes a começar: é dia de ensaio para o espetáculo “Cidade da Harmonia”, projeto de conclusão da segunda edição do projeto “Arte de Incluir”, que será apresentado pela primeira vez em dezembro, no Teatro Brasil Tropical.

O projeto, que promove aulas de dança e teatro para pessoas com Síndrome de Down, é realizado pela Associação Fortaleza Down e tem apoio da Casa Sensi e do Espaço de Arte Rossana Pucci, onde ocorrem as aulas de quatro turmas, duas para crianças e adolescentes e duas voltadas para adultos. 

Segundo Alessandra Costa, vice-presidente da associação, em média 60 pessoas estão sendo contempladas nesta edição, e os benefícios vão muito além de um bom resultado no palco: as atividades artísticas têm papel fundamental na promoção da sociabilidade de pessoas com síndrome de Down, especialmente na idade adulta. 

“Enquanto eles estão na idade escolar, eles têm os amigos da escola, têm essa socialização. Quando termina a fase escolar – e alguns nem chegam a terminar o terceiro ano –, começa realmente a ter um distanciamento”, explica. 

A primeira edição do projeto ocorreu em um momento especialmente delicado: no fim de 2021, após dois longos anos de pandemia de Covid-19. Mesmo com máscaras de proteção e algumas outras restrições, as aulas significavam liberdade: a oportunidade de poder ver, abraçar e estar perto dos amigos. Sem máscaras, mas com a mesma empolgação, um novo grupo se encontra agora, até o fim do semestre, e se prepara para estrear no Teatro Brasil Tropical no fim do ano.

“Agora eles também têm essa experiência de estar junto. Muitas vezes, quando eles saem da aula, a gente vai para uma pizzaria, vai para um shopping, faz alguma atividade com eles”, destaca Alessandra. E as conexões criadas pela arte não se resumem às sextas-feiras. “O projeto fez com que eles voltassem a ter laços de amizade, aqui e fora daqui. Eles criaram um grupo de WhatsApp, a gente faz festas e todos eles participam, inclusive sem a família, porque a gente trabalha essa autonomia também”.

Apaixonada por canto e dança desde pequena, Lara Dias, 21 anos, é exemplo das possibilidades que a convivência com a arte traz. Participante do projeto pelo segundo ano, a jovem artista conta que dançar é seu grande sonho e que está ansiosa para o espetáculo. “Gosto de dançar, fazer exercícios e praticar para dançar bem. Está chegando o nosso evento e vamos arrasar”, afirma, sorridente. E completa: “Gosto [das aulas] porque tenho amigos que me amam aqui”.

Mãe de Lara, a comerciante Vanessa Dias fala com animação e orgulho da dedicação da filha à arte. “Ela ama, adora, não se vê sem um projeto desses. É o mundo dela”, destaca. Para ela, a filha se dá bem em todos os espaços, já que é sociável e faz amigos em todos os lugares. Ainda assim, Vanessa vê como essencial a convivência de Lara com outros jovens atendidos pelo projeto. 

“É muito importante, porque eles se identificam muito. A conversa é a mesma, a interação é a mesma, os namorinhos... Tem muitos casais, inclusive ela agora namora, foi pedida em namoro”, conta. Para quem é tímido, então, os benefícios são ainda maiores. Vanessa conta que, acompanhando a filha, via alunos que não falavam nem socializavam, e que hoje dançam, interpretam e têm diversos amigos. “Esse momento é muito importante para todos eles. Você vê avanços tremendos e é muito gratificante”.

Representatividade na arte

Ainda que estimular a convivência e a formação de vínculos seja parte essencial do “Arte de Incluir”, o principal objetivo da iniciativa é despertar o artista que existe em cada um dos alunos, ampliando seus interesses e potencialidades criativas. Durante e entre as aulas, os participantes do projeto são estimulados a estudar, praticar e conhecer mais sobre as artes cênicas.

Foi assim que Luís Roberto Studart Soares Neto, 24, se tornou produtor da segunda edição do projeto. Depois de atuar na primeira edição, que resultou no espetáculo “All Together Now”, o estudante de Cinema e Audiovisual decidiu que queria explorar outras funções no teatro na retomada do projeto. “Para mim o teatro é uma experiência maravilhosa, é sempre bom. A produção aqui vai ser maravilhosa, estilo Broadway, e quero que seja ainda melhor do que no ano passado”, declara.

Encantado pelos palcos desde que a mãe o levava para ver peças de teatro, hoje ele deseja se dedicar ao backstage: além da produção, sonha em ser roteirista de filmes, séries e novelas. E já tem sua grande meta profissional traçada: “Tenho muito interesse em chegar no topo do topo: quero chegar em Hollywood”.

O supervisor de marketing Victor Diniz, 34, é mais um aficionado pelas artes: é roteirista, dramaturgo, poeta e escritor. Mesmo com a rotina atribulada, ainda encontra tempo para outra grande paixão: atuar. O interesse pela dramaturgia surgiu ainda na infância, assistindo a novelas como Tropicaliente, Malhação e A Indomada

Ao falar sobre a importância do teatro em sua vida, o artista destaca que as lições aprendidas ali são valiosas, e por isso devem chegar a muitas outras pessoas. “O teatro é uma superação enorme, e, apesar de eu ser especial, eu sei que ele não é só para as pessoas que têm Down. O teatro é para qualquer pessoa. Recomendo para todo mundo”, conclui.

Um show para todos

Responsável pelas aulas de teatro do projeto, a professora Andréa Piol conta que a proposta das aulas é de "construção e educação de arte", motivo pelo qual o teatro musical foi a linguagem escolhida para ser trabalhada. “O teatro musical, por mais que tenha ali seus solistas, ele é permeado de coros, de ensembles, de corpo de baile, então é uma linguagem coletiva. Por isso a gente tem essa pincelada de um espetáculo de teatro musical”, explica.

Andréa destaca que a ideia de realizar um show como conclusão de curso visa mobilizar o grupo de alunos em torno de um mesmo objetivo. “Ter os adultos reunidos em uma rotina de frequência, de desenvolvimento de um projeto, de pensar esse projeto, de ter compromisso, responsabilidade é uma socialização muito para além do funcional, porque vai sendo funcional com outras camadas, que são artísticas”, explica.

Já o diretor artístico do show, o professor de dança e coreógrafo Cid Neto, ressalta que a história contada na peça foi pensada para aproximar o público das vivências de pessoas com síndrome de Down, promovendo sensibilização e conexão entre todos. “O musical irá contar um pouco da vida de cada um. Vai ser uma troca para que cada um que assista possa pensar ‘eu também já passei por isso’ e se identificar”, ressalta. 

Para mais informações sobre as aulas e o espetáculo “Cidade da Harmonia”, siga o perfil da Associação Fortaleza Down no Instagram.