O que as portas das casas têm a dizer? Cearense reflete sobre tema com exposição de mil fotos

Natural de Granja, artista Negro Sousa mergulhou na cultura e vivência de cinco Estados brasileiros a partir dos tipos, formas e histórias das portas

Retas, circulares, coloridas, novas, antigas. Elemento praticamente invisível na paisagem, as portas têm muito a dizer não apenas sobre quem mora nas casas, mas sobretudo a respeito dos lugares em que estão. Essa é a conclusão que Negro Sousa chega com “Pode entrar”, mostra disponível no perfil do cearense no instagram a partir desta sexta-feira (20).

No projeto, fica evidente a intenção do artista: expressar carinho com as cidades por onde passou tendo como mote algo que lhe interessou em 2018. “Minha relação com as portas começou ao perceber uma com detalhes geométricos talhados na madeira. Aquilo me prendeu por minutos até eu decidir colocar esses objetos à visão a cada vivência em outros Estados”.

São cinco contemplados na iniciativa: Ceará (Granja, Viçosa, Sobral, Canindé, Crato e Juazeiro), Maranhão (São Luís), Minas Gerais (Ouro Preto), Piauí (Parnaíba) e Pernambuco (Olinda). Diferentes entre si em aspectos macro, também exibem particularidades no quesito micro, algo comprovado na exposição por meio de mil fotografias.

O foco, dado o imperativo do título, é chamar você para entender culturas, costumes, arquiteturas e histórias por meio de um portal tão conhecido nosso, embora discreto. Portas capazes de manifestar um Brasil diverso e democrático em possibilidades. 

“Muitas trazem mensagens, detalhes, até algumas fotos ou santinhos. Isso afirma a presença e a intenção do ser humano em dizer: ‘Estou aqui! Também componho a cidade e deixo minha contribuição’”, diz Negro, feliz por entender que a pluralidade dos símbolos faz com que o conjunto apresentado no trabalho se torne sublime.

Foram 18 meses até a conclusão, fruto de ciência apurada de espaço e tempo. Negro – integrante da 11ª edição do Laboratório de Artes Visuais do Porto Iracema das Artes – enfatiza que cada lugar tem uma política de convivência, formas de expressão e habitantes, e tudo isso precisou ser respeitado e considerado nas etapas do projeto. 

“As surpresas sempre vinham com o final da captação. Eu colocava todas as portas em contato, num painel, e ali se conseguia ler um pouco da cidade. Isso me fazia inclusive voltar a certos espaços e procurar por sociais (rolês) pra ver se essa leitura do local ia ao encontro do comportamento da galera e, sim, era muito assertivo”.

O que elas têm a dizer?

A resposta, considerando aspectos sociais, culturais e estéticos, dialoga com o fato de a porta ser um produto afirmativo do humano em sua potência territorial. Conforme Negro, ela se configura como um limite entre o espaço de expressão pessoal – quando você considera o espaço posterior a ela – e a atuação coletiva, levando em conta o espaço que a antecede e onde há atuação desse ser em sociedade.

“Você percebe que o ser humano age de maneira instintiva quanto a marcar o próprio território. As portas não escapam desse conceito. Aprendi com o trabalho que cada porta é um agente indicativo de realidade. A partir desse objeto, temos a possibilidade de leitura do contexto ao qual aquelas pessoas estão inseridas”.

Experiências curiosas nesse sentido ocorreram em várias das cidades percorridas. Nelas, o artista teve a oportunidade de conhecer pelo menos uma história ou adentrar um recinto. Logo, as cidades selecionadas sempre iam ao encontro de uma pauta extra.

Em Ouro Preto, por exemplo, Negro Sousa estava cobrindo as festividades da Semana Santa; em São Luís, o São João. Com ele, sempre funcionou esse esquema compartilhado de apuração e essa comunhão de fazeres, proporcionando mais camadas de leitura das cidades.

No Estado natal – Negro é do município de Granja, a 332 quilômetros de Fortaleza – a conclusão é que o Ceará, de fato, é chão múltiplo e expressivo. Nas seis cidades captadas pela ação, nota-se nitidamente o sentimento e a energia de cada uma. Algumas são vibrantes, outras mais calmas; algumas com arquitetura mais moderna, outras mais barrocas.

“Isso confirma nossa pluralidade, logo, nossa democracia. Devo dizer que o cearense, por meio de suas portas, também afirma o ofício artístico, alguns com muita criatividade, o que me faz reconhecer a potência do nosso povo”.

Rever conexões

No fundo, o objetivo é mesmo convidar as pessoas a olhar novamente para as próprias cidades e tecer novas perspectivas a fim de rever essas conexões. Negro Sousa não fica atrás: ele mesmo precisou remodelar a relação com Granja, percebendo, nos limites do município, a riqueza e os desafios dele.


 
“A política cultural aqui se faz muito necessária porque a partir dela começamos a debater inclusive nosso pertencimento aos lugares e o que nos motiva a se sentir pertencentes a eles. Com a exposição, desejo que todos busquem as próprias afirmações em suas originalidades, sensação essa que, devido à ausência de uma política cultural eficaz em Granja, demorei tanto a reconhecer e trabalhar em mim”.

Negro, portanto, mira alto: com o maior volume de fotografias em uma exposição no país, o desejo é de evolução intelectual, retomada e empoderamento sobre os espaços. Não à toa, o desejo de que, para além da presença no meio virtual, a mostra também alcance o registro físico, com a magnitude que ela merece. “Sempre tem uma porta que se abre pra você, onde quer que você esteja. O sonho continua e tudo é possível”.

 

Serviço
Exposição “Pode entrar”
Disponível de forma permanente no perfil de Negro Sousa, no instagram