Motel em Beberibe aguça curiosidade por ter sido locação de filme cearense que foi para Cannes

"Motel Destino", dirigido por Karim Aïnouz, destaca paisagens e lugares do município cearense e estreia no Brasil nesta quinta-feira (22)

“Descubra o real cenário do filme. Venha conhecer o Sex Motel e viver sua própria história de sedução e mistério”. Foi assim que o estabelecimento no qual foi gravado o longa cearense “Motel Destino”, de Karim Aïnouz , convidou o público das redes sociais a conhecer melhor o local, que fica em Beberibe, a cerca de 79 km de Fortaleza. O filme estreia no Brasil nesta quinta-feira (22).

A situação depõe de forma direta sobre as vocações que o audiovisual e a cultura, em geral, têm para apresentar espaços, paisagens, cidades e Estados ao mundo — e o fato do filme cearense ter sido selecionado para o prestigiado Festival de Cannes, na França, e estar com estreia marcada em países como México, Argentina, Chile, Colômbia e Peru reforça esse poder.

Fechado por dois meses para as gravações

Essa história começou, oficialmente, em 3 de julho de 2023, quando Vanessa e Gilmar Almeida — casal de proprietários do Sex Motel, ela paulista e ele cearense —, publicaram também nas redes sociais um aviso à clientela do estabelecimento inaugurado em 2015:

"Caros amigos e clientes. Aviso importante!! Venho por meio deste avisar que o Sex Motel estará fechado por 2 meses para gravação de um filme com o diretor de cinema Karim Aïnouz, um cearense reconhecido internacionalmente"

Foi entre julho e setembro do ano passado que as gravações de “Motel Destino” ocorreram em Beberibe, com o Sex Motel como locação principal. “Tínhamos uma reserva para emergência e o dinheiro da locação ajudou também. Pois o motel fechou, mas as contas continuaram chegando”, brinca Vanessa.

O roteiro do filme — assinado por Wislan Esmeraldo, com Karim e Maurício Zacharias — acompanha um triângulo amoroso que ocorre no chamado Motel Destino entre um jovem em fuga (Iago Xavier) e o casal proprietário do local (Nataly Rocha e Fábio Assunção).

“Eu não acompanhei pois estava operada na época, mas meu esposo acompanhou mais de perto, olhando pelos bastidores algumas gravações”, ressalta.

Em busca do motel perfeito

Antes de tudo isso, porém, a equipe de produção precisava encontrar o local perfeito para se tornar a locação do filme.

A busca do espaço no qual se desenrolariam os trabalhos ficou a cargo de Luciana Vieira, produtora de locação e uma das diretoras assistentes do longa. O motel ideal deveria ser de beira de estrada, no litoral do Ceará e cumprir outros critérios necessários para a história.

“Tinha algumas características que a estrutura arquitetônica tinha que ter: que fosse um motel clássico, com entrada e saída de carro, (com) área interna interessante no sentido de (ter) um corredor amplo — tinha muitas cenas de corredor no roteiro — e, de preferência, que tivesse uma casinha adicional, um ‘puxadinho’, porque o personagem do Heraldo ficava hospedado numa casinha dos fundos”
Luciana Vieira

O encontro com o Sex Motel foi quase fruto do destino. “A princípio, Beberibe não era uma cidade que a gente tinha mapeado como possível para filmar, então não tinha feito pesquisa de moteis lá”, contextualiza Luciana.

Entre pesquisas na internet — seja em redes sociais ou no Google Maps — e in loco — quase sempre perguntando sobre moteis próximos em delegacias de polícia ou postos de gasolina nos municípios visitados no processo —, o estabelecimento foi sugerido a ela por um frentista na volta de uma viagem de Icapuí a Fortaleza, durante um feriado.

Arquitetura do local como diferencial

Vanessa, a proprietária, narra o outro lado da história, já quando o contato inicial entre motel e equipe foi estabelecido.

“Primeiro, recebi uma ligação da Luciana e, depois, eu e meu esposo Gilmar Almeida recebemos a visita de Janaina (Bernardes, produtora) e do Maurício (Zacharias, roteirista). Eles amaram o espaço por ser amplo e ter um terreno na parte de trás”, partilha.

“O primeiro fator que levou à escolha do Sex Motel era a arquitetura dele”, corrobora Luciana. “Em comparação a outros, ele era mais amplo, com quartos mais amplos, corredor mais largo, pé direito alto”, destaca. 

Adaptações mútuas entre motel e filme

Apesar de ter as características requeridas para a produção — como o corredor amplo, a entrada e saída de veículos e o “puxadinho” no terreno, por exemplo —, tanto o Sex Motel passou por adaptações para o filme, quanto o filme se adaptou ao local.

“Tudo conseguiu ser muito bem adaptado”, define Luciana. A principal mudança na estrutura, destaca a diretora assistente, foi na pintura do local. “As principais interferências da equipe no Sex Motel tem a ver com as cores. Ele era um motel com pouca cor, tinha muros brancos, alguns detalhes lilás, mas virou um motel muito colorido”, explica.

Na área externa, os muros foram pintados de laranja e rosa, cores fortes na paleta da produção, além da adição de revestimentos mais coloridos em alguns dos quartos. 

As modificações tanto “deram outro tom para o filme”, como avalia Luciana, quanto foram aprovados pela proprietária. “As modificações que eles fizeram no motel, e principalmente nas suítes, dando mais vida com cores, nós deixamos, não modificamos nada”, garante Vanessa. 

Uma das principais cenas da obra, ao som de "Pega o Guanabara" (interpretada por Wesley Safadão e Alanzim Coreano), foi gravada na Suíte Sex Master. Apesar de boatos sobre um eventual rebatismo de espaços para aproveitar a repercussão do longa — aventou-se até uma “Suíte Fábio Assunção” —, Vanessa afirma: “Não trocamos os nomes das suítes, pois como já estávamos no mercado há nove anos achamos melhor manter”. 

Já as adaptações da trama ocorridas para caber no espaço do Sex Motel, diz Luciana, acabaram enriquecendo a narrativa. “Tinha algumas cenas de cozinha, e a cozinha de lá era um pouco menor, então a gente adaptou para a área de lavanderia. Cenas que eram na recepção foram adaptadas para um pátio em frente”, exemplifica.

“Se a gente encontrava alguma dificuldade na proposta que o roteiro trazia, a gente adaptava já pensando em tempo real na cena e no espaço, em como a gente poderia fazer, e fomos muito bem sucedidos”, segue.

Beberibe e Sex Motel apresentados ao mundo

Em uma versão anterior do roteiro, “Motel Destino” teria outra paisagem. “A princípio, o filme tinha sido escrito para se passar no interior do Ceará numa área mais de sertão”, aponta Luciana.

O desejo de Karim em filmar no litoral, no entanto, redirecionou o percurso até Beberibe e o Sex Motel serem escolhidos como locais da produção. “Ao mesmo tempo que o motel estava na beira de estrada, ele era muito próximo à praia, então isso também foi sendo incorporado à narrativa”, explica ela.

A diretora assistente partilha que cenas foram deslocadas ou até criadas na hora para destacar a paisagem natural da região, que agrega falésias vermelhas e brancas, dunas e um mar ora azulado, ora esverdeado.

“Isso é resultado de uma visão muito inteligente de aproveitar uma beleza natural e uma riqueza que, inclusive, a gente associa ao que se chama no cinema de production value (valor de produção). Quando a gente tem paisagens interessantes, elas imprimem muito bem na imagem, marcam o filme, criam uma estética, reverberam”, explica.

Através do cinema, então, tanto Beberibe quanto o Sex Motel foram apresentados, inicialmente, no Festival de Cannes, onde o filme teve estreia mundial, marcando a primeira vez que uma produção cearense foi selecionada para o prestigiado evento. 

Na circulação pós-Cannes, “Motel Destino” passou pelo Festival de Gramado, teve a primeira pré-estreia no Brasil em Fortaleza, viajou por outras cidades do País em exibições especiais, entra em cartaz em países da América Latina nos próximos meses e segue em negociação para outros territórios. 

“Ponto turístico”

Segundo Vanessa, o público já tem demonstrado curiosidade em conhecer o estabelecimento como fruto do interesse pelo filme. “Várias pessoas me perguntam pelo Instagram”, diz. Questionada se espera que o Sex Motel vire “ponto turístico” de Beberibe, é taxativa: “Com certeza”.

A proprietária celebra a repercussão mundial da obra, tanto pelo viés do negócio, quanto pelo viés do cinema. “Acho muito importante que o Ceará e os atores desse estado, onde há tantos preconceitos, consigam mostrar que o povo cearense também é capaz”, ressalta.

“E, claro, espero que com a divulgação do filme pessoas de outros estados venham conhecer o Ceará, esse estado maravilhoso, e também venham conhecer o Sex Motel, onde tudo aconteceu”, convida.

Repercussão do Ceará no mundo

Como reforça Luciana, a escolha de ambientar um filme em um local específico tem “viés de mão dupla”, numa valorização mútua entre cidade e obra. 

“Tanto valoriza o espaço, porque ressalta os aspectos que aquela região já tem, como também valoriza o filme, porque à medida que a gente escolhe espaços interessantes, curiosos, bonitos, específicos e especiais, isso torna o filme mais rico esteticamente, mais curioso, mais interessante. Acaba repercutindo positivamente nas duas vias”
Luciana Vieira

A consequência, segue a diretora assistente, é também uma repercussão positiva para o Ceará e o Brasil no mundo: “Mostra com muita propriedade a forma como nosso sol incide e banha nossas peles, como o nosso mar é tão azul ou esverdeado, como nossas falésias são imponentes, como os corpos se dispõem ali”

“Acaba tendo um papel muito significativo de apresentação e valorização do nosso espaço diante do mundo, de mostrar para o mundo que temos paisagens lindas e que contamos histórias muito interessantes nessas paisagens lindas”, sustenta.

Sex Motel

Motel Destino

  • Quando: estreia nesta quinta-feira (22)
  • Onde: sessões no Cinema do Dragão, Cineteatro São Luiz e nos shoppings Via Sul, Benfica, RioMar Fortaleza, RioMar Kennedy e North Shopping
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