‘Jejum de dopamina’ existe? Entenda prática que incentiva tempo de qualidade fora das redes sociais

Conceito tem funcionado como um estímulo para criar uma relação mais saudável com a internet

Se você costuma acessar páginas sobre comportamento e tecnologia, talvez já tenha se deparado com o termo jejum de dopamina, também conhecido como dieta de dopamina. O conceito, que originalmente se baseia na ideia de que abdicar de atividades que tragam a sensação de prazer pode ajudar a melhorar a produtividade, tem sido ressignificado como um meio de estimular as pessoas a repensarem a relação que têm com a internet, impulsionando o uso consciente das redes sociais. Mas será que esse “jejum” é realmente necessário?

Primeiramente, é preciso entender que o termo “jejum de dopamina” traz algumas contradições. Além da falta de evidências científicas que liguem a “dieta” de atividades que trazem prazer à maior produtividade, não é possível “controlar” a produção de dopamina, explica a nutricionista e pesquisadora Pabyle Flauzino.

“A dopamina é um neurotransmissor, responsável por fazer a comunicação entre os neurônios. Ela é responsável por algumas funções, mas principalmente por atuar no sistema de recompensa, marcando eventos que precisam ser repetidos ou evitados. Então, cientificamente, não daria para fazer um ‘jejum de dopamina’”, explica.

A dopamina é um neurotransmissor produzido naturalmente pelo corpo humano. Com diversas funções essenciais, ela é conhecida como a responsável por “liberar” sensações de prazer e bem-estar e está vinculada ao sistema de recompensa do cérebro, além de ajudar a regular o humor e a coordenação motora.

Um dos principais aspectos desse “método”, no entanto, pode ser um grande aliado para trazer bem-estar e qualidade de vida: o de passar determinados períodos offline, longe das telas e das redes sociais, em uma espécie de detox digital.

A própria Pabyle descobriu o termo “jejum de dopamina” quando decidiu dar uma pausa nas redes sociais, após perceber que o excesso de tempo online – fosse por trabalho ou lazer – estava prejudicando seu dia a dia de diversas maneiras, especialmente na concentração. “Fui substituindo atividades de lazer para ficar no celular, e mesmo quando eu saía eu continuava no celular”, relata a pesquisadora. 

“Minha memória estava mais prejudicada e eu passava horas do dia rolando os feeds das redes sociais. O fato de passar muito tempo consumindo e produzindo conteúdo foi me deixando muito ansiosa e estressada, e estes foram os sinais que me alertaram para começar a diminuir meu tempo e retomar outras atividades”, completa.

Para Pabyle, que também trabalha com produção de conteúdo, o tempo offline foi essencial para repensar a relação com os próprios gostos e interesses. Hoje, dedicando menos tempo ao digital, ela se sente menos ansiosa e mais presente nas atividades de lazer.

“Por muito tempo os meus comportamentos e vontades foram guiados pela necessidade de postar. Hoje, se vou a um local para comer, vou pelo sabor da comida, e não mais pelo ambiente ‘instagramável’. Mudar este aspecto foi como um ‘encontro’ com algo que eu havia perdido”, relata a nutricionista. “Me ajudou a encontrar um equilíbrio”, completa.

O equilíbrio, aliás, é a chave para que a tentativa de reduzir o tempo online não se transforme em um novo problema. Segundo a psicóloga Talita Queiroz, é preciso ter cuidado para que a tentativa de evitar o excesso de informações provenientes das redes sociais em prol de aproveitar momentos mais simples consigo e com os outros não se torne algo focado apenas em uma “superprodutividade”. 

“Acredito que para, além de uma forma de controlar o tempo online, estratégias que mostram a importância de cultivar atividades rotineiras de bem estar podem ser benéficas”, detalha. “Atividades que estimulem o autoconhecimento e a capacidade de lidar consigo, sem o intermédio de muitos estímulos, podem ser potentes formas de autocuidado”, completa. 

O afastamento das redes sociais por períodos determinados, dentro da rotina da pessoa, pode facilitar o funcionamento do seu estado de presença, possibilitando a organização e execução de tarefas, assim como a capacidade de vivenciar, de fato, os momentos à sua volta.”
Talita Queiroz
Psicóloga clínica

Algoritmos e falta de políticas de lazer impulsionam uso excessivo

A discussão sobre o tempo de qualidade offline tem sido mais frequente porque, de maneira geral, os algoritmos das redes sociais têm se tornado cada vez mais sofisticados, o que torna a dificuldade de manter a atenção nas atividades básicas e a comparação excessiva questões ainda mais frequentes na rotina de adolescentes e adultos.

“É uma discussão tardiamente importante, principalmente para nós, brasileiros. Estamos sempre no ‘top 3’ dos países que mais consomem redes sociais e que mais passam tempo online”, destaca Pabyle Flauzino.

Grande parte do problema, para a pesquisadora, consiste na forma como as redes sociais são pensadas pelas empresas de tecnologia. Afinal, não é à toa que likes, compartilhamentos e comentários nos trazem uma falsa sensação de bem-estar – uma “recarga” momentânea de dopamina. A ausência de políticas públicas também contribui para o uso excessivo de telas.

“Essas grandes plataformas precisam ser mais transparentes sobre os seus mecanismos de funcionamento”, afirma. “Assim como precisa existir alternativas coletivas para outras atividades serem implementadas fora do celular. Com certeza muitas pessoas deixariam de utilizar o celular como lazer se existisse uma infraestrutura pública segura para todos, como parques e praças”, completa.

Menu de dopamina: o que tem no seu?

Em meio a discussão sobre a necessidade de fazer um detox digital, usuários de redes sociais como TikTok e Instagram começaram a compartilhar com seus seguidores o que eles gostam de fazer quando estão desconectados. São os chamados dopamine menus, ou menus de dopamina – listas que ajudam a inserir hábitos “analógicos” na rotina de quem ainda tem dificuldade em encontrar hobbys e atividades de lazer offline.

Pabyle Flauzino explica que o menu nada mais é do que um “cardápio de atividades divididas entre ‘aperitivos’, ‘prato principal’ e sobremesa, cada uma delas composta por atividades de pequena, média e longa duração”. 

“As atividades que mais me ajudam são os ‘aperitivos’ e ‘pratos principais’, por demandarem cerca de 15 minutos e 40 minutos, respectivamente. Eu geralmente deixo livros, caça-palavras, lápis para desenhos, folhas em branco e um caderno para escrever pensamentos sempre disponíveis e perto de mim”, compartilha. 

“Além disso, me programo para fazer exercícios, preparar alguma refeição gostosa, arrumar aquele armário que está precisando faz tempo e até mesmo dormir ou descansar sem precisar fazer nada”, completa a nutricionista e produtora de conteúdo. O objetivo não é ser mais produtiva na hora de lazer, no entanto, pelo contrário: é reunir flexibilidade e leveza no tempo livre.

Mudança de hábitos e criação de vínculos

Assim como Pabyle, outros criadores de conteúdo têm utilizado o alcance online para influenciar seus seguidores a repensar o tempo gasto em atividades que trazem uma falsa ou momentânea sensação de bem-estar. É o caso de Lari Rodrigues, que além de influenciadora é escritora e fundadora da página Hábitos que Mudam.

Lari conta que, como trabalha com internet, muitas vezes se depara com a linha tênue entre tempo de pesquisa de referências e inspirações online e procrastinação. “Quando percebi, eu estava mais tempo [online] do que gostaria. Então, comecei a criar pequenos rituais matinais”, explica. 

Os “rituais” consistem em definir qual será a prioridade de cada momento do dia, especialmente pela manhã, momento em que Lari usa mais o celular. “É uma questão de insistência mesmo, de começar de forma gradual, sabe? Intercalar um hábito importante, com uma prática de autocuidado levinha, para que, aos poucos, você comece a sentir prazer também naquelas atividades que não são tão imediatas, mas que conseguem te fazer estar mais presente naquilo que importa”, destaca a criadora de conteúdo.

Além de atividades individuais mais intencionais, Lari ressalta a importância de criar comunidades – on e offline – para ajudar a lidar com a ansiedade proporcionada pela necessidade de estar presente em todos os lugares. 

“Esse assunto se popularizou muito nas redes sociais, porque é o lugar onde a gente cria conexão com outras pessoas, né? E é importante para nós, seres humanos, encontrar a nossa comunidade que também esteja sentindo os mesmos efeitos”, completa. 

“Em um contexto geral, está todo mundo se sentindo um pouco sobrecarregado pelo excesso de informação. E nas redes sociais, além da informação excessiva, também tem a questão da fantasia, do real com o lúdico, daquilo que a gente gostaria de viver e daquilo que é realmente”, pontua.

4 dicas para melhorar a relação com as redes sociais

Por Talita Queiroz, psicóloga clínica

1. Analisar quais necessidades o uso das redes podem estar suprindo. Não é incomum os excessos, em algum momento das nossas vidas, sinalizar necessidades que podem estar em aberto. Se o excesso são as conversas em demasia online, que tal combinar um encontro com esses amigos? O que as páginas que você segue tem sinalizado sobre você e a sua vida no momento?

2. Avaliar quais páginas fazem sentido e auxiliam de alguma forma, ou trazem comparação e mal estar;

3. Tirar as notificações do celular para que a busca pelos aplicativos seja ativa e não passiva, trazendo uma sensação de ansiedade por estar perdendo algo, ou sendo “bombardeados de informações”; 

4. Deixar os aparelhos eletrônicos em cômodos separados quando estiver com foco em outras atividades.