Você já viu ou ouviu falar sobre a presença de jacarés na Lagoa da Parangaba? Um dos espaços mais marcantes do bairro de Fortaleza, o local é palco de um livro infantil protagonizado pelo próprio animal, em companhia da amiga Garça e do amigo Soldadinho-do-Araripe.
Em “O Jacaré da Lagoa da Parangaba”, publicação com previsão de lançamento para o final de setembro, diferentes memórias, peculiaridades e características ambientais do território e entornos são exploradas a partir da experiência do trio.
Da importância histórica da região — onde foi instalada uma estação de trem no século XIX — às informações básicas sobre a lagoa — que é a maior em volume de água da Capital —, diferentes curiosidades sobre a Parangaba vão sendo partilhadas na narrativa.
O projeto foi contemplado pelo 3º Edital Cultura e Infância da Lei Paulo Gustavo, de apoio à cultura e arte, e é assinado pela educadora e fotógrafa Beatriz Almeida, a pesquisadora e artista Renata Cavalcante e o ilustrador José Wellington.
Memórias da Parangaba
Como Beatriz explica ao Verso, o projeto surge de uma relação pessoal dela com o território da Lagoa da Parangaba, bairro adjacente ao Autran Nunes, onde cresceu e ainda mora. “Sempre foi uma vivência ir à feira (da Parangaba), era caminho quando ia para a escola, para o trabalho. Ela sempre foi um local presente no meu cotidiano”, partilha.
Ainda na infância, porém, o local tinha um brilho a mais pelo que a hoje fotógrafa ouvia sobre o misterioso jacaré da Lagoa. “Meu pai falava histórias, quando criança eu achava que era só um, aí fui crescendo, comecei a pesquisar e vi que era uma espécie do local”, explica.
A pesquisa sobre a Parangaba foi se aprofundando e dando vazão à ideia de, já como educadora social e artista, concretizar um projeto voltado ao público infantil sobre o território.
“É um bairro que carrega em si muitas memórias de uma Fortaleza que já existiu e que hoje em dia se torna quase um local de passagem, mas ele é muito importante para a Cidade”
Personagens se inspiram na fauna cearense
Na narrativa do livro, cada personagem traz características arquetípicas que ligam a ficção à realidade. O Jacaré, por exemplo, é descrito como uma figura misteriosa, calada e observadora. “As pessoas têm medo dele, escutam histórias, mas ele é muito amável, amigo, não faz mal à população”, ressalta Beatriz.
Já a Garça, um dos animais presentes no território, é uma personagem intelectual. “Ela só anda em bando, está sempre sobrevoando a Lagoa e quer ser sabida, estar certa”, resume a autora.
Finalmente, o Soldadinho-do-Araripe faz referência à problemática da venda ilegal de pássaros. “Ele está em risco de extinção, é símbolo de Juazeiro. Na trama, é um personagem que foi capturado para ser vendido na feira e conseguiu escapar”, afirma. “Desde então, vive sobrevoando a feira, ouvindo fofocas e trazendo as informações para os amigos”, segue.
Além do trio de amigos, a narrativa conta com outra personagem importante, a narradora. É pelo ponto de vista de uma senhora moradora da Parangaba desvelando memórias de infância que a história é contada. Na forma, a inspiração vem da literatura de cordel, com rimas e ritmo dando o tom.
Ecologia e pertencimento
O que une o Jacaré, a Garça, o Soldadinho e a narradora na narrativa é um movimento em prol da preservação da Lagoa da Parangaba. Na trama, o corpo d’água sofre com a possibilidade de ser aterrado por uma decisão do poder público e, então, o quarteto se junta para impedir esse malfeito.
O mote, explica Beatriz, é ficcional, sem relação com qualquer projeto do tipo já ocorrido ou ainda previsto para o local. No entanto, a mensagem a favor da preservação do meio ambiente e da memória se inspira em demandas reais.
“É uma realidade das lagoas de Fortaleza, muitas delas vivem ameaçadas por aterramento, especulação imobiliária, destruição da natureza. A gente queria trabalhar a pauta ecológica, a memória, a preservação e valorização da fauna e da cidade com as crianças”, aponta.
“Fazer escrita com a Cidade”
O pertencimento ao bairro e à própria Fortaleza é bandeira primeira de “O Jacaré da Lagoa da Parangaba”. “Ver (a Cidade) como um local de aventura, onde acontecem fabulações, é muito importante, assim como se reconhecer nos personagens, na vivência deles, se ver”, sustenta Beatriz.
A autora, que foi membro do Laboratório de Artes e Micropolíticas Urbanas — ligado ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Ceará — defende a necessidade de “fazer escrita com a Cidade”.
No grupo, Beatriz lembra que se discutia “como o direito à cidade pode ser trabalhado com crianças, principalmente, de bairros periféricos”.
“É importante a criança poder se ver na história, como protagonista, com poder suficiente de salvar a Cidade, fazer parte dela, poder brincar, ter dignidade”, ressalta. Por isso, a intenção de Beatriz não é parar na Parangaba.
“Por mim, eu fazia um box de todas as lagoas e também locais que têm valor afetivo muito grande pra mim”, brinca, citando praias como do Serviluz e da Leste Oeste e também a região do Rio Maranguapinho, da qual é vizinha.
Durante a pesquisa e construção da narrativa de “O Jacaré da Lagoa da Parangaba”, inclusive, Beatriz se deparou com a história da cobra Isaura. Convidada pelo amigo e professor de História da Prefeitura David Felício para partilhar o processo com alunos de uma escola pública do bairro Floresta.
No local, próximo à Lagoa do Urubu, os alunos falaram para ela sobre a história da serpente gigante que viveria lá. “Parecia muito com a história do jacaré, assim como ele era uma lenda para mim”, relaciona.
“Cada local tem a sua história, seja a de um surfista da Leste Oeste, seja a da cobra Isaura da Lagoa do Floresta. É uma cartografia onde você consegue fabular e criar essa ligação com espaços da cidade”
Lançamento
A semente inicial do projeto sobre a Lagoa da Parangaba surgiu ainda em 2018, a partir de parceria de Beatriz com o ilustrador José Wellington, também professor de artes na rede pública de ensino.
A concretização de “O Jacaré da Lagoa da Parangaba” veio, então, com a possibilidade de apoio via edital da Lei Paulo Gustavo, já com a presença de Renata como coautora. A publicação está em fase de finalização e será impressa nas próximas semanas.
A previsão de lançamento será em um evento especial que irá ocupar a Biblioteca Pública Cristina Poeta, que fica no Autran Nunes. A programação irá incluir distribuição do livro para as crianças, sarau, contação de história e oficina de aquarela com o ilustrador do projeto. Detalhes do evento devem ser divulgados na página do Instagram do projeto.
Acompanhe o projeto
- Instagram: @jacaredaparangaba