Os atores Edivaldo Batista, Flávia Cavalcante e Marina Brizeno alinharam o poder de dramatização do teatro às dinâmicas de ritos dos cultos da umbanda, dentre outras referências das religiões de matriz africana. Da fusão, nasceu "Nò", espetáculo que entra em cartaz a partir desta quarta (10), e segue em temporada no Teatro do Centro Dragão do Mar (Praia de Iracema) nos próximos dias 17, 24 e 31 de julho.
"Nò" foi gestado no ano passado, quando o trio de atores imergiu no universo da religiosidade afro, por meio de leituras, visitas a terreiros e rodas de conversa com adeptos dos cultos. A pesquisa cavou várias referências de corpo, rituais e mitos, seja do simbolismo originário das religiões, seja do resultado do sincretismo entre elas e a experiência religiosa do Ocidente (predominantemente católica e protestante).
O processo foi norteado por três linhas de investigação. A "Festa" envolve a construção de um corpo brincante. O "Rito" mobiliza os materiais encontrados no processo ritualístico do Candomblé, da Umbanda e da Macumba. E, por fim, o "Mito" compreende a natureza narrativa das entidades evocadas pelos cultos (a exemplo dos orixás, pretos velhos e caboclos).
A tríade fundamenta a criação de um "terreiro-cênico". Os atores enfatizam que o espetáculo mantém a fidelidade com o princípio do teatro ao encenar (e não "reproduzir") transes e incorporações de entidades. Visualmente, no entanto, o público deve encontrar um cenário afinado ao que compõe o espaço de terreiros e de outros pontos ritualísticos: o altar, a comida, a bebida, a vela.
"Nò" começou a ser preparado em janeiro de 2018. O processo envolveu a sala de treinamento, leituras, visitas, conversas, organização de roteiro, pesquisa musical e figurino. No início deste ano, o trio abriu os ensaios para a apreciação de amigos e convidados; até promover a estreia da peça no último mês de março.
Edivaldo, Flávia e Marina dividem a concepção, atuação e direção. Ele reforça que o grupo "não incorpora e nem entra em transe dentro do espetáculo. Lidamos com elementos possíveis que pertencem ao culto aberto, que as pessoas presenciam nas festas, em visitas. Ou seja, não lidamos, em cena, com os elementos que fundamentam o rito religioso, porque os fundamentos pertencem ao mistério do rito", observa o ator.
Apelos
Ele compartilha que o trio esteve em casas de umbanda, por exemplo, investigando quais "camadas" poderiam possibilitar a composição de cena. Edivaldo revela que "Nò" tem um apelo de memória.
"Nossas mães rezavam em nossas cabeças, nos davam chás para cura, nos banhavam com ervas para tirar mau olhado. Iam às rezadeiras, curandeiras, que moravam próximas e curavam as pessoas", conta.
O espetáculo olha para a questão da intolerância religiosa e, para Edivaldo, seu "poder" de desconstruir preconceitos está na força da própria obra.
"Diretamente, ela não aborda a questão. Mas lança luz a esses lugares, ao direito de livre culto, às políticas públicas, que devem compreender os ritos religiosos como patrimônio imaterial", coloca o ator.
"Portanto, (essas manifestações) devem ser preservadas, e protegidas para que não sejam alvo de violências e venham a ser lançadas cada vez mais ao esquecimento", complementa.
Serviço
Nò
O espetáculo teatral acontece nesta quarta (10), às 19h, no Teatro do Centro Dragão do Mar (Rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema). A temporada segue em cartaz nos dias 17, 24 e 31 de julho. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Contato: (85) 3488.8600