Quando o projeto I Wanna Be Tour foi anunciado, no início deste mês, com bandas como Simple Plan, All Time Low, The Used e All-American Rejects na programação, os millennials mal puderam acreditar. O festival, feito nos moldes dos estadunidenses Warped Tour e When We Were Young reúne, em uma só turnê, shows de algumas das bandas de emocore e pop punk mais famosas dos anos 2000 em cinco capitais brasileiras (incluindo Recife, a única nordestina).
Com a procura intensa por ingressos e o burburinho que tomou conta das redes sociais, o evento veio para confirmar uma tendência que já vinha sendo observada nos últimos quatro anos: seja na música ou no estilo, o emo está de volta.
Não é que a vertente, que surgiu entre os anos 80 e 90 nos EUA e alcançou o auge global nos anos 2000, tenha sumido de vez. Mesmo quando o indie rock foi substituindo o gênero aos poucos nas paradas musicais, programas de entretenimento e playlists em meados dos anos 2010 – afinal, os adolescentes que curtiam o emotional hardcore estavam crescendo e começavam a ter outros interesses –, boa parte dos fãs seguia fiel às bandas nacionais e internacionais que foram símbolo do gênero, como Fresno, NX Zero, My Chemical Romance e Paramore.
Recentemente, muitas dessas bandas realizaram shows comemorativos de álbuns que fizeram sucesso na época, como a Fresno, ou retornaram para turnês de despedida, como o NX Zero, que trouxe o show “Cedo ou Tarde” para Fortaleza no último mês de agosto.
Além disso, durante a última década, várias festas e até blocos de carnaval revivem com alguma frequência os grandes sucessos do gênero em diversos lugares do País.
O Brasil foi um dos países em que o emo mais ganhou espaço, considerando rankings de vendas, shows e promoção televisiva.
Reinvenção do movimento emo
Depois da pandemia, com o aquecimento do mercado de eventos, outras bandas anunciaram seus comebacks e turnês comemorativas, a exemplo da Hevo84, que fará show em Fortaleza em janeiro do ano que vem. Artistas que não eram necessariamente ligados ao emo, mas cativaram muitos fãs da mesma geração, como a banda Cine, também prometem retorno aos palcos.
Mas se engana quem pensa que o retorno do gênero está apenas ligado à nostalgia: muitos profissionais do mercado musical acreditam que, assim como outros ritmos, o emocore tem se reinventado, sendo redescoberto pela Geração Z e incorporado a novas sonoridades.
O músico Maurílio Fernandes, vocalista das bandas Switch Stance e Rocca Vegas e produtor de eventos de rock no Ceará desde 1999, lembra que o próprio emo foi um movimento “indicador de várias transmutações”.
“O emo tem um pezinho no gótico, numa coisa mais mórbida, na solidão, mas tem algumas coisas mais alegres também. Todo mundo dessa geração passou um pouco por essa fase, e isso mostra que a coisa pode ser oscilante, pode-se passear o estilo por algumas tendências e transformações”, destaca.
Para o produtor, há sim uma nova chama do movimento, mas os artistas não têm se prendido mais aos rótulos da época, como o vestuário e o foco nos mesmos instrumentos. Apesar de entender que nos próximos dois anos as turnês de retorno e festivais com bandas já clássicas do emocore seguirão fazendo sucesso, por haver um público fiel que hoje tem mais acesso aos eventos, Maurílio destaca que a fusão do emo com o trap já é uma realidade, e já pode ser considerada uma nova face do gênero.
“As grandes revoluções e movimentações vêm do jovem. É isso que a gente tá vivendo no trap, o que o emo era na época: o sentimento do jovem de hoje”, comenta. Para ele, muitos dos artistas do trap que fizeram sucesso nos últimos anos mostram aproximações com o emo, como Lil Peep e Yungblud, representantes do chamado “emo rap” ou “emo pop”.
“A linguagem é parecida com a do punk rock, do pop punk, chega a ser uma evolução do emo. É uma forma de captar novos fãs”, completa. Nomes como Machine Gun Kelly, Willow, KennyHoopla, Meet Me At the Altar, Day Limns e até cantoras pop como Demi Lovato e Olivia Rodrigo são outros artistas de destaque que têm se conectado ao emocore em seus trabalhos mais recentes – compondo uma cena de new emo muito mais diversa, aliás, do que no auge do estilo musical.
Túnel do tempo: a geração emo em Fortaleza
Nos anos 2000, à medida em que o emocore ganhava destaque em telejornais, programas de entretenimento e comunidades brasileiras em redes sociais, o gênero foi se fortalecendo também no Ceará, por meio de shows e ocupação de espaços públicos de convivência.
Em Fortaleza, o ponto mais famoso era a Praça Portugal, que reunia não só emos, mas também otakus, metaleiros, góticos e diversos outros grupos urbanos, especialmente entre 2007 e 2011.
A pracinha do North Shopping e a Praça Verde do Dragão do Mar (assim como os arredores do centro cultural) também sediaram diversos encontros, especialmente aos sábados – dia mais aguardado por dezenas de adolescentes de toda a Capital, que muitas vezes atravessavam a cidade com suas vestes pretas, acessórios de rebite e maquiagem carregada para ouvir música, conversar e trocar indicações de bandas.
O músico e produtor Alexandre Marx, 31, era um dos frequentadores assíduos de encontros e shows voltados para esse público. Começou a frequentar eventos que considera formadores de sua identidade musical aos 14 anos – especialmente os gratuitos, que ocorriam nas praças da Cidade – e não parou mais.
Pelo contrário: frequentando shows locais, percebeu que queria fazer parte do movimento de outra maneira, e acabou formando a própria banda, que cantava covers de diversas bandas emo e pop punk da época, como Fresno, NX Zero, Green Day e Blink-182.
Não demoraria muito para Alê, como era conhecido, começar a fazer seus próprios eventos de rock. Muito sociável, batia na porta dos bares e perguntava se os donos tinham interesse em receber novas bandas. A ideia era levar outros grupos para se juntar à banda Leven, seu projeto musical, e assim conseguir mais público para todos. Como cada banda levava seu grupo de amigos e fãs, as casas de show também se beneficiavam da estratégia.
“O The Pub e a Bronx Party House foram dois locais super importantes nessa época, porque abriram as portas para as bandas que estavam começando – inclusive não só do estilo emo, porque era muito misturado. Era emo, reggae, indie, tudo”, conta.
A “mistura” era a característica da chamada “geração emo” de Fortaleza. Entre meados dos anos 2000 e o início dos anos 2010, período de ápice dos shows e eventos do gênero, bandas de hardcore, screamo, punk rock e outras vertentes do rock eram, muitas vezes, categorizadas como emo mesmo que seu estilo musical outro. Muitos músicos, inclusive, faziam questão de se afastar do rótulo – ainda que, muitas vezes, tocassem para o mesmo público das bandas emo “raiz”.
Isso porque o preconceito contra o emocore foi uma marca considerável do auge do gênero, fosse por divergências musicais ou mesmo por homofobia. Em uma cena muito masculina, músicos que utilizavam roupas, acessórios e cortes de cabelo ditos “femininos” ou falavam sobre sentimentos em suas canções eram considerados “menores” por vários grupos, fazendo muito mais sucesso – e sentido – para adolescentes que já se sentiam outsiders.
“O que saltava muito aos olhos na época era o visual. A gente fazia o que podia: fazia o cabelo, pintava com violeta genciana, colocava piercings, alargadores, aí se sentia pertencendo”, lembra Alê.
“Era tipo ‘pronto, faço parte de um grupo agora, finalmente pertenço a um lugar’. Se você reparar, as pessoas que gostavam de emo não eram populares, eram o ‘patinho feio’. Aí quando pegava aquele tipo de música, conversava muito com esses sentimentos”.
Atualmente, Alê segue produzindo suas próprias canções com o projeto Xandú, que explora temas mais leves, como a saudade que sente de morar perto do mar - há dez anos, o artista mora em São Paulo, e nem sempre consegue vir a Fortaleza. Mas além de seguir escutando as músicas que marcaram sua história, garante: em breve lançará um EP com músicas que resgatam sua trajetória no emo, inspirado pelos novos momentos que o gênero vive.
Bandas autorais movimentavam cena da Capital
Ainda que bandas de alcance nacional e grupos internacionais fossem os preferidos de muitos jovens, bandas locais também tiveram destaque no ápice do movimento emo no Ceará. Estimulados pela música que conheciam pela televisão e pelas primeiras plataformas de música online, muitos adolescentes e jovens começaram a compor suas próprias canções e formar um público fiel.
A Panda foi um desses projetos, e, como muitos outros, surgiu de forma despretensiosa: do encontro de amigos de escola que gostavam de tocar e ouvir rock. O músico Flávio Nascimento, 32, ex-guitarrista da banda, conta que, influenciados por bandas nacionais, como a Fresno, os integrantes começaram a escrever canções próprias.
No tempo livre, o grupo se reunia também na Praça Portugal, em encontros organizados no Orkut e no Fotolog. Quando as músicas começaram a sair, quem frequentava esses eventos começou a comparecer também aos shows. “O público era fiel e quase todo formado por amigos da gente que nos acompanhavam desde a Praça Portugal. Mas também tínhamos haters, né, porque a galera na época não gostava de emos”, explica Flávio.
E não, eles não se importavam com o rótulo, diferentemente de muitas bandas da época. “Éramos emos, com certeza. Os três com uma ‘franjona’ na cara, usando lápis de olho, calça skinny, Vans, blusa preta. A gente falava nas entrelinhas, mas tava na cara”, brinca.
No fim, a banda durou pouco – cerca de dois anos –, mas gerou frutos que perduram até hoje: juntos, os músicos que fizeram a Panda há mais de uma década criaram o Projeto Rivera, banda que une rock alternativo e Música Popular Brasileira.
“Demorou um tempo pra gente montar a Rivera, mas a gente sentiu falta. Tínhamos acostumado a estar juntos, tocar juntos. Hoje, continuamos no Projeto, mesmo distantes geograficamente. Cada um tem seu trabalho individual, mas seguimos. Temos mais de 15 músicas para lançar em breve”.
Outros caminhos possíveis
Nem todos que fizeram história no emo cearense continuam atuando na música. Os integrantes da banda Olhos de Sofia, citada por diversos produtores, músicos e frequentadores de eventos da época como o maior expoente do emocore no Ceará, preferiram seguir por outros caminhos.
Ex-guitarrista e um dos fundadores da banda, o diretor de Cinema e Audiovisual Anio Tales Carin conta que o grupo surgiu em um festival de colégio e “foi criando identidade com o tempo”. “O que entendíamos como diferencial naquela época era trazer um som americano e conseguir traduzir aquela energia para letras autorais e em português”, comenta.
Inspirados por bandas de post-hardcore e metalcore, os integrantes da Olhos de Sofia exploravam sentimentos como raiva e melancolia em suas músicas – e a intensidade do som os levou a grandes eventos do Estado, como Ceará Music e Ponto.CE, onde dividiram o palco com bandas de alcance internacional, como a banda de punk rock Bad Religion.
“No entanto, um espaço em Fortaleza que tinha um significado especial para nós era o Hey Ho Rock Bar e os arredores do Dragão do Mar”, ressalta Anio. “Tenho saudades do rock como um todo, das casas de shows, das pessoas vivendo a cidade através disso. Atualmente, sinto que o gênero se retraiu tanto que é raro ver uma banda de rock autoral surgindo”, completa.
A banda durou cerca de cinco anos: começou quando os músicos tinham 15 e terminou quando chegavam aos 20, quando a preocupação com a faculdade e a futura carreira profissional de cada foi ocupando mais espaço no dia a dia do grupo. Um retrato fiel do que ocorreu com muitos que escutavam e faziam música emo na época.
“Acredito que o fim aconteceu naturalmente, em um momento em que a cena já estava enfraquecendo”, conta Anio, que não vê o retorno do emocore com tanto otimismo. “A nostalgia é um sentimento muito bom, nos faz lembrar do passado. No entanto, acredito que quando chegar a hora do rock ressurgir, será em um estilo mais enraizado em sua origem, e não acredito que essa responsabilidade recaia sobre o Brasil”.