10 obras incríveis da Pinacoteca do Ceará para você conhecer a arte cearense

Assinados por artistas clássicos e contemporâneos, trabalhos ressaltam a importância do espaço em favorecer novas trocas com o fazer criativo

A Pinacoteca do Ceará não completou nem um mês de funcionamento, mas já é um dos lugares mais interessantes para conhecer no Estado. Diversidade de obras, cores, suportes e artistas fazem dela um manancial de descobertas e desbravamentos.

Selecionamos as 10 obras essenciais para você conferir quando estiver lá. Trata-se de um olhar particular de nossa equipe; logo, fique à vontade para escolher os seus trabalhos prediletos. Nessa travessia, contamos com o apoio de Ed Borges, arte-educadora da Pinacoteca. Ela nos tomou pela mão e deu detalhes preciosos sobre cada peça. Vamos lá?


“Caderno de viagem”, de Simone Barreto

Na exposição “Se Arar”, a obra “Caderno de viagem” é uma das preferidas do público. Pudera: é repleta de delicadeza e força. Por meio do bordado, a artista refaz o percurso pela estrada de ferro que atravessa municípios como Fortaleza, Quixadá, Baturité e Juazeiro do Norte. Os espectadores acompanham tudo girando uma manivela.

Na jornada, Simone aprofunda questões sobre o plantio de algodão no Ceará e como isso dialoga com a nossa própria história colonial – uma vez o algodão já ter sido uma das matérias-primas do Estado. E faz isso por meio de conversas com agricultores, cujas aspas estão bordadas no trabalho físico. Um cuidado manual e conceitual singulares.

Leonilson e Rodrigo Lopes

Entre um clássico moderno e um contemporâneo. Leonilson (1957-1993) e Rodrigo Lopes dividem o mesmo painel com obras que refletem sobre identidade e pertencimento, despertando atenção pelo capricho nos formatos e nos modos de dizer. Leonilson, por exemplo, com a obra “O navio”, fisga o olhar de quem passa por meio da utilização de cores primárias e pela consequente interação com o formato de embarcação.

Rodrigo Lopes, por sua vez, investe em bordados sobre fotografias analógicas e tecido para contar um pouco da própria história e da de tantas outras crianças que se veem rodeadas de falas discriminatórias. Ao tecer sobre um dos registros de infância a frase “Na minha casa você não entra vestido de mulher”, o artista ressignifica a memória sobre o ocorrido, deixando sobressair o verdadeiro olhar sobre si.

“Capim-santo”, de Terroristas Del Amor

Aqui o convite não é apenas à contemplação, mas ao diálogo com a própria ancestralidade. As artistas do coletivo Terroristas Del Amor, Dhiovana Barroso e Marissa Noana, estão na Pinacoteca com o belíssimo painel “Capim-santo”. Nele, o registro é das avós da dupla, retratadas no movimento de sentar na sala de casa e na calçada, juntamente a elementos da natureza. São raízes da própria família, geradoras de histórias e memórias.

Não à toa, é imperativo chegar mais perto, incorporando narrativas de populações negras inteiras – geralmente, ainda tão apagadas, infelizmente. Cada avó é como se estivesse na iminência de contar um conto ou um causo, beneficiadas pelo aroma de capim-santo que emerge da terra presente no trabalho. Hipnotizante e necessária.

“Esforço”, de Marcos Martins

Um dos maiores trabalhos expostos na Pinacoteca, “Esforço” é assinado por Marcos Martins. Maior no sentido literal, inclusive: vai do piso ao teto com graça e criatividade. Quem não se deixa conduzir por ele? Foi a primeira obra montada da exposição “Se Arar”, com grande ressonância na arquitetura e na reflexão da disposição dos corpos no espaço.

São 30 estacas de eucalipto suspendendo o teto. Os bastões, de cores escuras, remetem ao trabalho de pessoas negras – afinal, aquelas são árvores em outro estado de vida e sugerem uma aproximação entre o fato de sustentar o teto e as populações negras, que sustentam toda uma estrutura social. De igual modo, convoca o público a atravessar o mar de estacas sem medo, com vigor, fazendo dança entre as frestas. Resistência.

O túnel de Eduardo Frota

Chamar para o diálogo, para a coletividade: eis a tônica da obra de Eduardo Frota disposta quase no fim do primeiro pavilhão da “Se Arar”. Impossível de passar despercebida – dada a extensão, a cor e, sobretudo, a proposta do trabalho – a iniciativa do artista fortalezense é composta de madeira queimada e pertence ao Museu de Arte Contemporânea do Ceará.

Ela ganha sentido na medida em que existem duas pessoas na ponta, fazendo comunicação entre si – ideal, talvez, para contar um segredo. As crianças, principalmente, adoram. A espécie de túnel também reflete a reverberação do som como onda física. Diante do amplificador, você projeta a voz e, a partir das curvas, consegue fazer com que ela chegue ao outro lado. Divertido e inteligente.

“Agitrop”, de Aline Albuquerque

Placas e mais placas com dizeres que vão do afeto à insurgência. O mural “Agitrop”, de Aline Albuquerque, é outra das obras que convocam o público a chegar mais perto e se demorar. A construção do trabalho – nunca finalizado e, portanto, sempre aberto a novas camadas – remete ao ano de 2018, quando a artista, atravessada por questões políticas daquele momento, sobretudo a ascensão do bolsonarismo, começou a fazer placas e levá-las consigo.

Desde essa época, ela vai a cada uma das manifestações e continua fazendo os materiais, construindo o grande mural. Aline também convida pessoas a fazerem as próprias placas, integrando-as ao todo. Além dos já comentados dizeres, o projeto abre espaço para representações simbólicas, a exemplo do adinkra – um dos sistemas de escrita africano.

Autorretratos de Bandeira

Em “Amar se aprende amando” – exposição dedicada ao pintor e desenhista Antônio Bandeira (1922-1967) – o que se sobressai são os autorretratos do artista. A curadoria de Bitu Cassundé e Chico Porto valorizou essa proposta, apresentando outro lado do cearense, indo desde o processo de criação até efetivamente a apresentação do rosto dele.

Nesse movimento, o público entende Bandeira com a identidade de um homem que também se entende como negro. A partir dos autorretratos, abraçamos essa perspectiva e conferimos um olhar renovado sobre o pintor – não deixando que traços tão importantes sejam apagados da memória e da História.

Os galos de Aldemir Martins

Apaixonado pelo Nordeste, o artista plástico Aldemir Martins (1922-2006) pintou diferentes elementos da região, evocando geografias, tipos humanos e até animais. Alguns destes que se fazem mais presentes nessa poética são os galos, de diferentes cores, formatos e suportes. Na Pinacoteca, por exemplo, encontramos essa diversidade. 

As esculturas em metal e acrílico dessas aves tão queridas pelo ilustrador são posicionadas no ambiente de modo a conferir um brilho a mais. A mostra dedicada ao artista – “No Lápis da Vida Não Tem Borracha” –, notadamente de caráter intimista, atribui foco particular às obras, fascinando a quem as observa. 

“Uma coisa linda”, de Efrain Almeida

Em bronze e óleo, centenas de galos-campina ocupam um charmoso e singelo tablado, fazendo jus ao nome da obra. “Uma coisa linda”, de Efrain Almeida, é daqueles trabalhos que fisgam pela ternura. Presente na mostra “Negros na Piscina”, atrai sobretudo crianças pelo caráter lúdico – o que não impede que uma horda de adultos também pare para contemplar.

O projeto está presente logo no início da exposição, sob várias frases extraídas de trechos de música – estas pertencentes a outra obra, num interessante diálogo entre artistas e propostas. É para visitar e se arrebatar mesmo.

“Anastácia Livre”, de Yhuri Cruz

Ela ganhou repercussão sobretudo ao estampar a camisa da cantora e atriz Linn da Quebrada na casa do Big Brother Brasil 22. A partir de então, Anastácia Livre tem conquistado cada vez mais olhares e gerado reflexões e posicionamentos inadiáveis. O desenho faz parte da arte “Monumento à voz de Anastácia“, de Yhuri Cruz.

Além do reparo na imagem da histórica personagem – uma negra escravizada, vinda do Congo no século XVIII e condenada a usar uma mordaça pelo resto da vida por ter enfrentado um homem branco que tentou abusar sexualmente dela – o trabalho ainda inclui distribuição de santinhos de oração com a mesma imagem da camiseta. Potente e além.


Serviço
Pinacoteca do Ceará
Rua 24 de maio, S/N, Praça da Estação, Centro. Funcionamento: de quinta a sábado, das 12h às 20h (último acesso às 19h); aos domingos, de 10h às 18h (último acesso às 17h). Por conta do recesso de Ano Novo, nos dias 31 de dezembro e 1º de janeiro o equipamento não funcionará. Entrada gratuita. Mais informações pelo perfil do equipamento, no instagram, e pelo site.