Não parece ser nos Direitos Fundamentais (como o da liberdade de crença) ou mesmo na jurisprudência, que encontraremos as razões para, no sábado (3), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kássio Nunes Marques liberar celebrações religiosas com a presença de fiéis no momento em que as mortes por Covid-19 se contam aos milhares por dia.
A decisão, como estamos há tempos acostumados a ver no STF é, antes, de cunho político, e não jurídico. Isso porque seus pares definiram unanimemente, há um ano, que estados e municípios têm autonomia para determinar ações de isolamento social.
Nunes Marques ainda não estava no Supremo naquele momento. Ao tomar uma decisão individual contrariando a decisão do plenário, o ministro cria insegurança jurídica. E mais: cria a possibilidade de aumento dos contágios. Pois os templos via de regra são ambientes fechados.
Para complicar ainda mais a equação, nesta segunda-feira (5) o ministro Gilmar Mendes emitiu outra decisão monocrática, desta vez contrária à suspensão do decreto que proíbe missas e cultos no estado de São Paulo. O imbróglio, mais um criado no STF, deverá ser resolvido mais uma vez em plenário, em julgamento marcado para esta quarta-feira (7).
Decisão política
A decisão é política porque, tomada na véspera do Domingo de Páscoa, contraria o entendimento do colegiado e, na prática, afeta decisões que impuseram lockdowns por todo o País. É o Supremo mais uma vez sendo casuístico, e não finalístico. Atuando conforme o interesse do dia, e não de acordo com seu papel institucional.
Nesse contexto, alegar que se deve “reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual” parece mais um ato digno de um fariseu e não de um verdadeiro fiel às suas crenças.
Afinal, a fé verdadeira está em um espaço físico ou é certeza do que se espera e a prova de coisas que não se veem?
Estado laico não é Estado ateu
O fato é que sempre que decisões políticas são influenciadas por interesses de lideranças religiosas, via de regra com motivações seculares, lembra-se que o Estado é laico. Contudo, a característica de um Estado laico (a laicidade) implica a ideia de que governos não se regem por religião e nem assumem determinada denominação como oficial. Não significa que o Estado é ateu.
É fato que Brasil é um País com forte expressão de religiosidade.O próprio ministro Nunes Marques escreveu em sua decisão que, “segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mais de 80% dos brasileiros declararam-se cristãos no Censo de 2010”. E isso se reflete na moral, nos costumes e, por consequência, na vida em sociedade.
Deus na constituição x desejos mundanos
Cabe lembrar, inclusive, que o texto introdutório da Constituição Federal de 1988, chamando preâmbulo, embora sem força normativa, diz que ela foi promulgada “sob a proteção de Deus”, o que ressalta a religiosidade do povo brasileiro.
O problema, parafraseando o apóstolo Paulo, se dá quando aqueles que são chamados à liberdade usam da liberdade para dar ocasião a desejos mundanos.
Isso ocorre quando uma instituição eclesiástica, notadamente de corrente cristã evangélica, mobiliza seus fiéis em prol de um projeto de poder por meio da política.
Assim, decidir abrir igrejas contrariando decisões jurídicas estabelecidas, e no pior momento da pandemia, não parece ser a mensagem que os verdadeiros cristãos queriam transmitir na Páscoa, já que a data trata da ressureição de alguém que se esvaziou de seu poder divino, humilhando-se e sendo obediente até a morte para salvar os pecadores.