1,4 mil processos trabalhistas relacionados à Covid-19 foram abertos durante a pandemia no Ceará

Problemas relativos às rescisões de contratos trabalhistas e às mudanças legislativas criadas no cenário pandêmico foram os principais pontos das ações movidas no período

Apesar do atual controle da Covid-19 e do amplo retorno das atividades presenciais no Estado, diversos problemas econômicos atingiram a região no último ano, especialmente no âmbito das relações trabalhistas.

Segundo o Tribunal Regional do Trabalho do Ceará (TRT-CE), até o dia 13 de setembro, 1.449 novos processos trabalhistas relacionados ao coronavírus foram abertos durante o período da pandemia, que teve início da disseminação local em março de 2020.

De acordo com o juiz do trabalho Konrad Mota, estas ações envolvem, principalmente, adversidades relativas às rescisões de contratos trabalhistas e às mudanças legislativas criadas no cenário pandêmico. Desse modo, com o não cumprimento de alguma das partes, há conflitos que acabam gerando processos na conjuntura.

"A gente sabe que a pandemia provocou um isolamento, que trouxe consigo questões econômicas… muitas empresas fecharam, principalmente aquelas que não tinham capital de giro, e isso consequentemente provocou demissões e dificuldades de pagamentos das verbas, porque quando você demite um trabalhador existe ali uma série de direitos que precisam ser prestados”
Konrad Mota
Juiz do Trabalho

Além disso, houve alterações de algumas normas trabalhistas, como a suspensão de contratos de trabalho, a redução de jornadas, o teletrabalho e os acordos de compensação de bancos de horas, no intuito de preservar a manutenção dos postos de trabalho existentes.

No entanto, algumas empresas não conseguiram cumprir com os acordos estabelecidos. “Durante o período de redução de jornadas ou suspensão de contratos, por exemplo, os trabalhadores não poderiam ser demitidos até alguns meses após e algumas empresas não conseguiram segurar isso daí, o que gerou conflitos”, detalha Konrad.

De modo geral, o juiz do trabalho esclarece ainda que o aumento do desemprego na pandemia trouxe consequências em diversos âmbitos à população. “Não é só o desemprego em si, mas também a falta de perspectiva… o verdadeiro desalento”. 

“Muitas vezes, quando você está desempregado, você consegue um benefício de seguro-desemprego, um auxílio emergencial, mas quando isso passa você simplesmente não consegue se ocupar de jeito nenhum, então você acaba partindo pro mercado de informalidade”, continua o magistrado.

"A gente tem observado que as pessoas, que perderam os empregos formais, não conseguiram, nem durante o isolamento mais rígido, nem agora, retomar esses postos de trabalho formais”
Konrad Mota
Juiz do Trabalho

Conforme Mota, essa situação é algo que tem repercutido nos processos trabalhistas, “mas a gente ainda não tem como dizer como ou os impactos, porque ainda tá acontecendo agora, isso provavelmente vai ser detectado com maior clareza num futuro próximo”.

Retomada econômica e avanço da vacinação

Diante do avanço da vacinação contra a Covid-19, diversos trabalhadores estão ainda enfrentando problemas relacionados ao processo vacinal no ambiente de trabalho. Afinal, os funcionários podem faltar ao serviço para receber o imunizante? Os empregados podem recusar a vacinação?

A advogada e membro da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Vanessa Oliveira, esclarece que circunstâncias como essas são delicadas para os trabalhadores, especialmente durante a pandemia, visto que eles enfrentam o risco e o temor ligado ao desemprego.

Lei Nº 13.979

Entretanto, a ida dos empregados aos postos de vacinação é assegurada judicialmente pela lei Nº 13.979/2020, que garante às pessoas o direito de comparecer a esses locais “sem nenhum tipo de desconto ou constrangimento ao empregado”, explica Vanessa Oliveira.

"Não pode haver nenhum tipo de impeditivo ou obstáculo criado pelo empregador para que esse empregado possa comparecer aos postos de vacinação na data marcada, mas obviamente o trabalhador tem que comprovar que foi vacinado com aquele cartão de vacinação”
Vanessa Oliveira
Advogada

A advogada destaca ainda que, de forma teórica, o trabalhador não precisaria pedir autorização da empresa onde trabalha para ir se vacinar, “ele vai informar que naquela data ele terá que comparecer e ele vai entregar o comprovante”.

No entanto, a especialista explica que, na prática, pode acontecer de o patrão colocar algum empecilho ao funcionário. "Você quer se vacinar, mas tem um patrão que fala pra não ir na data prevista, pra ir só na repescagem, e que, se você for, vai ter que pagar horas. O trabalhador pode procurar um sindicato, buscando uma mediação com o patrão”.

"Só que na vida real é uma situação que fica delicada para o empregado, ainda mais na pandemia, porque ninguém tá podendo perder o emprego”
Vanessa Oliveira
Advogada

Neste contexto, segundo a Secretaria Processual da Coordenadoria de Primeiro Grau do Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE), o órgão não recebeu nenhum registro de denúncias trabalhistas sobre questões relacionadas à proibição ou a descontos salariais em razão da Campanha de Vacinação no ambiente de trabalho.

Recusa da vacina e demissão por justa causa

Além disso, a participante da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-CE destaca que, do lado oposto, os empregados podem sofrer danos trabalhistas caso recusem a imunização, exceto os que tenham “um atestado ou um documento que comprove que, de fato, não podem tomar”.

"Na pandemia que nós ainda estamos vivenciando, a vacinação é uma medida comunitária que se tornou não exatamente obrigatória... mas a saúde da coletividade prevalece diante de um direito individual de não querer tomar a vacina”
Vanessa Oliveira
Advogada

“Claro que todos nós temos as nossas reservas de pensamento e de posicionamento quanto à questão da saúde, mas se for um empregado que trabalhe com o contato ao público e que possa representar um meio de transmissão para com os clientes ou outros empregados, esse trabalhador pode ser até mesmo demitido por justa causa”, prossegue a advogada.

Conforme o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-CE), até esta segunda-feira (13), um total 1.447 novos processos entraram na Justiça do Trabalho do Ceará relacionados à pandemia, mas não há informações específicas sobre quantas dessas ações trabalhistas estariam envolvendo questões relativas à vacinação.

Em fevereiro, o Ministério Público do Trabalho determinou que funcionários que se recusarem a se imunizar contra a Covid-19 podem ser dispensados por justa causa das empresas. Segundo a instituição, a recusa individual e injustificada pode comprometer a saúde das demais pessoas.

Já em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia definido que a União, estados e municípios podem aplicar medidas restritivas para quem negar a vacinação.