Quadrilha planejava se passar por PF para resgatar presos

O grupo ainda se aliou a uma facção rival e pretendia utilizar a farda de agentes penitenciários para ingressar no presídio. MPCE denunciou 23 pessoas por ligação com ataques criminosos e com tramas de assassinatos de autoridades

Escrito por Messias Borges , messias.borges@svm.com.br
Legenda: Criminosos planejavam ingressar no CDP e resgatar detentos de duas facções criminosas
Foto: FOTO: REINALDO JORGE

Membros de uma facção criminosa cearense planejavam se aliar a uma facção carioca rival e se passar por policiais federais e por agentes penitenciários, para resgatar detentos de um presídio da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O plano ousado foi descoberto em uma investigação da Polícia Federal (PF), que culminou na denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) a 23 pessoas. O documento foi obtido pelo Sistema Verdes Mares.

O principal alvo da denúncia é Ednal Braz da Silva, o 'Siciliano', apontado como um líder da facção cearense. A partir do cumprimento do mandado de prisão contra ele - que já estava detido em uma unidade prisional, em Pernambuco - e da apreensão de um celular que estava em sua posse, no dia 26 de setembro do ano passado, os investigadores chegaram a planos de resgate de detentos, de ataques criminosos e até de assassinatos de autoridades do Estado.

Os crimes eram tramados por mensagens privadas ou em grupos do aplicativo Whats App - que foram extraídas através de autorização judicial. Conforme a denúncia do MPCE, no dia 11 de setembro de 2019, 'Siciliano' sugeriu o resgate de presos do Centro de Detenção Provisória (CDP), em Itaitinga, a Francinélio Oliveira e Silva, o 'Irmão Arqueiro': "Vão tudo como (policial) Federal e como agente (penitenciário) e com ofício de transferência... Depois vou pegar a lista e lhe mando ok... Já compramos os carros e mandamos envelopar (adesivar)".

No dia 14 seguinte, o próprio 'Siciliano' ponderou que a quadrilha tem poucos armamentos e estava com dificuldades financeiras: "Tem isso aí ñ (não) viu, de nossa parte só tem dois ou 3 fura (fuzil) e o restante é 12 (escopeta), macaca (metralhadora) e pistola. Eles aí (da facção carioca) tão bem mais preparado que nós. Os meninos pediram pra nós comprar uma .50 (fuzil) mas nós ñ (não) temos esse dinheiro ñ, a ñ ser se o Bola (alcunha de Felipe Bruno Nunes Pereira) possa patrocinar".

Outra conversa revela que o plano é mais antigo. Em 18 de agosto do ano passado, 'Siciliano' fala para 'Bola': "A outra caminhonete fica pronta amanhã, no máximo terça-feira chega aí... Sim, tá tudo no jeito e o outro pessoal (facção carioca) q (que) vai cm nós (conosco) tá interado tbm... Assim que envelopar o último carro, vou fazer um grupo pra organizar e finalizar o projeto pra nós ir (irmos) pra cima. As ferramentas ta tudo ai né?".

No dia 30 daquele mês, 'Bola' promete: "Ok mano (irmão) eu estou atrás aqui pra arranjar esses calibres. Eu vou dar uma força. Vou tirar do meu bolso mesmo aqui pra mim comprar ouviu.....Pode deixar que eu compro...Do meu bolso".

Apesar da aliança com rivais da disputa pelo tráfico de drogas, a facção local não se sentia segura em colocar o plano em prática, segundo a investigação. No dia 10 de setembro do ano passado, 'Siciliano' precisou replicar aos comparsas uma mensagem de outro líder do grupo criminoso, Francisco Tiago Alves do Nascimento, o 'Tiago Magão'.

"O T mandou isso: 'Fazer por onde fazer uma reunião com os caras do Flamengo (referindo-se à facção carioca), para ambos se sentirem confiantes, pq (porque) essa insegurança só afeta a nós. Se dediquem ao máximo pra fazer essa reunião, acabei de falar com o Fernando bombado e é respeito acima de respeito. Fazer de tudo para ser domingo!'", compartilhou.

Aliança

O contato de 'Siciliano' na organização criminosa rival era Cíntia Bastos de Sousa, a 'Ruiva'. No dia 25 de julho do ano passado, eles já conversavam sobre o plano de resgate. "Você não vai querer os emblemas, que já está lá na mão do pessoal é 500 reais lá, pra dá, é o I5, da frente e das costas, se você for querer, você diz, porque se não vou passar pra outra pessoa, pros meninos que vão... Também... Precisar...", questiona a mulher.

"Deixa as camisas sair que aí pego tudo junto ok", responde o homem. "Acho que é porque ele só falou em 500, e eu disse que era 5 de frente e 5 das costas.. E é do GAPE (referindo-se ao GAP, Grupo de Atendimento Penitenciário), ainda é melho (melhor) ainda", reforça 'Ruiva'.

Ataques

Entretanto, o plano de resgate não passou de conversas pelo WhatsApp. Em setembro do ano passado, a revolta da facção cearense com o endurecimento do regime no sistema penitenciário foi expressa de outra forma: através de ataques criminosos, também planejados pela rede social.

No dia 20 daquele mês, Isaías Sousa Madureira, o 'Irmão 20', sugere, em um grupo: "Vamos bota (colocar) fogo nesse mundo todo... Doido querendo 'babilônia' neste mundo... Qualquer coisa, noz (nós) rouba (roubamos) o posto (de combustíveis) e depois noz (nós) taca (colocamos) fogo... Horas dessas é bom comsesionária (concessionária de veículos) que fica as VTs (viaturas) dos vermes lá (referindo-se aos policiais)".

Em outro grupo, Aílton Maciel Lino, o 'Irmão Snoopy', propõe: "Tem q (que) toca (colocar) fogo em supermercado grande de nome. Os das comunidade não, pra não afeta as comunidade (afetar as comunidades)".

Os ataques criminosos iniciaram justamente no dia 20 de setembro, com um caminhão roubado no Município de Quixadá e incendiado em Quixeramobim, conforme a acusação. No dia seguinte, 'Siciliano' enviou um "salve" (manifesto) aos comparsas, para reclamar ao governador Camilo Santana sobre o tratamento dado aos presos no sistema penitenciário cearense.

"Pois da forma que vem acontecendo, vamos unir forças para nos defender de maneira recíproca a qual estamos sendo tratados hoje no sistema do Ceará. Esperamos que o sr (senhor) exonere este secretário (Mauro Albuquerque) obsoleto e tosco ou o Estado do Ceará irá caminhar para o abismo e isso está em total iminência", esbravejou.

Os ataques criminosos se perpetuaram pelo território cearense até o dia 30 de setembro último, com um total de 99 registros. Em resposta, o Estado, com apoio de tropas federais, capturou 150 suspeitos de participar dos crimes.

Postos de combustíveis, concessionárias de veículos, supermercados, prédios públicos e automóveis foram atacados pelos criminosos. Mas estava nos planos também atentar contra a Arena Castelão, durante um show de forró. Essa foi uma sugestão do 'Irmão Arqueiro' a 'Siciliano', no dia 22 de setembro daquele ano.

'Irmão Arqueiro' pediu que o comparsa conseguisse granadas para lançar no estacionamento do estádio. "Eu sei trabalhar com isso mano véi (irmão velho), sei fazer a detonação de várias formas, só ainda não sei no controle, mas a bateria, no cordel e no pavio eu sei", confirma "Siciliano".

Outra acusada, a advogada Elisângela Maria Mororó enaltece a ideia de explodir a Arena Castelão e diz que o ataque, se concretizado, renderia grande repercussão, sendo digno de notícia internacional, segundo a denúncia.

Mensagens

Elisângela Mororó também atuava como "mensageira" da facção, trocando mensagens entre a rua e o cárcere. Em um recado enviado a 'Siciliano' através da advogada, 'Tiago Magão' sugeriu o assassinado do secretário da Administração Penitenciária (SAP), Mauro Albuquerque: "Se for preciso pegar um carro, para usar para acabar com o MA (Mauro Albuquerque), podem pegar. Foi caro, mas se for pra fazer o serviço dele, compensa".

Em outro "salve" em um grupo do WhatsApp, também datado de 21 de setembro do ano passado, uma pessoa identificada apenas como 'Irmão Isabel' cria uma tabela de preços de recompensa para quem matar agentes públicos, como agentes penitenciários e secretários de Governo e também parlamentares.

As 23 pessoas que participavam dos planos criminosos foram acusadas pelo Ministério Público pelos crimes de organização criminosa, dano, incêndio, tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo - conforme a participação individual. A denúncia ainda aguarda posicionamento do juiz da Vara de Delitos e Organizações Criminosas.

 

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