O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) decidiu afastar o juiz Francisco José Mazza Siqueira. O Tribunal divulgou que a decisão foi por unanimidade, proferida nesta quinta-feira (10) durante sessão presidida pelo presidente da Instituição, o desembargador Abelarto Benevides Moraes.
Vídeos nos quais, Francisco José é visto ofendendo vítimas de crimes sexuais, durante audiência em Juazeiro do Norte, foram divulgados com exclusividade pelo Diário do Nordeste.
Após repercussão do caso, na última segunda-feira (7), o TJ informou que a Corregedoria-Geral da Justiça abriu sindicância para apurar a atuação do magistrado. Durante o afastamento, o juiz está proibido de frequentar as unidades do Poder Judiciário, ter acesso aos sistemas e manter contato pessoal com outros servidores e magistrados.
VEJA VÍDEO COM TRECHOS DA AUDIÊNCIA NO ÚLTIMO DIA 26 DE JULHO
"O colegiado acompanhou o voto da corregedora-geral da Justiça, desembargadora Maria Edna Martins, que pediu o afastamento cautelar e provisório do magistrado pelo prazo inicial de 90 dias. Para a relatora, “os fatos narrados evidenciam a incompatibilidade da permanência do magistrado no exercício de sua função pública”, disse o órgão.
"A medida é necessária para resgatar a confiança de que o jurisdicionado será julgado por magistrado independente e probo, livre de máculas que denotem infundadas suspeitas sobre o seu exercício funcional”.
Aécio Mota, advogado das vítimas, diz que "o afastamento cautelar do juiz, ao nosso ver, só mostra o dever que os juízes têm de tratar as partes com digninidade. Entendemos que essa decisão reafirma que os magistrados devem ter uma atuação imparcial. Parabenizamos o Tribunal pela decisão e ressaltamos que a mesma se deu de forma unânime, o que reforça ainda mais o dever de imparcialidade, que no fatídico caso, foi absolutamente violado pelo Juiz".
Hoje foi um grande dia para a justiça caririense, visto que não foi o abuso de poder que prevaleceu. A medida vem em boa hora e mesmo de forma cautelar, demonstra que a postura do magistrado deve ser sempre equidistante das partes.”
A corregedora-geral falou ainda que existe uma outra sindicância em aberto em desfavor de Francisco José Mazza Siqueira.
"A sindicância para apurar a conduta do magistrado foi instaurada ainda nessa segunda-feira (07/08), após uma das mulheres apresentar pedido à Corregedoria-Geral da Justiça. No dia seguinte, 8 de agosto, a desembargadora Maria Edna Martins foi até Juazeiro do Norte para coletar depoimentos relacionados ao caso, onde permaneceu até essa quarta-feira (09), complementou o Tribunal.
"ESPERO QUE SEJA UM JUIZ COM EMPATIA"
Depois do trauma devido às falas e do comportamento do juiz Mazza, agora, as vítimas dizem esperar que seja um magistrado "com empatia e com verdadeiro senso de Justiça" a ouvi-las.
"Com certeza essa antecipação é devido à denúncia, pela divulgação na mídia do ocorrido. Não é fácil passar pelo assédio e ainda mais passar por um juiz que coloca a vítima como a culpada de tudo que aconteceu. Eu espero, eu desejo, eu rogo a Deus que dessa vez seja um juiz com empatia, com verdadeiro senso de Justiça", disse uma das vítimas.
"É uma ansiedade de se fazer Justiça. Nada justifica um assédio"
Nessa quarta-feira (9), duas mulheres foram ouvidas no Cariri, na presença da desembargadora e corregedora-geral da Justiça do Ceará, Maria Edna Martins, e de uma juíza. Uma delas disse ao Diário do Nordeste que “finalmente se sentiu acolhida e amparada pelo Judiciário”.
Para o advogado das vítimas, a sessão presidida por Mazza no último mês se "tornou um circo de horrores". Das 9h às 13h, as mulheres estiveram na presença do juiz. O que elas não esperavam era, naquele momento de 'vulnerabilidade', ser revitimizadas, desta vez, segundo denunciantes, pelo próprio magistrado.
Em determinado momento da sessão, uma das depoentes ouviu o magistrado dizer: "tinha aluna que chegava se esfregando em mim...esfregando a vagina em mim… aqui não tem criança, aqui é todo mundo adulto... e dizia professor não sei o que.. E eu dizia: minha filha é o seguinte: quando eu deixar de ser seu professor, você faça isso aqui comigo".
Uma das vítimas de crime sexual, ouvida na audiência, diz ter sido "violada, invadida e coagida" ao longo da sessão. A mulher, de nome preservado, conversou com o Diário do Nordeste e relembrou "comentários e falas machistas" vindos do magistrado.
A vítima reclama que enquanto prestava depoimento precisou ficar em frente ao acusado dos assédios, o médico Cícero Valdibézio Pereira Agra. Depois, ainda na sala, ouviu o juiz dizer que "quem acha que é mulher é tudo boazinha, tão tudo enganado, viu. Eita bicho de mão pesada, bicho da língua grande e que chuta nas partes baixas, são as mulheres. Tô dizendo isso no sentido que vocês são fortes" (sic).
CRIME SEXUAL MEDIANTE FRAUDE
O médico Cícero Valdizébio Pereira Agra foi denunciado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por crime sexual mediante fraude. A reportagem entrou em contato com a defesa do réu, mas não teve retorno.
Cícero passou a ser investigado pela Polícia Civil desde que pacientes contaram sobre abusos sofridos dentro do consultório na região do Cariri, Interior do Estado. Dentre os relatos, as mulheres dizem que tiveram os "seios massageados", "cabelos puxados" e a "calça tirada" durante as sessões, enquanto o médico afirmava que as atitudes eram parte do tratamento.