Como vive uma mãe que não sabe o paradeiro do filho? Sem direito a um último beijo de despedida. Sem corpo velado. Mas com a certeza que na ida para o trabalho, o filho foi raptado, torturado e morto, por policiais e a mando do próprio chefe dele. Essa é a história e a dor da auxiliar de serviços gerais Margarida de Sousa, há sete anos.
No dia 30 de setembro de 2015, o frentista João Paulo de Sousa Rodrigues foi visto pela última vez. Para a Delegacia de Assuntos Internos (DAI) da Controladoria Geral de Disciplina (CGD) e o Ministério Público do Ceará (MPCE), o desaparecimento se tratou de um sequestro seguido de assassinato. As defesas dos réus negam o crime.
O caso se arrasta no Judiciário. A investigação levou à acusação contra os PMs Antônio Barbosa Júnior, Elidson Temóteo Valentim, Francisco Wanderley Alves da Silva e Haroldo Cardoso da Silva e contra o empresário Severino Almeida Chaves, conhecido como 'Ceará'. Nenhum deles foi pronunciado até o momento. O que significa que não há decisão se serão ou não levados ao júri.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), os réus foram intimados para constituírem novos advogados, já que a defesa deles não apresentou memorial escrito. "Após isso, o Juízo da 1ª Vara do Júri de Fortaleza dará prosseguimento à ação", disse o TJ.
A ação penal acerca do assassinato permanece há pouco mais de um ano na fase dos Memoriais Finais - que antecede a decisão de pronúncia ou impronúncia do juiz.
Em paralelo, tramita na 13ª Vara da Família uma ação declaratória de morte presumida com intenção de assegurar direitos sucessórios e previdenciários para a filha de João Paulo. No último mês de março, a Justiça julgou procedente a morte presumida e fixou a data provável do óbito como 30 de setembro de 2015.
A DOR PERMANECE
Uma câmera de videomonitoramento registrou quando ele foi colocado dentro de um veículo por policiais militares. Margarida de Sousa reclama da demora para o desfecho do caso e sofre por não ter conseguido velar o corpo do filho.
"Eu me sinto péssima (com a demora). E saber que seu filho era trabalhador, pai de família, um menino muito bom, que não bebia nem fumava. Era só da casa para o trabalho. E, de repente, a pessoa vai e tira a vida da pessoa assim, sem explicação", diz Margarida.
"São sete anos sem meu filho, sete anos sem nada resolvido, sete anos sem uma despedida, sete anos de espera por Justiça. É uma dor grande, a cada dia que passa ela aumenta"
Arimá Rocha, advogado assistente da acusação, considera que a investigação foi bem sucedida e que as provas contidas nos autos são substanciais: "a interceptação telefônica é reveladora. A prova testemunhal também. Há um conjunto probatório que uma vez analisado, uma vez intercalado essas provas, assevera com certeza de que estamos diante de um crime perpetrado por uma organização criminosa".
O advogado acredita que os acusados serão pronunciados: "homicídio duplamente qualificado e organização criminosa. Ao final, eles serão levados ao júri. A prescrição de casos assim é muito extensa. Não vão, de forma nenhuma, serem beneficiados pela prescrição".
Os PMs também são réus por ocultação de cadáver.
"A dor da família vai além da dor de perder um ente querido. Ele era aquele que dava a sustentação à família, e isso é muito forte. Uma dor assim a gente não consegue imaginar"
ANDAMENTO DO PROCESSO
A primeira denúncia do MPCE pelo desaparecimento de João Paulo incluía apenas os quatro policiais militares. A acusação por tortura mediante sequestro com resultado morte e por ocultação de cadáver foi apresentada à 5ª Vara Criminal de Fortaleza em 1º de dezembro de 2015, cerca de dois meses após o caso.
O processo só foi distribuído à 1ª Vara do Júri de Fortaleza, em 28 de novembro de 2017, após a juíza da 5ª Vara Criminal entender que o episódio se tratou de um homicídio. Então, o representante do MPCE na Vara do Júri acusou, no dia 1º de fevereiro de 2018, os quatro PMs por homicídio, ocultação de cadáver, roubo e organização criminosa; e incluiu o nome do empresário Severino Almeida Chaves na lista de denunciados, pelos crimes de homicídio, ocultação de cadáver e roubo.
Procurada pela reportagem, a Defesa de Severino Chaves representada por Leandro Vasques e Holanda Segundo afirmou que “confia que seu constituinte será impronunciado, ante a total falta de qualquer indício de sua participação no suposto crime. Não foi sequer indiciado pela autoridade policial, tampouco denunciado pelo Ministério Público, vindo a ser incluído no processo apenas quando houve a mudança de competência para o Júri, sem qualquer fato novo e com base exclusivamente em denúncias anônimas que já haviam sido averiguadas e descartadas pela polícia judiciária”.
Os quatro policiais militares também respondem ao processo em liberdade. A defesa dos PMs não foi localizada pela reportagem nem apresentou Memoriais Finais no processo, até a publicação desta matéria.
ENTENDA O CASO
De acordo com o MPCE, o frentista João Paulo Sousa Rodrigues foi abordado por uma viatura da Polícia Militar do Ceará (PMCE) no caminho para o trabalho, na Avenida Cônego de Castro, em Fortaleza, na tarde de 30 de setembro de 2015. Estavam na viatura os policiais Antônio Barbosa, Elidson Valentim e Francisco Wanderley da Silva.
Após a abordagem, o jovem foi colocado dentro do porta-malas de um veículo de propriedade e guiado pelo militar da Reserva Remunerada Haroldo Cardoso, que estaria acompanhado de "pessoas até hoje não identificadas", segundo o MPCE.
"Tanto aquela viatura quanto o referido veículo privado, passaram a trafegar por locais ermos, onde fizeram diversas paradas, e, na sequência, mataram e ocultaram o cadáver da vítima, cujo corpo nunca foi localizado. Nesse particular, cumpre ressaltar, que desde a data em que João Paulo saiu de sua residência para o trabalho, não retornou mais à sua casa, circunstância que, somada aos demais elementos constantes destes autos, comprovam, a mais não poder, que o mesmo restou incinerado, pelos ora acusados".
João Paulo trabalhava em um posto de combustíveis que foi roubado, em Maracanaú. Em fevereiro de 2015, ele começou a trabalhar em um posto de propriedade de Severino Almeida Chaves. E, no dia 13 de setembro daquele ano, o estabelecimento foi assaltado. A coincidência, segundo os investigadores, teria feito o empresário desconfiar do empregado e encomendar a sua morte, de acordo com o MPCE.