'Nossos filhos não tiveram direito de viver': mães de vítimas de chacina falam sobre júri de PMs

Quatro policiais militares vão a júri popular no Ceará devido às 11 mortes na Chacina da Messejana

"Quem perde um filho com 17 anos, não tem mais esperança, mas a fé por Justiça move a gente". Aos 58 anos, Suderli de Lima lembra todos os dias do filho Jardel, morto aos 17 em um dos episódios mais marcantes da Segurança Pública do Ceará: a Chacina da Messejana.

Agora, quase oito anos depois e com a notícia que os primeiros policiais militares irão a júri popular, ela não considera que a marcação da data do julgamento se trata de uma conquista. Para Suderli, para Edna Carla Souza Cavalcante, para as 'Mães do Curió', não há o que celebrar até então, sem a certeza que os acusados serão condenados.

"Enquanto eles vivem, nossos filhos não tiveram direito de viver. Tiraram esse direito dos nossos filhos naquela noite. Inocentes pagaram com a vida, foram executados. Eu, como mãe, sinto que não é uma conquista. Para mim conquista seria meu filho vivo. Quem perde um filho com 17 anos, não tem mais esperança, mas tenho fé pela Justiça. É isso que move", disse Suderli.

'UMA AVALANCHE DE SENTIMENTOS'

Edna Carla Souza, de 51 anos, ou apenas: "mãe do Álef", como prefere ser lembrada. Fundadora do 'Mães do Curió' e membro do 'Mães da Periferia', a dona de casa desenvolveu problemas na visão após centenas de noites acordadas, chorando pela morte do filho, que faria 25 anos nos próximos dias.

Álef Souza Cavalcante morreu aos 17 anos. É uma das 11 vítimas da chacina, ocorrida nos dias 11 e 12 de novembro de 2015, em quatro bairros da Grande Messejana.

"São quase oito anos sem ele, mas ainda digo que ele vai fazer 25 anos. Eu quero colocar meu filho no presente, como ele merece. Eu sou a memória de tudo isso. É uma avalanche de sentimentos", diz Edna.

"É muita luta, muita busca, muito choro. A gente cansou, se reestabeleceu, tomou força. Eu luto para que o Estado não mate mais. Que a Polícia não seja paga para matar. A gente almeja a Justiça, a condenação. Não quero que seja apenas um júri que vá levar à inocência. Para mim não tem argumento uma Polícia matar. A gente espera que todos sejam condenados, que a gente tenha um alívio. Nossos filhos não voltam nunca, mas a gente pode ver ainda a Justiça ser feita"
Edna Carla
Mãe do Álef

A dona de casa teme que o desfecho do primeiro júri seja similar aos de casos recentes noticiados, como o ex-PM Fabrício Sousa dos Santos. Fabrício foi inocentado pela morte do jovem Gabriel Oliveira França, assassinado em um encontro de paredões de som, em 2019, na cidade de Russas, Interior.

A acusação recorreu da sentença e o caso segue para decisão em 2º Grau. Francisco Ariston França, pai do jovem, ainda acredita em uma possível reviravolta no caso e diz não aceitar que "o caso fique impune".

DATA DO JÚRI

A Justiça Estadual marcou para o dia 20 de junho de 2023 a data do júri dos PMs: Marcus Vinícius Sousa da Costa, Antonio José de Abreu Vidal Filho, Wellington Veras Chagas e Ideraldo Amâncio. 

A sessão está programada para acontecer no dia 20 de junho de 2023, às 9h, no 1º Salão do Júri do Fórum Clóvis Beviláqua.

Além do interrogatório dos 4 réus, o Colegiado de Juízes que atua no processo criminal determinou a oitiva de sete vítimas sobreviventes, quatro testemunhas arroladas pela acusação e nove testemunhas arroladas pela defesa.

Ao total, 34 policiais militares foram pronunciados, em três processos criminais, derivados da chacina. Oito militares foram impronunciados e outros dois agentes, tiveram a conduta desclassificada para crimes de menor gravidade.