A família do universitário Antônio Neilton Farias de Sousa, morto em uma abordagem da Polícia Militar do Ceará (PMCE) há 15 anos, ainda aguarda o pagamento de uma indenização que ultrapassa R$ 169 mil pelo Estado do Ceará, mesmo já tendo sido definido pela Justiça desde 2018. Enquanto isso, o policial militar acusado de efetuar o disparo que matou o jovem foi reintegrado à Corporação, por decisão judicial, há duas semanas.
A reintegração do PM, aliada à falta de pagamento da indenização, revoltou o pai de Antônio Neilton, o aposentado Antônio Milton de Sousa.
Além de termos perdido nosso filho, ainda ficamos nessa situação, a Justiça não dá uma resposta. O policial militar retornou e vai receber os salários atrasados. E a gente?"
A 3ª Vara da Fazenda Pública acatou, em junho de 2015, Ação por Danos Morais e Danos Materiais, ingressada pelos pais de Antônio Neilton contra o Estado do Ceará, em razão da morte do filho, um jovem de 24 anos, que estudava Administração, em um assalto ocorrido em Fortaleza, que contou com uma intervenção policial.
O Estado foi condenado a pagar inicialmente R$ 100 mil aos requerentes por danos morais - valor que foi corrigido para R$ 169,2 mil, com aplicação de juros, em abril de 2018; e a arcar ainda com prestações mensais equivalentes a 2/3 do salário mínimo, até o período que o jovem completaria 25 anos, e parcelas de 1/3 do salário mínimo, dos 25 anos até o momento em que a vítima completaria 75 anos de idade, se estivesse vivo, por danos materiais.
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) recorreu da decisão ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), que atendeu a apelação em parte, o que mudou o cálculo dos juros incididos na indenização. Com isso, o processo transitou em julgado em abril de 2018.
Desde então, a família de Antônio Neilton aguarda o pagamento da indenização. Apenas a prestação mensal, em decorrência dos danos materiais, começou a ser paga em julho de 2021, no valor de R$ 403, segundo o pai do universitário.
Antônio Milton acredita que o valor que ele e a esposa têm a receber, se somada a indenização por danos morais (iniciada em R$ 100 mil) com o valor ainda não pago pelos danos materiais (de 2007 a 2021), chegue a R$ 400 mil. "A gente se sente incapacitado", afirma o aposentado, depois de anos em que tenta entrar em contato com a Justiça e com o Estado para receber o pagamento.
Procurada para explicar por que o pagamento da indenização ainda não foi realizado conforme determinou a sentença judicial, a Procuradoria Geral do Estado ressaltou que a família de Antônio Neilton começou a receber uma pensão.
"O processo em trâmite na 3ª Vara da Fazenda Pública aguarda a atualização de valores por parte do Poder Judiciário, tendo sido remetido à Contadoria em 25/08/2022. Nesse caso, após o retorno do processo, o Estado do Ceará e o autor serão notificados para se manifestarem e tomarem as providências necessárias", completou a Instituição, sem dar um prazo para o restante do pagamento da indenização.
[Atualização: 30/08/2022, às 15h54] Após a publicação da matéria, o Tribunal de Justiça do Ceará emitiu nota em que explica que, ao entrar em fase de cumprimento de sentença definitivo, as partes foram intimadas para manifestação e discordaram dos valores, por entenderem que "os (valores) referentes ao dano moral não estão incluídos no ofício requisitório, além disso, entenderam que deveriam ser atualizados até fevereiro de 2021".
"O Estado se manifestou contra a aplicação da taxa de juros durante o período de atualização. Diante do exposto, foi determinada a remessa dos autos ao Setor de Contadoria a fim de proceder à atualização das planilhas homologadas, sendo atualizado o crédito referente ao dano moral. A planilha referente ao dano material também precisou ser atualizada. Com isso, os exequentes solicitaram a juntada de atualização dos cálculos trazendo aos autos novas planilhas atualizadas até maio de 2021. O processo de cumprimento de sentença segue em andamento na 3ª Vara da Fazenda Pública", completa o TJCE.
Policial foi reintegrado à Corporação
O soldado Francisco das Chagas Tenório, expulso dos quadros da Polícia Militar do Ceará em 2012, foi reintegrado definitivamente à Corporação, 10 anos depois, por decisão da Justiça Estadual. Ele foi acusado de matar um estudante universitário, ao intervir em um assalto que ocorria em uma topique, no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza, mas acabou absolvido no processo criminal.
A Auditoria Militar do Estado do Ceará determinou, no último dia 12 de agosto, que seja declarada nula a decisão final do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que expulsou o PM; e que o Estado do Ceará promova a imediata reintegração do militar e ainda pague ao mesmo a remuneração correspondente ao período de afastamento da PMCE. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) do último dia 16.
A administração levou em consideração como principal motivo da exclusão a prática do suposto homicídio, que restou descaracterizado em processo criminal, pela negativa de autoria quanto ao requerente da presente ação. Quanto a atitude do autor em realizar disparos em uma ocorrência, ficou evidente na análise probatória contida no PAD quetratava-se de uma troca de tiros entre infratores da lei e agentes públicos que tentavam restaurar a ordem, não podendo subsistir referida transgressão disciplinar, conforme entendimento majoritário doutrinário e jurisprudencial pátrio."
Ao pedir a reintegração, a defesa de Francisco das Chagas argumentou que "o Comandante (da PMCE, à época) tomou uma atitude precipitada, infundada e ilegal, pois como já fora mencionado, atribuiu características ao pretenso crime, se arvorando da competência pela análise dos fatos no mérito penal, extrapolando dessa forma sua competência disciplinar, e decidindo de forma injusta e ilegal pela expulsão do ora autor".
Ainda segundo a defesa, o cliente "vem passando por uma longa jornada de discriminação no seio da Corporação, uma vez que apesar de ter obtido uma decisão judicial liminar que o garantia a trabalhar na PMCE, este era visto de forma diferente por seus pares e comandantes, uma vez que sua situação não era definitiva e não podia concorrer aos benefícios que lhe eram peculiares a carreira, tais como cursos de habilitação a graduações superiores e suas respectivas promoções".
PM foi absolvido de homicídio
O 5º Tribunal do Júri Popular de Fortaleza absolveu Francisco das Chagas Tenório, ao reconhecer a tese da defesa do réu de negativa de autoria do crime de homicídio, em 21 de junho de 2018.
O soldado da Polícia Militar foi acusado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) pelo homicídio que vitimou o estudante universitário Antônio Neilton Farias de Sousa, em uma intervenção policial a um assalto que ocorria em uma topique, no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza, na noite de 12 de junho de 2007.
Neilton tinha se encontrado com a namorada e depois pegou a topique 06, que fazia a linha Barra do Ceará - Edson Queiroz, para ir assistir à aula na Faculdade de Administração. Cursava o 4º semestre e trabalhava. No meio do trajeto para a faculdade, a topique foi invadida por assaltantes. Dezoito pessoas estavam ali, entre passageiros, motorista e cobrador. Todos foram feitos reféns pelos criminosos. A Polícia cercou o veículo, que foi crivado de tiros.
Três suspeitos de realizar o assalto foram presos pela Polícia, dias depois. Entretanto, a investigação policial mostrou que o tiro que atingiu Antônio Neilton foi disparado pelo soldado Francisco das Chagas, de fora da topique.