Duas empresas pertencentes à mesma família foram alvos de uma operação do Ministério Público do Ceará (MPCE), deflagrada nesta quinta-feira (21), por suspeita de fornecerem alimentos inadequados em contratos firmados com o Estado do Ceará. De acordo com o órgão fiscalizador, os alimentos — identificados como estragados ou em quantidade abaixo da prevista — eram direcionados a secretarias específicas, especialmente a da Administração Penitenciária e Ressocialização, a da Educação e a da Saúde.
Há indícios de que contas bancárias das duas empresas tenham movimentado cerca de R$ 1 bilhão, de 2018 até os dias atuais. As empresas, segundo o Ministério Público, são suspeitas de fraudar licitações, fornecer alimentos inadequados e desviar valores para uma terceira firma, que seria utilizada para lavagem de dinheiro. Os nomes dos suspeitos e das empresas investigados não foram divulgados na coletiva de imprensa.
Procurado pela reportagem, o Governo do Ceará informou, em nota, que "está se colocando a par da operação para a adoção das providências necessárias. E destaca que os órgãos da administração pública estão à disposição para prestar informações e atuar no combate à corrupção".
A Operação Cibus foi deflagrada para dar continuidade às investigações. Foram cumpridos 11 mandados de busca e apreensão na casa de empresários e de um policial penal, bem como nas sedes das empresas, localizadas nos municípios de Fortaleza e Crato.
"Essas empresas, após vencerem licitações para o fornecimento de alimentos a órgãos públicos, davam início à fase de fraudes na execução dos contratos, tanto fornecendo menor quantidade prevista como, também, destinando produtos inadequados para consumo. Os indícios da investigação constataram que havia produtos sendo destinados a públicos de órgãos específicos, tanto no âmbito estadual como no âmbito da prefeitura", explicou o promotor de Justiça Bruno Barreto, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) do Ministério Público.
Outro ponto destacado pelo promotor é que parte dos valores obtidos nas fraudes era encaminhada a uma "empresa de fachada", responsável por lavar o dinheiro. "Em um intervalo de dez meses, [a empresa] chegou a receber desse grupo em torno de R$ 2,8 milhões. E essa empresa tinha capital social de apenas R$ 3 mil e faturamento médio mensal de R$ 5,8 mil".
"Constatou-se que havia uma alternância sucessiva das tais empresas nas licitações envolvendo o fornecimento de gêneros alimentícios aos órgãos do Estado, surgindo indícios de que o êxito em cada certame se fazia assegurado por meio de direcionamento e/ou favorecimento dos procedimentos, seja pela presença de cláusulas que limitavam a competitividade, seja pela dispensa indevida e/ou 'fabricação' de situações emergenciais."
Leandro Vasques, advogado de alvos da operação, procurado pela reportagem disse que “a defesa só se manifestará quando lhe for franqueado o pleno acesso aos autos processuais, o que já foi requerido formalmente."
'50 quentinhas estragadas' e comida azeda: áudios mostram irregularidades
Conversas entre uma empresária e funcionários de uma empresa de fornecimento de alimentos mostram que órgãos públicos do Ceará recebiam comidas "estragadas" e "azedas", fora do cardápio e em quantidade abaixa do previsto. Em áudios interceptados na Operação Cibus, é possível ouvir uma pessoa falando em "50 quentinhas estragadas". Ouça:
Outra parte da conversa fala em alimentos "podres" e azedos. Em outro momento, a voz da mulher chega a dizer que dentro de uma quentinha tinha "10 bolinhas de carne, frango e linguiça" e que ela teve de triar quatro marmitas que estavam "podres".
É possível perceber ainda que uma empresária orientava trabalhadores a misturar pó com polpa de suco, em um cardápio que não previa isso no contrato.
"Hoje é suco", diz um funcionário. "Homem bota suco em pó", diz a voz da empresária. "Não, lá no contrato é polpa", retruca o trabalhador. "Eu sei, mas bote pó, misture. E bote suco barato", indica a mulher.
As orientações contrárias aos contratos continuaram durante as conversas. A empreendedora chega a ordenar que parem de servir "sobremesas elaboradas", que segundo um funcionário estaria previsto quatro vezes na semana. "Homem, vamos tirar essas sobremesas elaboradas, bote docinho no lugar"
'Empresa de fachada' era comandada por policial penal
Segundo o promotor de Justiça Breno Rangel, foi a "empresa de fachada" utilizada pelos criminosos para lavar o dinheiro que chamou a atenção dos órgãos de controle. A empresa era comandada por um policial penal do Ceará, mas a mãe dele, de 85 anos, e o filho figuravam como proprietários. Para o MPCE, os dois familiares eram utilizados como "laranjas".
"A partir daí, a gente começa a fazer diligências para tentar entender o que está acontecendo e, neste caso, a partir dessas diligências, a gente chegou no que a gente entende que é uma organização criminosa que está adicionando dinheiro público. E, mais do que isso, causando um dano à saúde, também", completou o promotor.
contratos, no mínimo, foram fechados entre as duas empresas e o Estado do Ceará, entre 2010 e 2020, segundo o MPCE.
Operação Cibus
A Operação Cibus teve início em 2019, a partir do recebimento de informações indicativas de operações financeiras suspeitas, com o objetivo de apurar a existência de uma possível organização criminosa integrada por empresas e empresários do ramo da indústria alimentícia, além de um servidor público estadual e de pessoas usadas como "laranjas".
Os crimes investigados são de fraudes na execução de contratos, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro.
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