A morte da contadora Kaianne Bezerra Lima Chaves, de 35 anos, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), completou um ano nesta semana. O caso, que chegou a ser considerado como um latrocínio (roubo seguido de morte), teve uma das maiores reviravoltas da história criminal recente no Ceará: o marido da vítima virou acusado de planejar um feminicídio.
O processo - que tramita sob sigilo de justiça - ainda não teve julgamento. A reportagem apurou que o Ministério Público do Ceará (MPCE) pediu à Justiça Estadual, no último dia 26 de julho, para dois réus, Leonardo Nascimento Chaves e Adriano Andrade Ribeiro, serem pronunciados (isto é, levados a júri popular). Em contrapartida, o Órgão Acusatório pediu pela impronúncia (para não ir a julgamento) de Philipe Azevedo de Araújo. As partes aguardam a sentença de pronúncia da Vara Única Criminal de Aquiraz.
O MPCE considerou, nas Alegações Finais, que "as testemunhas inquiridas durante a instrução criminal ratificaram as provas coletadas durante a fase inquisitiva da persecução penal". "As provas coligidas aos autos revelam um conjunto fático probatório que autorizam a condenação dos acusados pelo crime narrado na denúncia. As provas testemunhais são harmônicas e robustas", concluiu.
Leonardo Chaves, marido da vítima, é acusado pelo Ministério Público de forjar um latrocínio que vitimou Kaianne Bezerra e de contratar o motorista Adriano Ribeiro e um adolescente para cometer o crime. Os dois adultos estão presos, enquanto o adolescente já foi sentenciado a 3 anos de internação em centro socioeducativo e cumpre a medida, em Fortaleza.
O ex-servidor terceirizado da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), Philipe Azevedo, chegou a ser denunciado pelo MPCE como participante do crime, ao ter conhecimento do plano homicida do amigo Leonardo e de lhe apresentar Adriano. Entretanto, o Órgão Acusatório voltou atrás e pediu pela impronúncia do réu. "No decorrer da audiência de instrução não foram colhidos veementes indícios de autoria com relação a este denunciado", concluiu, nas Alegações Finais. Philipe foi solto pela Justiça, no dia 19 de julho deste ano.
Um quarto homem foi denunciado pelo Ministério Público de cometer o crime de favorecimento real, por ter ajudado os outros acusados após o feminicídio. Porém, o processo contra ele foi suspenso, em razão de não ter sido encontrado pela Polícia nem pela Justiça.
A reportagem questionou ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) sobre o andamento do processo. O Órgão respondeu, em nota, que "o processo já passou pela fase de instrução e, atualmente, está na fase das alegações finais, que são as exposições que as partes envolvidas realizam para reforçar suas teses. Dos três réus, dois encontram-se presos. A Vara Única Criminal de Aquiraz, onde o processo tramita, aguarda que a defesa de um dos réus apresente as alegações finais".
As defesas de Leonardo Nascimento Chaves e Philipe Azevedo de Araújo não quiseram se manifestar, em razão do sigilo de justiça determinado no processo. Durante a investigação, os advogados de Philipe sustentaram que ele apresentou Adriano a Leonardo no intuito de que o motorista realizasse corridas para o amigo. A defesa de Adriano Andrade Ribeiro não foi localizada.
Família da vítima espera condenação
Irmã de Kaianne, a publicitária Brenda Bezerra contou à reportagem sobre a dor da família e a espera pelo julgamento. Depois de um ano da morte da contadora, ela afirma que "para a justiça do Brasil, está um caso rápido, mas para a família ainda é lento. Porque o nosso desejo é que eles (acusados) sejam julgados e condenados. Mas ainda não foi decidido se o caso irá para júri popular ou não".
A gente acompanha o caso com muita tristeza e revolta, porque a gente não conseguiu viver o luto ainda, de tantas surpresas que foram aparecendo."
Brenda lembra que "Kaianne era uma pessoa boa, que cresceu na vida com os estudos". "Para a gente, foi uma grande surpresa quando o marido foi dado como o mandante do crime, porque até então a minha mãe tratava ele como se fosse um filho. A gente tratava ele como se fosse da família".
"Quando aconteceu tudo, a minha mãe chamou ele para perguntar se ele queria passar um tempo aqui. E foi, em uma dessas noites, que ele veio aqui para dormir e foi preso. Foi quando caiu a nossa ficha", continua.
Caso teve reviravoltas
A morte de Kaianne, aos 35 anos, em 26 de agosto de 2023, chegou a ser tratada pela Polícia como um latrocínio (roubo seguido de morte), mas teve a primeira reviravolta, após duas semanas: o marido foi preso por feminicídio. O motivo do crime seria obter um seguro de vida avaliado em R$ 100 mil.
As primeiras investigações também apontavam que a contadora foi morta com uma paulada na cabeça. Mas aconteceu outra reviravolta, com a conclusão de um laudo pericial elaborado pela Perícia Forense do Ceará (Pefoce), que atestou que ela foi morta por "asfixia mecânica em decorrência de esganadura".
A Polícia Civil teve acesso a imagens de câmeras de um estacionamento de um shopping, em Aquiraz, que mostraram Leonardo Nascimento Chaves conversando com o motorista de aplicativos Adriano Andrade Ribeiro e um adolescente, por volta de 20h35 daquela noite de 26 de agosto, poucos minutos antes da morte de Kaianne Bezerra.
Conforme as investigações policiais, Leonardo foi para casa e simulou o assalto, junto da dupla contratada. O marido de Kaianne teria decidido aguar plantas de fora da residência, com o intuito de ser abordado pelos supostos assaltantes.
Leonardo teria ainda deixado separados uma corda - para os "assaltantes" o amarrarem - e um pedaço de pau - para matarem a própria esposa. E ainda teria pedido para os comparsas o agredirem, para fortalecer a versão do latrocínio.
Após matarem Kaianne, os criminosos roubaram objetos da casa, como TVs, aparelhos celulares, outros aparelhos eletrônicos, bebidas alcoólicas e as alianças do casal. O próprio Leonardo Chaves teria ajudado a colocar os pertences no carro dos comparsas. O serviço dos criminosos teria custado R$ 1,2 mil, pagos por Leonardo, com a promessa de um novo pagamento após o recebimento do seguro de vida da esposa.