Caso Alana: ex-coordenador da Perícia Forense afirma que disparo foi acidental

A conclusão do perito Roberto Luciano Dantas consta de parecer técnico solicitado pela defesa do empresário David Brito, que foi denunciado pela morte da estudante Alana Beatriz, ocorrida em março de 2021

O perito criminal aposentado e ex-coordenador da Perícia Forense do Ceará (Pefoce) Roberto Luciano Dantas afirma que o disparo que atingiu a estudante Alana Beatriz Nascimento de Oliveira foi um “disparo involuntário”, popularmente conhecido como disparo acidental. A constatação faz parte de parecer técnico anexado ao processo que apura a morte de Alana a pedido da defesa do empresário. Nesta terça-feira (17), terá início a instrução do processo com depoimentos das testemunhas de acusação e de defesa.

[ATUALIZAÇÃO - 18h11]
Assim como consta no abre da matéria, o perito Roberto Dantas foi contratado pela defesa do empresário David Brito para elaborar o documento. Ele foi coordenador do Instituto de Criminalística, estrutura vinculada ao antigo Instituto de Medicina Legal (IML), órgãos que foram incorporados pela Perícia Forense do Ceará (Pefoce) em 2008 e se transformaram na Coordenadoria de Criminalística e na Coordenadoria de Medicina Legal, da Perícia Forense (Pefoce). O órgão, no entanto, enviou nota para a redação horas depois da publicação da matéria afirmando que ele “nunca ocupou o cargo de coordenador na Perícia Forense do Ceará”.

No documento, Dantas afirma que o parecer técnico não é uma “crítica à prova já produzida”, mas a “interpretação dessa prova”. O “laudo” foi confeccionado ano passado. Já o resultado da reprodução simulada dos fatos ainda não consta dos autos do processo. 

David Brito foi denunciado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por homicídio com dolo eventual (quando o acusado assume o risco de causar a morte da vítima). Alana Beatriz morreu no dia 21 de março de 2021 com um tiro na parte frontal da cabeça (testa), que partiu da arma do empresário.

Alana dormiu na noite do dia 20 na casa depois da festa que o empresário fez para amigos. Segundo testemunho dele, a estudante perguntou se ele tinha medo de morar sozinho e David afirmou a ela que possuía uma arma. 

Alana teria pedido para ver o armamento. Ao pegar a pistola em uma gaveta situada próxima a cama onde estavam, David tentou tirar o carregador da arma e houve o disparo involuntário de baixo para cima. 

A cena narrada por David na Polícia Civil foi reconstituída digitalmente pelo perito criminal Roberto Luciano Dantas. O ex-coordenador da Pefoce salienta que o impacto do projétil contra a cabeça da vítima pode ter ocasionado o deslocamento para trás, fazendo com que ela caísse sobre o travesseiro (tipo rolo) e a cabeça ficasse voltada ligeiramente para a esquerda, conforme consta nas fotos e descrição no laudo do local.

Já os peritos que fizeram o laudo de local do crime afirmam que se Alana não estivesse deitada quando foi atingida, haveria manchas de sangue na região de cima ou de baixo do peito. “Se houvesse tal vestígio, seria um indicativo de que, pelo menos, o tronco da vítima estaria verticalizado no momento do tiro”, afirmam.

Consta no laudo cadavérico que o tiro atingiu Alana na testa de cima para baixo. No documento, Luciano Dantas discorda da conclusão dos peritos da Pefoce no que diz respeito à posição do corpo de Alana.

Ele afirma que “estando o corpo de Alana, basicamente com o tronco inclinado para frente no momento do impacto pelo projétil, exatamente na cabeça (região predominante de pele e osso), sofreu o imediato recuo e tombamento do tronco para trás, ao que se deduz, por vez, repousando a cabeça sobre o travesseiro tipo rolo”.

TRAJETÓRIA DO DISPARO

Nos levantamentos feitos pelo ex-coordenador criminal é “impossível” que Alana estivesse em “decúbito dorsal” (deitada totalmente de barriga para cima) quando foi atingida.

Dantas analisou o percurso do projétil - trajetória (ambiente externo) em conjunto com o percurso intracorporal - trajeto. Após o exame, o perito criminal concluiu que:

“Se a arma estivesse num plano superior à posição em que se encontrava a vítima totalmente na horizontal (decúbito dorsal completo), sobre a cama como se estivesse dormindo, o tiro seria numa dedução lógica de cima para baixo, (tendo em vista a estatura do atirador, algo em torno de 1,79m), e, não precisa ser um expert em matemática ou física para se chegar a essa conclusão, totalmente incompatível com a trajetória e trajeto descrito no laudo cadavérico. Ainda que o citado atirador se mantivesse com seus membros inferiores flexionados”, afirma Luciano Dantas.

Para o perito criminal Roberto Luciano Dantas, não há nos autos nada que indique “brigas ou confusões, que pudessem resultar em causa ou motivo para uma ação direta e intencional por parte do acusado”. A constatação técnica do ex-coordenador da Pefoce após analisar os laudos e fazer uma “minuciosa perícia” no local, estudar a trajetória e trajeto do projétil, assim como as possíveis e prováveis posições da vítima e atirador, no momento em que “ele manuseava a pistola e pressiona o ejetor do carregador e o pressionamento da tecla do gatilho”, é de que todos esses elementos resultaram num “tiro/disparo involuntário”.

O advogado Leandro Vasques, que representa a defesa de David Brito, afirmou que o parecer do perito, que já foi diretor da Pefoce e tem larga experiência nesse tipo de caso, só reforça a tese de que houve um acidente que culminou com a morte de Alana. “Não resta nenhuma dúvida de que houve um lamentável acidente, que foi trágico para todos os envolvidos. David não era experiente em uso de armas como afirma a acusação e, ao tentar tirar a munição houve o disparo involuntário ou, como se diz popularmente, um tiro acidental".

"Estamos confiantes de que isso restará provado durante a instrução. Lamentavelmente, estão querendo emprestar uma interpretação elástica ao lamentável episódio querendo transformar um acidente em um feminicídio, em que o suposto autor sequer conhecia a vítima”.
Leandro Vasques
Advogado da defesa
  


POSICIONAMENTO DO MPCE

Já na denúncia, o MPCE afirma que o crime se tratou de um homicídio por dolo eventual, quando a pessoa faz uma ação e assume o risco de causar a morte de outras. Para o Ministério Público, o empresário interferiu no andamento da investigação, porque se apresentou à Polícia mais de 24 horas após o crime.

De acordo com o órgão acusatório, a demora de David até ir à delegacia prejudicou a realização de "exames e perícias que apenas têm viabilidade e sentido momentos depois do fato, tal como, por exemplo, exame de alcoolemia para verificar o quanto o réu estava sob efeito de álcool quando manuseou a arma", disse o MP destacando que David confessou ter ingerido bebida alcóolica na noite do fato.

Os advogados Leandro Vasques e Holanda Segundo, que representam a defesa do empresário,  disseram que a afirmação de que a apresentação de David mais de 24 horas após o crime constituiu embaraço à investigação "beira à absurdez jurídica". 

"É lição das mais elementares do Direito que nenhum acusado é obrigado a produzir prova contra si, incluindo-se aí a prerrogativa de se recusar a ser interrogado e a ser submetido a exames, não podendo o exercício de tal direito ser de nenhuma forma interpretado em prejuízo do réu. Não obstante, David, além de ter se apresentado voluntariamente, fornecido espontaneamente a arma envolvida no fato, ainda se submeteu a todos os exames que lhe foram requeridos, inclusive de pesquisa de uso de tóxicos (que também deu negativo), e prestou suas declarações à autoridade policial não esquivando se nenhuma indagação. Não faz o menor sentido falar-se em exame de alcoolemia, se o fato aconteceu no dia seguinte à festa, após acusado e vítima terem dormido por horas", afirmaram Leandro Vasques e Holanda Segundo.

O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) recebeu a denúncia contra o empresário David Brito de Farias e ele se tornou réu. O caso segue tramitando no Judiciário.